Em momentos de incerteza, o segredo está em não duvidar que Deus está nos guiando, mesmo quando não conseguimos ver o caminho claramente

 

Por Lérderis Guerra

O Meu Lugar no Mundo

Olá, meu nome é Lérderis Guerra, sou venezuelana e é uma alegria compartilhar um pouco da minha trajetória com vocês. Claro, em um artigo curto não consigo contar toda a história de uma vida de 33 anos, mas espero que algumas partes inspirem e toquem o seu coração.

Desde criança, eu sonhava em ser missionária. Para mim, isso parecia um chamado divino, mas, à medida que crescia, comecei a achar que esse sonho talvez fosse para outros momentos da vida, ou que eu precisaria primeiro desenvolver uma carreira profissional antes de seguir esse caminho. Era o que eu pensava, pois todos ao meu redor cobravam isso, e eu comecei a acreditar que era o mais “correto”.

Depois de terminar o Ensino Médio, passei por dois cursos diferentes: educação e design gráfico. No entanto, não concluí nenhuma dessas formações. Embora eu gostasse desses cursos, sentia em meu coração que não era o que eu havia sido chamada para fazer. Era como se algo mais forte dentro de mim estivesse dizendo que meu caminho era outro, mas nunca falei isso para ninguém. Tinha receio de que as pessoas achassem que eram apenas desculpas para não continuar estudando, quando, na verdade, o que eu desejava mesmo era seguir o chamado que Deus havia plantado em meu coração.

Durante o curso de design gráfico, conheci aquele que hoje é meu marido, e foi ele quem me ajudou a voltar a acreditar que era possível viver para Deus de uma forma mais completa. Juntos, estudamos teologia, mas nunca trabalhamos como teólogos. Apesar de não ter concluído o curso de educação, sempre trabalhei como educadora em diversas áreas: educação infantil, música, artes e, mais recentemente, ensino de idiomas.

O primeiro trabalho que eu e meu esposo desenvolviemos juntos na igreja foi com crianças. O templo onde atuávamos estava localizado em uma área desafiadora, cercada de dificuldades sociais. Sentíamos que Deus nos chamava para levar o evangelho de maneira prática, oferecendo orientação educativa e afetiva para as crianças que viviam ali perto. Organizávamos atividades e procurávamos ensinar não só as histórias da Bíblia, mas o amor de Deus de maneira concreta, mostrando que havia esperança, mesmo em meio às adversidades.

No entanto, além das dificuldades das crianças, também enfrentávamos as nossas. A crise  na Venezuela estava ficando insustentável. Foi nesse momento que, após minha mãe já ter se mudado para o Brasil, decidimos segui-la e fazer do Brasil nosso novo lar. Um ano e meio depois da sua partida, fomos para Boa Vista, Roraima, em 2018, no meio de um grande fluxo de migrantes.

A chegada ao Brasil foi um dos momentos mais desafiadores da nossa jornada. Boa Vista estava lotada de famílias venezuelanas que, assim como nós, buscavam uma nova vida em meio à crise que assolava nosso país. As ruas estavam cheias de migrantes sem lar, enfrentando dificuldades extremas, dormindo ao relento e lidando com incertezas. Nós nos encontrávamos em uma situação semelhante, tentando nos adaptar à nova realidade e enfrentando os desafios que vinham com ela.

Mesmo em meio às nossas próprias lutas, sentimos o chamado de Deus para servir. Nosso coração, sempre voltado para as crianças, nos impulsionou a agir. Eu e minha irmã começamos a reunir as crianças migrantes para oferecer cuidado, atenção e atividades que traziam um pouco de alegria em meio àquele cenário tão difícil. Enquanto isso, meu marido e minha mãe ajudavam os adultos como podiam: acompanhando-os nos processos de documentação, orientando sobre os trâmites migratórios e até levando-os para atendimentos médicos. Apesar de nossa situação frágil, aprendemos a confiar em Deus ainda mais, vendo Sua presença em cada gesto de solidariedade, em cada sorriso das crianças e em cada família que conseguia avançar um passo a mais.

Algum tempo depois, tivemos a oportunidade de mudar para Recife, onde já tínhamos empregos garantidos. Parecia ser o recomeço que precisávamos, mas, mais uma vez, nos vimos tendo que começar do zero. Por alguns anos, senti que estava distante do meu propósito. Estava ocupada com as necessidades financeiras e materiais, e me perguntava: “Deus, por que estou aqui tão longe? Qual o propósito disso?”

Foi no início de 2024, quando completei 33 anos, que comecei a entender melhor o que Deus estava fazendo. Alguém me disse: “Eita, a idade em que Cristo morreu.” Levei essa reflexão para casa e, em oração, falei ao Senhor: “Jesus, Tu como humano ficaste até os 33 anos na terra. Agora que eu completei 33, quero continuar a viver refletindo a Tua presença. Quero ser um reflexo de Ti no mundo e transmitir as bênçãos que recebi”.

Sinto que desde então, mais do que nunca Deus tem realinhado minha vida ao Seu propósito, ou talvez eu estou percebendo isso mais agora. Hoje, até sou chamada de missionária na “Casa de Deus”, onde participo colaborando nos cultos dedicados às crianças de uma comunidade que ganhou meu coração, todas as quintas-feiras. Vejo o trabalho de Deus na vida dessas crianças e sei que Ele continuará transformando esse lugar, Ele me juntou aos queridos irmãos que há muito tempo evangelizam esse lugar.

Também lidero o primeiro clube de venezuelanos em Recife, onde nos reunimos todos os meses para celebrar nossa cultura, adorar a Deus e agradecer por tudo o que Ele tem feito em nossas vidas.

Hoje, mais do que nunca, vejo como tudo o que aconteceu na minha vida faz sentido para o que estou vivenciando agora. Às vezes, passamos por momentos de incerteza, sem saber se estamos no caminho certo para alcançar os desejos mais profundos do nosso coração. O segredo está em não duvidar que Deus está nos guiando, mesmo quando não conseguimos ver claramente. Confie nEle e não desista dos planos que Ele tem para você, mesmo que você ainda não saiba exatamente quais são.

Amém.

 

Lérderis Guerra é professora de idiomas e de música, e atua em projetos sociais voltados para migrantes e refugiados. É voluntária em iniciativas que promovem a integração cultural e a adaptação de migrantes no Brasil, além de coordenar o Clube Venezuelano de Recife, que tem como objetivo manter viva a cultura do seu país.  Cursa gestão pública, com o objetivo de ampliar o impacto de seu trabalho em projetos sociais.

 

 

 

Saiba mais:

>> Oitava edição do Fórum Refugiados reflete sobre acolhimento e apoio a migrantes e refugiados no Brasil

>> O Mundo: Uma missão a ser cumprida, John Stott e Tim Chester

>> A Igreja do Futuro e o Futuro da Igreja, Leandro Silva (org.)

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