Livro da Semana   |   Paul Stevens

 

A quem interessa o trabalho? Ao mundo? À igreja? A Deus?

Entre os leitores deste livro há empresários, investidores, construtores, políticos, aposentados, professores, comerciantes, médicos, pastores e advogados. Há pessoas cujo trabalho é estudar — uma atividade estranha que você paga para fazer em vez de receber um salário por ela. Alguma dessas atividades importa para Deus? Ou algum trabalho em particular importa mais que outros? Fazemos essas perguntas especialmente porque o trabalho tem mudado radicalmente no mundo.

Jeremy Rifkin, eu seu perturbador estudo sobre as tendências do trabalho no mundo, The End of Work (O Fim do Trabalho), argumenta: “A substituição por atacado de máquinas por trabalhadores forçará todas as nações a repensar o papel dos seres humanos no processo social”. Novas tecnologias estão substituindo as pessoas mais rápido que a recolocação dessas pessoas em outros setores, levando a um desemprego maciço — 800 milhões de pessoas estão desempregadas ou subempregadas. Rifkin afirma que o efeito disso sobre o equilíbrio social e econômico do mundo é devastador. “Bem ali, do lado de fora da nova aldeia global hi-tech, há um grupo crescente de seres humanos destituídos e desesperados, muitos dos quais estão se voltando para a vida do crime e criando uma vasta e nova subcultura criminal”.

Mesmo a indústria de serviços, para a qual milhões de pessoas migraram na sociedade da informação, será amplamente substituída pela tecnologia, incluindo o mundo em desenvolvimento. Essa situação nos força a rever o que significa o trabalho quando a atividade remunerada não está disponível ou quando o trabalho que fazemos não traz realização pessoal.

Através dos anos meu próprio trabalho inclui fazer rebites de aço manualmente, pregar, arquivar documentos, frequentar reuniões de comitês, escutar, construir casas, ensinar, escrever, mudar papéis de lugar ou fazer algum serviço doméstico. Será que alguma dessas atividades é permanente, enquanto o resto não tem importância?

Somente uma vida, que um dia há de ser passado,
Somente o que foi feito em Cristo será preservado.

Esse poema tem inspirado gerações no trabalho do evangelho sob a alegação de que todas as outras obras irão sumir na fumaça no dia da grande conflagração. Mas a Bíblia oferece uma outra perspectiva.

Qual trabalho importa para Deus?

A Bíblia começa com Deus trabalhando duro — separando, projetando, dando forma, comunicando, embelezando, capacitando. Adão e Eva receberam como primeira ordem a honra de serem os vice regentes de Deus, cuidando da terra e desenvolvendo o potencial da criação (Gn 1.28; 2.15).

O trabalho é parte de nossa dignidade como criaturas feitas à imagem de Deus. Ele não entrou no mundo por causa do pecado do homem. A ideia grega de que o trabalho é “desprazer” e maldição penetrou fundo na psique de muitas pessoas tementes a Deus, mas ela é errada e perigosamente mal entendida. O povo judeu sempre soube disso e tem enfatizado a dignidade do trabalho até mesmo para os rabinos. Como alguém já disse, “aquele que não ensina seu filho um ofício o ensina a ser um assaltante”.

Infelizmente as pessoas de fé muitas vezes não possuem uma espiritualidade do trabalho. Elas veem sua atividade diária como prejudicial à santidade e um desvio em relação a Deus. Mas as pessoas em uma carreira de serviço cristão podem pensar de modo diferente.

