*Conteúdo oferecido como “Mais na Internet” na edição 380 da revista Ultimato (nov/dez 2019).

A produção de conteúdo sobre os 50 anos da missionária norte-americana Bárbara Burns no Brasil para a seção “Nomes” da Ultimato de novembro/dezembro de 2019, fez-nos lembrar de dois ou três artigos escritos por ela para Ultimato no início da década de 1980.

Um deles, fala da responsabilidade e compromisso da igreja local com os vocacionados. E conta como a igreja de Bárbara, nos Estados Unidos, colaborou para o envolvimento da juventude com a missão. Foi bom lembrar e reler. Compartilhamos abaixo.

 

A melhor escola missionária: a igreja local

Por Bárbara Helen Burns

Sempre é interessante assistir um reencontro de classe de escola muitos anos depois da formatura. Dá para verificar a vida de todos os colegas antigos, o tamanho da barriga, o número de cabelos e filhos, a profissão, o sucesso e os estilos de vida que surgiram. Eu mesma descobri, numa destas reuniões, que os dois jovens mais proeminentes da minha classe de colégio se tornaram hippies e até agora (vinte anos depois) uma está residindo numa colônia de hippies na Califórnia. Outro colega, que era bem atrasado em termos de nossa sociedade escolar, agora é uma pessoa bastante conceituada na Marinha. Bem, algumas pessoas conseguem uma vida boa e outras não. Parece que não depende tanto das qualificações intelectuais ou sociais aparentes nos anos de escola secular (pelo menos não foi assim na minha classe). Mas, foi numa outra reunião de classe – a festa do vigésimo aniversário da mocidade da igreja – que percebi que para nós o oposto era a verdade. Nossas vidas realmente estavam arraigadas no fundamento que ganhamos naquela igreja durante os anos da juventude.

Éramos um grupo bastante ativo com quarenta a cinquenta jovens numa igreja de 350 membros. Nosso pastor era um homem quieto, manso, sem muito carisma, mas fielmente nos ensinava a Bíblia. Ele sempre aparecia nas horas mais necessárias e constantemente nos apoiava naquela sua maneira um pouco retraída.

Junto com o pastor, na liderança, trabalhavam diáconos. Diante deles ficava a nossa igreja, cheia de pessoas sempre correndo para cumprir várias tarefas e projetos importantes. Havia comitês, comissões e grupos especiais. No meio de tudo, duas atividades tinham mais importância do que outras – missões e a mocidade.

A nossa era uma igreja submergida em missões. Sustentávamos missionários, orávamos em favor de missionários, ouvíamos missionários e víamos os slides dos missionários. Hospedávamos os missionários e considerávamos os missionários as pessoas mais importantes e felizes do mundo. Conhecíamos seus aniversários, os nomes de seus filhos, os seus campos estranhos de trabalho, os seus pedidos de oração. Creio que 90% da nossa mocidade tinha se entregado à obra missionária transcultural. Para nós, missões era indispensável.

A outra parte importante era o grupo de jovens. Na Escola Dominical sentávamos e ouvíamos a lição. Só ficávamos mais ou menos passivos nesta hora. Depois, no domingo à tarde, sábado à noite, e muitas vezes durante a semana, traçávamos nossos planos de ação. Na reunião da mocidade todo o planejamento estava conosco. Não tínhamos livros, esboços preparados, ou guias. O que tínhamos era um casal responsável que entregava para nós as suas vidas, seu lar, seu tempo e sua habilidade. Eles oravam em nosso favor, davam-nos conselhos, sugestões, os amavam em todas as situações e davam todo o seu apoio. Eles faziam tudo – menos o trabalho. Nós fazíamos o trabalho. Times, líderes de times, pianistas, líderes de grupos de oração, grupos de planos sociais, líderes de comissões de missões etc, faziam parte da mocidade. Reuníamos e planejávamos tudo o que era necessário – cultos, festas, eventos especiais e evangelismo. O casal orava constantemente por nós, enquanto cada um fazia o seu papel. Inventávamos jograis, peças, jantares e m países comunistas imaginados, banquetes e até uma demonstração de poder de Deus através de química (os dois moços responsáveis erraram e infelizmente não saiu todo o cheiro de fumaça antes do culto daquela noite!).

