A falta de tempo e a culpa nossa de cada dia
Livro da Semana | Culpa e Graça, Paul Tournier
Jesus, cujas responsabilidades eram bem maiores que as nossas, se mostra menos apressado que nós.
De longe, vejo na rua um velho amigo. Durante muitos anos nosso trabalho nos forçou a que nos víssemos com bastante frequência, o que hoje não acontece mais. Então, penso que ele me reprova por negligenciá-lo; talvez seja até sem razão que lhe atribuo isso; no entanto, não consigo deixar de pensar assim. Então, sou tentado a me desviar do seu caminho, o que me traria uma culpa maior ainda, a de cometer uma ação desleal.
Acabo abordando-o com uma pressa um pouco exagerada, com uma viva jovialidade: eu o felicito pela sua boa aparência e lhe falo muito afetuosamente, demonstrando sinceridade. Percebo muito bem que isso é para não lhe dar tempo de pronunciar a temida frase: “Há quanto tempo você não me vem me visitar?”. É uma atitude um pouco forçada, uma atitude de fachada, da qual me sinto culpado, porque minha vontade é ser autêntico com os meus amigos…
[…] Vemos muitas pessoas se lamentando o tempo todo a respeito da falta de tempo, sem jamais procurar seriamente uma solução, pois teriam de fazer alguns sacrifícios. Essas pessoas acusam a civilização, a vida moderna, o automóvel, as máquinas, todas essas coisas que os homens inventaram para ganhar tempo, como se elas fossem apenas vítimas disso e não culpadas.
No fundo de nós mesmos, bem sabemos que temos a nossa parte de responsabilidade nessa agitação toda, que nos deixamos envolver pelo curso da vida em vez de resistir a ele pela reforma da nossa própria vida e que o problema é antes pessoal que social.
Se sentimos a consciência pesada por gastar tempo à toa, como falamos há pouco, nós a sentimos também por não mais saber relaxar ou repousar como Deus ordenou (Êx 20.10); ou ainda meditar, ou orar, ou passar algum tempo em tranquila contemplação. É precisamente nessa contemplação que reencontramos a paz interior de que o mundo atual tem tanta necessidade. Como dá-la aos nossos doentes se não a possuímos? Como ensiná-los a organizar melhor a vida se a nossa está tão confusa? É na contemplação que encontramos a hierarquia dos valores, uma distinção clara entre o que é primordial e o que é secundário ou até mesmo perigoso.
Quando lemos os Evangelhos, vemos que Jesus Cristo, cujas responsabilidades eram bem maiores que as nossas, se mostra menos apressado que nós. Ele tinha tempo para falar com uma estrangeira que encontrou na beira de um poço (Jo 4.1-6). Ele tinha tempo para viajar com seus discípulos (Mc 8.27), tempo para admirar os lírios dos campos (Mt 6.28) ou o pôr do sol (Mt 16.2); para lavar os pés dos seus discípulos (Jo 13.5); para responder, sem impaciência, às perguntas tolas que eles faziam (Jo 14.5-10). E principalmente, ele tinha tempo para se retirar para o deserto e orar (Lc 5.16) e para passar uma noite inteira em oração antes de uma decisão importante (Lc 6.12).
Esse tempo de contemplação silenciosa é sempre um barômetro da minha própria vida espiritual. Periodicamente, redescubro sua importância decisiva; periodicamente também, esqueço-me dela, não sem um sentimento de culpa. Fico perplexo ao ver quantas pessoas desenvolvem engenhosas teorias para aliviar o peso que sentem na consciência em relação a isso. No entanto, tudo é inútil, como prova a multiplicidade de argumentos e o tom peremptório de suas vozes. “Uma consciência pesada não precisa de acusador” – diz o provérbio. Um dia, há mais ou menos um ano, percebi que estava me prejudicando porque comecei a ler o jornal antes da meditação matinal, o momento quando Deus me pedia que o escutasse antes de escutar o mundo. Bastou essa simples mudança para renovar os ares de minha vida.
Acabo de ler estas últimas linhas para minha mulher. Ela me respondeu imediatamente: “Para mim, é justamente o contrário; eu escuto primeiramente as notícias no rádio; isso me desperta bem; depois, então, consigo meditar mais conscientemente”. Trata-se, então, de cada um procurar, sinceramente, o melhor contato com Deus.
Jesus sabia também se livrar da multidão entusiasmada que queria enredá-lo numa brilhante carreira pública (Jo 6.15). Ele sabia mesmo recusar, com uma calma extraordinária, o pedido de uma mãe desolada, a mulher cananeia, e não se desviar, por causa dela, do caminho que Deus lhe havia traçado (Mt 15.22-28). No entanto, quando ele descobriu a fé que a motivava, não hesitou em mudar de opinião e mostrar assim a sua verdadeira liberdade interior.
É esta liberdade que almejamos: a liberdade de agir ou de não agir, de falar ou de calar, de fazer isso e não aquilo, de trabalhar e de repousar, segundo a convicção que Deus nos dá. Quer sejamos pessoas de fé ou não, nós nos sentimos sempre culpados por nos deixar levar pelas exigências do mundo, por mais nobres que elas sejam, e não por uma inspiração interior e pessoal.