Era como um sonho. Há mais de 17 anos atrás eu havia recebido o primeiro convite para falar aos indígenas da tribo Terena sobre música contextualizada. Naquela altura as guitarras estavam sendo introduzidas fortemente na adoração comunitária em algumas tribos. Como me viram tocando e cantando músicas de “raiz”, brasileira, fizeram esse convite. Queriam que eu convencesse os jovens que a música dos seus ancestrais poderia ser utilizada a serviço do Reino de Deus. Infelizmente a viagem acabou não acontecendo. Depois surgiram mais alguns convites que por várias razões também não aconteceram.

Mas, agora, o sonho estava se cumprindo. Eu estava participando do “Fórum Brasileiro sobre o uso das Escrituras em Língua Indígena”, diante de mais de 200 pessoas falando sobre o tema “Etnomusicologia: uso da música indígena na celebração cristã”. Desse público, a grande maioria era de indígenas, representando 52 nações das 104 existentes no território brasileiro. Confesso que eu estava muito emocionado.

Anunciaram o meu nome e eu subi para o palco um tanto nervoso. Mas foi só puxar as cordas da viola caipira que o público se abriu para mim e eu para eles. Cada vez mais me impressiono com a “magia” do som da viola caipira. É uma sonoridade que conquista a todo brasileiro. Como disse Roberto Corrêa, é como se o som desse instrumento estivesse entranhado no DNA do brasileiro. E tenho constatado isso, nos quatro cantos desse país de meu Deus. Literalmente do sul ao norte; do leste ao oeste.

Subi na plataforma e passei a contar as minhas histórias nessa caminhada de reencontro com a música do meu povo. Contei a eles que num primeiro momento da caminhada cristã, eu tinha vergonha de ser brasileiro, como se isso fosse um enorme pecado. Mas que com o passar dos anos Deus foi me mostrando que a cultura era um presente dEle para mim e para o nosso povo. Ele não queria que eu abandonasse a minha cultura, mas que trabalhasse pela redenção dessa cultura. Enquanto eu falava, o zum-zum dos inúmeros tradutores enchia o ambiente. Os que não conheciam bem o português se assentaram em pequenos círculos e os tradutores iam transmitindo as minhas palavras nas línguas de cada nação. Eu via os olhos deles brilhando e me lembrava dos meus, quando essa mensagem libertadora me alcançou. Às vezes eu achava que não conseguiria completar a frase, tamanha emoção.

Por vários momentos minha fala foi interrompida por brados de alegria. “Não abram mão da música de seus pais, de seus avós, de seus ancestrais. Usem essa música para adorar a Deus. Ninguém conseguirá cantar essa música como você canta. Ela é um presente de Deus para o seu povo. Deus quer receber seu louvor na música do seu coração”.

Foi uma manhã inesquecível. Logo depois de mim o jovem etnomusicólogo e praticamente teólogo (está no final do seu curso) Heber Negrão, tomou a palavra e falou sobre a música indígena aplicada na vida da igreja. O Héber é um rapaz ainda novo que tive o privilégio de conhecer há alguns anos atrás em Belém. Certamente Deus o tem levantado de maneira especial para ajudar as igrejas indígenas a redescobrirem o valor de suas músicas e utlilizá-las para a glória de Jesus e a bênção de seu povo.

Essa experiência eu guardarei para sempre em meu coração.

Assista um pequeno trecho de um louvor indígena no Fórum:

  1. Que legal. Estive 2x entre índios caiuás no MS. Eles cantavam, nos encontros oficiais da ig, corinhos antigos (traduzidos na língua deles) de um modo meio mecânico.

    Até que ouvi o missionário caiuá Zebedeu tocando num violão velho suas próprias composições, num rasqueado típico caiuá, debaixo de uma árvore, batendo o pé na terra seca, e percebi a empolgação da platéia.

    Naquele dia sonhei em gravar as músicas dele. Levá-lo a um estúdio e produzir um disco. Até fui atrás disso por um tempo, fiz uns contatos aqui e ali, mas ainda não consegui sair do sonho. Quem sabe ainda saio…

    Fiquei emocionado de ouvir seu relato. Obrigado.

    Abaixo, compartilho uma das músicas do Zebedeu (só a letra), que foi um momento de emoção enorme pra gente tb e que nos fez querer muito gravar e difundir entre indígenas e igrejas de ‘caraís’, a música daquele povo:
    http://atrilha.blogspot.com/2009/01/haeve-iru.html

    Grande abraço e obrigado por dividir isso com a gente!

  2. Grande parceiro. Não dá pra descrever o prazer que foi vê-lo falando sobre algo tão relevante não só na igreja brasileira como também na igreja indígena. A reação dos nossos irmãos indígenas à sua palavra foi impressionante. Deus continue te usando poderosamente.
    Grande abraço meu irmão.

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