Livro da Semana   |   Jesus e a Terra

 

O céu na terra é o esquema e o contexto divino nos quais precisamos aprender nossa ética sobre como devemos tratar o meio ambiente.

William Brown, em seu livro “Ethos of the Cosmos” (Ethos do Cosmos), observa que a origem da palavra “ética” vem do grego ethos, que, originalmente, significava “tenda” ou “habitação”. Portanto, a palavra significa “um ambiente que possibilita e favorece um viver moral”.

Ele também chama atenção para o fato de que a primeira pergunta que Deus fez a Adão e Eva no jardim foi sobre localização e ambiente: “Onde estás?” Deus expõe o lugar deles no meio ambiente antes de confrontá-los com a pergunta moral: “Que é isto que fizeste?” Como Brown observa, o ethos e a ética confirmam a importância e “a primazia do lugar no discurso moral”. Somos chamados para a autoconsciência de onde estamos com o objetivo de analisar seriamente o que fizemos e o que estamos fazendo com o planeta.

Na Índia, no estado de Orissa, vi pessoalmente a devas­tação das frágeis vilas costeiras causada por superciclones, provocados por mudanças climáticas. Essas nuvens de des­truição nos conscientizam da nossa própria culpa por alte­rarmos o clima do planeta. Elas me fazem sentir culpado por praticar um estilo de vida tão soberbo, pelo desperdício dos recursos naturais e também pelo que nossas ações podem causar em outras partes do mundo, especialmente as mais pobres e vulneráveis.

Na Índia, fui convidado para inaugurar um centro comunitário, um abrigo anticiclone, construído especialmente para proteger desabrigados em uma vila cuja população havia sido dizimada por ciclones e cujas crianças haviam se afogado nas enchentes. Não posso acreditar que a destruição deles seja indiferente aos olhos de Deus, nem posso crer que suas condições e as de milhões de refugiados por causa de catástrofes ambientais sejam periféricas para o evangelho e sem importância a que a vontade de Deus seja feita na terra como é feita no céu.

Isso me faz ter vontade de me arrepender de minha pró­pria ganância irresponsável. Isso me faz parar diante do Salmo 148, em que as criaturas da terra são convocadas a adorar a Deus na companhia de “fogo e saraiva, neve e va­por e ventos procelosos que lhe executam a palavra” e me perguntar quem está no comando do vento e das nuvens de tempestades agora.

Isso me faz ansiar por nuvens melhores, aquelas que acompanharão o Filho do Homem quando ele regenerar a terra e cumprir sua própria oração — que a vontade de Deus seja feita na terra assim como é no céu. Esse destino da terra deve influenciar tudo o que fazemos com ela hoje. Somos servos e também dominadores da terra (Gn 1.26 e 2.15). Somente Cristo é o Senhor de toda a terra.
Profanar a terra e explorar o solo não é apenas um crime contra a humanidade, é uma blasfêmia, pois é desfazer a obra criadora e redentora de Deus em Cristo. Todas as coisas vie­ram a existir não para nós, mas para ele. Este é o testemunho das Escrituras. Este é o grande plano de “fazer convergir nele, na dispensação da plenitude dos tempos, todas as coisas, tan­to as do céu como as da terra” (Ef 1.10).

Ao final da conferência de Oxford, os cientistas publi­caram uma declaração que diz que as mudanças climáticas provocadas pelo homem são um problema moral, ético e re­ligioso:

Deus criou a terra, e continua a sustentá-la. Criados à ima­gem de Deus, os seres humanos devem cuidar das pessoas e de toda a criação como Deus cuida deles. O chamado para amar “o Senhor teu Deus e amar ao teu próximo” (Mt 22.37-39) adquire uma nova implicação em face das mudanças climáticas presentes e futuras. Deus demonstra seu compromisso com a criação na encarnação e ressurrei­ção de Jesus Cristo. Cristo, que “reconcilia todas as coisas” (Cl 1.20), chama seus seguidores para o “ministério da reconciliação”. (2Co 5.18-19)

As mudanças climáticas provocadas pelos seres humanos representam uma grande ameaça ao bem comum, especial­mente para os pobres, os vulneráveis e as gerações futuras.
Ao comprometer a diversidade biológica da terra, as mudanças climáticas provocadas pela humanidade degradam a criação de Deus.

Uma parábola

Imagine que alguém o convide para o cruzeiro dos seus so­nhos. Você chega ao Pier Head, em Liverpool, e a pessoa lhe diz: “Há apenas duas condições: é tudo por minha conta, mas você nunca deve perguntar para onde estamos indo ou quando vamos chegar lá”.

