Como não orar – oração e idolatria
Livro da Semana | A Oração Nossa de Cada Dia
E quando orarem, não fiquem sempre repetindo a mesma coisa, como fazem os pagãos. Eles pensam que por muito falarem serão ouvidos. Não sejam iguais a eles, porque o seu Pai sabe do que vocês precisam, antes mesmo de o pedirem.
[Mateus 6.7-8]
Vimos que os hipócritas se expressam com arrogância e buscam publicidade pessoal. Eles oram em pé nas esquinas das praças e nas sinagogas para serem percebidos pelas pessoas. Os gentios, por sua vez, apelam para a crença em seus métodos e artifícios de manipulação e controle de suas divindades – “… pensam que pelo seu muito falar serão ouvidos…”.
Estamos considerando gentio os religiosos que se relacionam com o mundo sagrado com a concepção de que são capazes de dobrar as divindades para atenderem seus interesses e expectativas.
O primeiro aspecto – Nesta parte, falamos sobre os agentes da religião, aqueles que tomam as decisões e controlam o espaço religioso. No espaço religioso idolátrico, como os devotos serão ouvidos se o ídolo não tem audição nem inteligência?
O segundo aspecto – Aqui, explicamos algo sobre as crenças ou técnicas de manipulação que os devotos ou os empreendedores mágicos das religiões presumem possuir nos monólogos de oração às suas divindades. Neste caso, estamos considerando a oração um monólogo, porque o ídolo tem boca, mas não fala.
OS AGENTES DA RELIGIÃO E O ESPAÇO RELIGIOSO IDOLÁTRICO
Toda religião depende de três agentes principais para o seu funcionamento: a) divindade(s), b) sacerdote(s) ou especialistas da religião e, c) devotos. Os demais elementos são desdobramentos da criatividade dos especialistas e dos devotos da religião. Eles vão criando lugares e elementos ou símbolos de poder, utilizados exclusivamente pelos empreendedores do negócio religioso. A religião, como uma expressão social, possui outros aspectos – desde sua representatividade pública, estrutura organizacional, hierarquias, conjunto de ensinamentos referentes à doutrina religiosa até questões morais e éticas. Aqui, refletiremos somente sobre os três agentes referidos acima: a divindade, o sacerdote e os devotos.
O ídolo não tem inteligência nem vontade; consequentemente, os sacerdotes ou agentes mágicos da religião e seus clientes dominam e controlam os seus interesses e propósitos. Os devotos ou clientes oram entendendo que possuem poder suficiente para dominar suas divindades. Fazemos aqui um pequeno resumo sobre religião e idolatria para que se entenda melhor qual o esquema de oração dos gentios ou idólatras.
A divindade inanimada nada controla
A divindade é indispensável no campo religioso. Ela é um elemento fundante, mesmo que não seja fundadora da religião. Quem dá origem à religião e a organiza é o especialista religioso (sacerdote, agente mágico) na interação com os devotos.
Sem a crença no sobrenatural não acontece o fenômeno religioso. Estou denominando de sobrenatural a crença posta em coisas, doutrinas ou construções imaginárias, como se elas tivessem poder para realização de fenômenos paranormais. Ou a tentativa de transformar em objetos concretos percepções subjetivas anteriores aos objetos ou símbolos representativos de tais percepções, de modo que a idolatria é anterior ao ídolo. O ídolo é apenas a materialização da imaginação construída. No campo religioso, o ídolo é uma espécie de simulacro de divindade, ou melhor, é uma tentativa de tornar concretas as percepções imaginárias das pessoas a respeito da divindade.
Assim, a divindade representada em coisas palpáveis, visíveis – mesmo que inanimadas –, passa a ser o objeto de veneração dos devotos, sob o controle e manipulação do sacerdote ou agente mágico do ambiente religioso.
Como na idolatria as divindades são uma criação ou projeção das experiências e desejos humanos, as pessoas existem antes de seus deuses, razão pela qual, na Bíblia, os ídolos são identificados como seres inanimados. Não veem, não cheiram, não andam, não se comunicam etc., e tanto o sacerdote quanto o devoto têm controle e domínio sobre eles. Fruto da invenção imaginativa das pessoas e elaborados a partir de realidades objetivas anteriormente conhecidas, podemos identificar os ídolos visíveis ou primitivos, representados por objetos, figuras humanas, animais, elementos da natureza etc.. – “objetos sagrados”; e os ídolos modernos, representados pelas ideologias, esquemas religiosos, pela “mão invisível do mercado”, por um poder político etc.
Ídolo visível – divindade materializada em objetos sagrados
Não é a sacralidade do objeto religioso que define a idolatria e sim a forma como os seres humanos se relacionam com tais representações. Quando se dá ao objeto o reconhecimento de poder sobrenatural, está estabelecido aí o DNA para a idolatria visível. Diante dessa crença, se fazem oferendas, sacrifícios, preces, trocas de favores, na expectativa de que a divindade escute e reaja aos apelos dos devotos. Veremos mais adiante que, na prática, essa é uma relação entre os clientes e os empreendedores da religião e não entre o ídolo (objeto inanimado) e as pessoas.
O modelo de idolatria visível é denunciado por Moisés, Isaías e outros profetas:
Portanto, tenham muito cuidado, para que não se corrompam fazendo para si um ídolo, uma imagem de alguma forma semelhante a homem ou mulher, ou a qualquer animal da terra, a qualquer ave que voa no céu, a qualquer criatura… [Deuteronômio 4.15b-18]
O ferreiro apanha uma ferramenta e trabalha com ela nas brasas; modela um ídolo com martelos, forja-o com a força do braço. Ele sente fome e perde a força; passa sede e desfalece. O carpinteiro mede a madeira com uma linha e faz um esboço com um traçador; ele o modela toscamente com formões e o marca com compassos. Ele o faz na forma de homem, de um homem em toda a sua beleza, para que habite num santuário. [Isaías 44.12-13]