Quando negligenciamos o descanso, a compaixão e o autocuidado agimos com violência contra nós mesmos

Por Lea Ferreira

Como o descanso, como parte do cuidado integral dos que servem a Deus, precisa ser lembrado sempre? Vamos conversar sobre este assunto tão importante em três partes. Neste primeiro artigo, veremos porque estamos tão atarefados que não priorizamos o descanso. Nos textos futuros, observaremos quais lições podemos aprender com um Deus que descansa e como o autocuidado é um fator importante neste processo de descansar.

A resposta para a pergunta inicial pode estar no fato de que Deus, ao terminar a criação do mundo, descansou. Se o Criador deu importância ao descanso, por que não deveríamos fazer o mesmo? Eugene Peterson¹ afirma que vivemos em uma sociedade onde ter uma agenda cheia é visto como sinônimo de importância. E em resposta à pressão social, acabamos por nos ocupar ainda mais e quando outros notam que estamos “fazendo as coisas de Deus”, nossa “importância” é reconhecida, porém, essa busca por validação alimenta nossa vaidade.

Sentimo-nos culpados quando não atendemos às expectativas dos outros. A sociedade na qual estamos inseridos se move acelerada, com agenda, pressionada. Gostamos de estar ocupados e parecer importantes. Nouwen² pontua que o acúmulo de tarefas, e-mails não respondidos se tornam uma parte evidente da nossa vida diária. Vivemos como se estivéssemos carregando uma mala prestes a explodir, cheia de promessas não cumpridas e coisas que deveríamos ter feito. Há uma estranha aversão a não estarmos ocupados.

De certa forma, gostamos de viver sob pressão, esquecendo que somos humanos e frágeis. Observe as pessoas em locais públicos e notará que todos estão sempre correndo. Essa pressa poderá nos levar à exaustão física, emocional e espiritual. A falta de descanso resulta em sintomas como esgotamento emocional e fadiga, além de nos desviar do que realmente é importante. Ao nos ocuparmos nas nossas atividades mais do que Deus exige de nós, muitas vezes negligenciamos o descanso, a compaixão, o autocuidado. Isso gera uma violência contra nós mesmos, pois esquecemos de nossa fragilidade e limitações.

A vida mostra que não conseguimos mais realizar as mesmas atividades como antes. A nossa limitação é imposta a nós como sinal da nossa humanidade. Porém, uma parte de nós odeia limites, odeia o selo da humanidade que carregamos. Buscamos sempre fazer mais, mesmo que isso nos deixe exaustos. Pensamos que estamos cumprindo nossa missão, mas será que realmente estamos? Barron apud Scazzero³ argumenta que o centro do pecado original foi a recusa de aceitar o ritmo de Deus, que inclui o descanso e a confiança. Adão e Eva tinham responsabilidades no Jardim, mas não respeitaram seus limites e sofreram as consequências.

Nós imitamos o Criador quando fazemos pausas necessárias e descansamos. Descansar nos ajuda a nos conectar com Ele em confiança e devoção espiritual. A relação entre descanso e espiritualidade é importante e está interligada com a vida cotidiana, conclui Nouwen. Portanto, precisamos avaliar como tratamos o descanso e suas implicações em nossa vida como servos de Deus. No próximo artigo, observaremos quais as lições que podemos aprender com um Deus que descansa.

 

Notas

1. PETERSON, Eugene H. O pastor contemplativo. São Paulo: Mundo Cristão, 2008.

2. NOUWEN, Henri. Espaço para Deus. Um convite para a vida espiritual. São Paulo: Impacto Publicações, 2019.

3. SCAZZERO, Peter. Dia a dia. Uma jornada de 40 dias com o oficio divino. São Paulo: Hagnos, 2017.

 

Lea Ferreira é ligada à AMIDE (Associação Missionária para Difusão do Evangelho); já viveu no Sudeste da Ásia para uma experiência transcultural, serve na área do cuidado integral do missionário há cerca de 10 anos, atua como voluntária em projetos relacionados ao cuidado como o Movimento Irmãs Amigas, CIM TERE (Cuidado Integral do Missionário para Teresópolis/RJ e região) e CIM BRASIL (Departamento de Cuidado Integral do Missionário da Associação de Missões Transculturais Brasileiras). Atualmente é estudante de psicologia, cursando o 7º período.


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