E você diz: “Para mim não tem problema”. Então, você embarca no navio, que é muito luxuoso; mostram-lhe sua suíte na primeira classe e você mal pode acreditar. Dentro de poucas horas, você está navegando ao sol e pensa: “Se existe um céu, deve ser aqui!” Após seis semanas no navio, você pensa consigo mesmo: “Para onde será que estamos indo?” Mas, afinal de contas, você fez uma promessa! Então, levan­tando o queixo, guarda a pergunta para si mesmo e continua desfrutando a viagem.

Depois de seis meses, você não consegue mais conter as perguntas. Então, um dia você se aproxima de seu anfitrião e diz: “Ouça, eu não quero parecer ingrato, mas, por favor, você poderia apenas me dizer para onde vamos e quando chegaremos lá?” Ele pergunta: “Algum problema? A suíte não é confortável? Você não está gostando da comida?” “Não, não”, você diz, “tudo é maravilhoso. Estou tendo os melho­res momentos da minha vida, mas apenas gostaria de saber onde e quando”. Então ele diz, despedindo-se: “Coma, beba, divirta-se”. E assim você tenta fazer o melhor que pode para aproveitar.

Dez anos depois, navegando mar afora nesse cruzeiro infeliz, o transatlântico dos sonhos tornou-se um pesadelo. Você grita para ele: “Por favor, por favor me diga onde e quando”. Ridí­culo? Não. Estamos neste planeta como em um navio viajando através do espaço e, de vez em quando, a pergunta vem à mente de cada um dos viajantes: onde e quando? Estas perguntas se referem a propósito e significado.

Imagine, então, que você recupere a compostura e diga ao seu anfitrião: “Bem, diga-me quantas pessoas estão neste navio”. Ele responde: “Adivinhe!” Mas você não está de bom humor para brincar de adivinhação e arrisca: “Duzentas?” “Errado — há mil pessoas aqui.” Você pergunta: “Mil pesso­as? Você está brincando comigo. Pensei que houvesse apenas duzentas”. “Sim”, ele diz, “essa é a impressão que você tem porque aqui na primeira classe há apenas duzentas pessoas. Mas nestes dez anos oitocentas pessoas têm vivido no porão do navio e estão passando a pão e água”.
Ridículo? Não. Neste navio, o planeta terra, 20% das pes­soas estão na primeira classe e 80% estão no porão. Eu tenho visto pessoas que passam a pão e água na África, na Índia e até em lugares não muito distantes. E, muitas vezes, a água nem é pura.

Eu conto esta história com frequência, especialmente nas escolas. Ela provoca vários tipos de reação. Primeiro, é uma história sobre privilégios; segundo, é uma história sobre jus­tiça. Ela desperta uma reação moral: começa a destacar como deve ser em vez de como é. Ela também induz — este conceito está fora de moda no mundo atual, mas aqui vai — à culpa. Existe culpa boa e culpa ruim. A culpa ruim leva ao senti­mento de falta de valor e à baixa autoestima; a culpa boa desperta responsabilidade moral e ação moral.

Falando sobre o futuro, Jesus, o Filho do Homem, disse: “Em verdade vos digo que, sempre que o deixastes de fazer a um destes mais pequeninos a mim o deixastes de fazer”. Se você crê que o futuro da terra e a situação dos pequeninos, dos últimos e dos perdidos não é uma questão indiferente para Deus, então é bom e correto sentir culpa, arrepender-se e agir.
A alternativa sugerida por Jesus é um cenário alarmante. Apenas leia todo o capítulo 25 de Mateus.

A parábola continua

Imagine que uma enorme tempestade açoite o mar e uma grande ventania ameace a segurança do navio. Você, seu an­fitrião e os passageiros da primeira classe agarram os poucos botes salva-vidas e abandonam o navio, deixando as oitocen­tas pessoas do porão a perecerem na tempestade. Uma vez que você é lançado à deriva a uma distância segura do naufrá­gio iminente, o clima, de súbito, se transforma totalmente. Os ventos se acalmam e, enquanto seu pequeno bote balança de um lado para o outro por águas desconhecidas, você assis­te ao navio abandonado desaparecer no horizonte de nuvens douradas rumo a um futuro muito diferente.

• Trecho retirado de Jesus e a Terra – a ética ambiental nos Evangelhos, de James Jones (Editora Ultimato).

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