Em todo o mundo há uma hierarquia de ocupações entre o povo de Deus: missionários e pastores no topo, seguidos por profissionais auxiliares, as atividades comerciais (fisicamente imundas, mas moralmente limpas), negócios (fisicamente limpos, porém moralmente questionáveis — ao menos é assim que se pensa) e ocupações marginais como as corretoras de valores. Qual foi a última vez que a igreja orou por corretores de valores? Essa escala decrescente trágica, mas bem estabelecida, de importância “espiritual” tem influenciado gerações de jovens a exercer o chamado ministério em tempo integral a fim de que possam fazer um trabalho duradouro no mundo. (Na verdade não há nenhuma atividade “em tempo parcial” disponível para o povo de Deus.) O reformador inglês William Tyndale estava certo quando disse:

Não há um trabalho melhor que outro para agradar a Deus;
servir água, lavar pratos, ser sapateiro, ou apóstolo,
tudo isso é uma coisa só, em se tratando de realização, para agradar a Deus.

O que torna o trabalho abençoado por Deus?

Mas que tipo de trabalho devemos fazer? Devemos deixar a área comercial e, agora que temos nossa renda devidamente garantida, “ir para o ministério”? (Na verdade muitos tentam fazer isso, mas acabam descobrindo que ainda são as mesmas pessoas que eram no seu negócio!) Tendo dedicado a primeira metade de nossas vidas a sermos bem-sucedidos, agora deveríamos doar-nos a algo realmente importante? E a primeira metade de nossas vidas — não há importância no trabalho “comum”?

O que torna o trabalho abençoado por Deus não é o fato de que a Palavra e o nome de Deus sejam anunciados a plenos pulmões, mas que o trabalho seja feito com fé, esperança e amor. Com essas virtudes (que não são conquistas humanas, mas encorajamentos divinos), até mesmo o trabalho escravo pode tornar-se trabalho santo. A vida de trabalho de Jacó, portanto, é uma indicação, no Antigo Testamento, do conselho de Paulo: “Tudo o que fizerem, façam de todo o coração, como para o Senhor, e não para os homens, 24 sabendo que receberão do Senhor a recompensa da herança. É a Cristo, o Senhor, que vocês estão servindo” (Cl 3.23-24).

Através de sua história, a igreja tem elaborado várias listas de ocupações proibidas: militares, se estiverem envolvidos com mortes, gladiadores, estilistas (da lista dos puritanos), monges (da lista de Lutero) e prostitutas. Significativamente, não há listas assim na Bíblia, com exceção da feitiçaria no Antigo Testamento e, no Novo, da prostituição e da extorsão (1Co 6.9-10). Quando soldados vieram ter com João Batista e perguntaram: “E nós, o que devemos fazer?”, ele não disse que deveriam deixar o exército, mas que não deveriam acusar pessoas falsamente e que se contentassem com seus salários (Lc 3.14). Mas nem todos os trabalhos servem ao nosso semelhante direta ou indiretamente nem glorificam a Deus. Alguns são realmente destrutivos, e não deveríamos realizá-los. A lista é pequena. São necessários todos os tipos de trabalho para “manter estável a estrutura deste mundo” — uma frase do livro de Eclesiástico (Gn 38.25-34).

O que faz com que o trabalho seja duradouro não é o seu caráter religioso (que a Palavra de Deus seja proclamada e as almas sejam salvas), mas o fato de que ele é feito para Cristo (1Co 3.10-15). A visão bíblica do fim deste mundo não é a aniquilação (a destruição de todas as coisas) e a criação de um mundo novo. O fim é transfiguração. O corpo ressuscitado de Jesus é um protótipo disso, dos primeiros frutos do sepulcro. De algum modo, além do que podemos imaginar, o trabalho de nossas mãos, corações e mentes passará pelo fogo purificador e, limpo do pecado, terá o seu lugar no novo céu e na nova terra. O trabalho pode ser separar ovelhas ou cozinhar carolinas, vender ou comprar, processar informação ou alimento, criar um ambiente acolhedor ou construir casas, ensinar ou fazer contabilidade. Todo trabalho bem feito pode ser trabalho de Deus e permanecerá para além deste mundo, não por causa de seu caráter religioso, mas porque está ligado ao reino de Deus, aos propósitos de Deus e ao próprio Deus.

• Trecho retirado do capítulo 7 de A Espiritualidade na Prática, de Paul Stevens (Editora Ultimato)

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