Nós o fazíamos. Ninguém fazia por nós ou para nós. Nosso pastor e o casal de líderes davam a responsabilidade para nós. Eles nos respeitavam, nos amparavam se falhássemos, encorajavam-nos, e nos louvavam no sucesso. Eles ajudaram-nos a aprender a servir.

O cume da atividade da mocidade era “A Semana da Juventude”. Por uma semana a igreja mudava totalmente o ritmo e entregava a liderança e a operação da igreja nas nossas mãos. Membros da mocidade pregavam, dirigiam o coral, assistiam às reuniões dos diáconos, levantavam a oferta e depositavam no banco. Jovens nomeados iam às reuniões da comissão de missões, de educação religiosa, obras sociais, e qualquer outra reunião que existia na época. Nós estávamos, moças e moços, trabalhando para levar a igreja adiante durante aquela semana tão especial. Tínhamos de depender do Senhor e dos outros no grupo. Juntos nós mergulhávamos no trabalho.

Sabíamos que éramos importantes para todo o povo daquela igreja. Eles nos amavam e apreciavam, e nos ajudavam de várias maneiras práticas.  As pessoas nos levavam em viagenzinhas especiais, excursões, nos ajudavam nos projetos e nos traziam seus pedidos de oração. Eles se alegravam quando nosso time de escola ganhava e se entristeciam quando, por um motivo ou outro, nós ficávamos tristes. Cada semana uma família diferente abria seu lar para todos tomarmos chá e bolo depois do culto, ou termos uma festa de alegria e evangelismo.

Nós aprendíamos da nossa igreja, e também cada um aprendia dos seus colegas. Trabalhávamos juntos, orávamos juntos, resolvíamos nossos problemas juntos e nos divertíamos juntos. Crescíamos juntos.

Quando fui para o campo missionário, estava por dentro de tudo que aprendi no seminário, mas eu fiz aquilo que aprendo na minha igreja. Como eles tinha feito comigo, agora era fácil eu dizer: “Você faça” e, depois, orar, dar ajuda e apoio. Era fácil encorajar outros a liderar, organizar e agir. É exatamente isso que jesus fez com os seus discípulos. É isto que temos que continuar fazendo – missões e discipulado.

Como a Bíblia nos ensina, o tema centra da Igreja de Jesus Cristo deve ser missões. Vamos obedecer orando por missões, dando dinheiro para missões e enviando missionários. Agora é a hora de espalhar missionários no mundo inteiro. E tem que começar nas igrejas – igrejas que preparem seus jovens, que descubra e desenvolvam os dons próprios de cada um, que os ajudem a envolver-se no funcionamento da igreja, e que os enviem, apoiados e sustentados por aquelas mesmas igrejas que deram vida e maturidade a eles. Discipulado e missões pertencem à igreja. Missões é obra daqueles que já sabem ser e fazer discípulos, implantando a igreja de Jesus até os confins da terra.

Bárbara Helen Burns converteu-se num acampamento de crianças e adolescentes. Aos 14 anos sentiu claramente a chamada de Deus para ser missionária no Brasil e desde então direcionou toda a sua vida para este fim. É professora de missões. Colabora com a SEPAL e a Missão Antioquia. Dirige o programa de missões da Primeira Igreja Batista de Santo André, SP. Formou-se no Denver Seminary, EUA, em 1967. Está fazendo doutorado em missões e é relatora da Comissão de orientação missionária da Associação de Missões Transculturais Brasileiras. 

Artigo publicado na edição 154, maio de 1984, de Ultimato.

Leia também
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» O Discipulado na Igreja Local – Randy Pope
» Repensando a Missão na Igreja Local – René Padilla
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