Fui criada num lar evangélico e a palavra de Efésios 5.22 foi comentada muitas vezes, tanto em casa quanto na igreja. Sempre me senti extremamente desconfortável com a interpretação passada, pois tinha sempre um enfoque machista.

A expressão “o marido é o cabeça, mas a esposa é o pescoço, que a vira para onde quer” é muito comum, e demonstra como tal conceito ainda gera desconforto e incompreensão. O fato de haver uma divisão de assunto entre os versículos 21 e 22 faz com que se perca a fluência natural do texto escrito.

Quando em encontros para casais, meu esposo inicia uma palestra provocativamente com a frase do título (maridos: sejam sujeitos às suas mulheres), logo surgem intensas reações! Na forma literal, não há esse versículo na Bíblia. Porém, em Efésios, imediatamente antes de falar sobre a submissão da mulher, Paulo afirma: “Sujeitem-se uns aos outros” (Ef 5.21). Ora, “uns aos outros” significa que os maridos devem sujeitar-se às suas esposas da mesma forma que elas, aos maridos.

Infelizmente, em uma parte significativa das igrejas cristãs, existe dificuldade em lidar com a questão do funcionamento dos papéis na relação conjugal.

Influenciados pelos ranços culturais de matizes machistas, tendemos a distorcer o propósito de Deus na criação e vivemos um modelo alicerçado na temporalidade da queda.

A relação entre homem e mulher, de acordo com René Padilla,1 passa por três momentos distintos ao longo da história. O primeiro é o da perfeita harmonia na criação, em que homem e mulher se vêem como iguais e complementários: “Esta é agora osso dos meus ossos e carne da minha carne” (Gn 2.23). O segundo é o da distorção causada pela queda, em que o pecado causa uma hierarquização e uma crise relacional: “E o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará” (Gn 3.16). O terceiro é o da restauração da intenção perfeita de Deus em Cristo, em que: “Não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo” (Gl 3.28), porque “se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” (2Co 5.17). Em Cristo realmente se inicia uma nova era na humanidade (1Co 15.45), em que os padrões da queda não devem mais ser vigentes para os que abraçam a fé cristã.

A mutualidade da sujeição na relação conjugal aponta para a intenção original de
Deus na criação e, ao mesmo tempo, denuncia as disputas por poder e a distorção gerada pela verticalização nessa relação. Na unidade mística da relação conjugal não há hierarquização, mas sim complementaridade, a partir da ternura, que gera a unidade.
É necessária a compreensão de que o único modelo de liderança aceito em qualquer relação, a partir de Cristo, é o modelo do próprio Cristo: o líder-servo (Jo 13.14 e 15; Mt 20.25 e 26) que dá a sua vida em favor de seus liderados. Dar a vida não é apenas uma ação heroica quando o outro está em uma situação de perigo. A vida é, em essência, uma quantidade indeterminada de tempo doada por Deus a cada um de nós. Assim, dar a vida é abrir mão disso que me foi doado e oferecer ao outro — mesmo que seja o tempo do passatempo predileto.

Agindo assim é que conheceremos verdadeiramente o que é uma relação de amor (1Jo 3.16).

Artigo publicado na edição 329 da revista Ultimato

  1. “o marido é o cabeça, mas a esposa é o pescoço, que a vira para onde quer”
    Somos influenciados, mas devemos estár tranquilo, pois quando o marido ama a sua mulher, ele será o centro de sua atenção, e se ela tem o temor do Senhor, certamente vai dá a melhor direção.
    Deus Criou o sexo seguro e deu-lhe o nome casamento.

    • Prezado José Mariano, agradeço seu comentário. Jamais esqueça que o único modelo de liderança proposto por Cristo é o modelo do líder servo, que dá a sua vida em favor dos que lidera. E dar a vida não é só no sentido literal, mas cada tempo que poderíamos gastar em nosso próprio favor e abrimos mão em favor do outro é uma “morte” – e é essa morte que agrada a Deus!

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