Frank Evangelista versus Reverendo Linguassolta
SURPREENDIDO PELA ESPERANÇA é um livro ideal para se ler na Páscoa.
N. T. Wright trata do Fim da História. Ou como ressurreição e segunda vinda são uma resposta gloriosa à queda, por parte de um Deus que não esconde seus poderosos atos ao longo da História. A ressurreição já não é um evento bíblico desconexo, mas – ao contrário – um ato divino cheio de significado. O céu já não é um lugar para onde escapamos, mas antes o fim de um processo histórico em que a criação caída se regenera por meio da cruz.
A Páscoa já não é mais apenas uma data, mas o cultivo da memória de que o mal foi derrotado.
O blog coloca à disposição do leitor um trecho do livro Surpreendido Pela Esperança, chamado pelo autor de “Dois sermões de Páscoa”.
Por N. T. Wright
[Livro da Semana]
Se eu fosse um apostador, apostaria um bom dinheiro em duas mensagens que certamente serão ouvidas nesta Páscoa (e em todas as outras).
O pregador da primeira mensagem é o pastor Frank Evangelista. Ele acredita piamente na ressurreição corpórea de Jesus, no sepulcro vazio, em anjos e em tudo o que é sobrenatural. Todos os anos, durante a Páscoa, ele denuncia os liberais perversos, principalmente o reverendo Linguassolta, por sua má vontade em reconhecer que a Bíblia é verdadeira, que Deus realmente faz milagres, e que — como demonstram esses dois pontos — Jesus realmente ressuscitou.
O pastor Evangelista costuma usar alguns truques para provar que testemunhas oculares podem contar histórias estranhas e ainda estar falando a verdade: observe-o aniquilar um narciso no púlpito. Ele talvez cite um hino antigo que diz: “Tu me perguntas como eu sei que ele vive? Ele vive em meu coração!”. Sim, Jesus ressuscitou dentre os mortos e, portanto, está vivo, e nós podemos conhecê-lo.
Quando chegamos ao “e então?”, o pastor é igualmente enfático. Realmente há vida após a morte! Jesus foi preparar um lugar para nós no céu! A salvação nos aguarda em um glorioso mundo de delícias, distante deste mundo em que vivemos. Somos, afinal, “cidadãos do céu”, como diz Paulo, de modo que, quando nossa vida nesse mundo cruel chegar ao fim, nossas almas serão arrebatadas para estar ali para sempre. Estaremos junto de nossos queridos (não seria bom ouvir algo diferente, em vez desse velho clichê?) e viveremos na nova Jerusalém. “Só mais um pouco, e eu chegarei ao céu, ó Cordeiro de Deus.” “Então depositaremos nossas coroas diante de ti, e nos prostraremos em adoração e louvor.”
Infelizmente o pastor Evangelista confunde um pouco as coisas. Muito do que ele diz é verdade, mas boa parte não corresponde ao que as histórias da Páscoa desejam comunicar.
Longe dali, animado pelo champanhe na reitoria após a vigília da Páscoa (por que não quebrar o jejum da Quaresma com estilo, mesmo que seu jejum tenha sido esporádico?), o pastor Linguassolta está a pleno vapor.
Evidentemente, sabemos que o aspecto rudimentar e exterior da história da Páscoa não é o que os autores tinham em mente. A ciência moderna tem demonstrado que milagres não acontecem, e mortos não ressuscitam. Seja como for, que tipo de Deus interromperia o curso da história apenas uma vez, para resgatar uma única pessoa, e não faria nada para impedir o Holocausto? Crer em algo tão óbvio, tão evidente, tão pouco espiritual, como o sepulcro vazio e a ressurreição corpórea, é ofensivo a qualquer pessoa com uma percepção mais apurada. Particularmente, isso pode indicar (como seu bom amigo, pastor Evangelista, sem dúvida imaginaria, graças ao seu fundamentalismo) a superioridade do cristianismo sobre todas as outras crenças, considerando que sabemos que Deus é radicalmente inclusivo e que todas as religiões, todas as crenças, todas as visões de mundo, podem ser caminhos que levam a Deus.
Assim… tudo indica que as histórias sobre o sepulcro vazio surgiram muito tempo depois. O erudito pastor quer deixar muito claro que essas histórias são a re-mitificação do drama escatológico primário, que pegou os discípulos em um momento de empatia sociomórfica, e possivelmente sociopática, culminando com o anúncio apocalíptico da visão beatífica. Bem, parece que a congregação não está conseguindo entender direito o que ele está dizendo…
Mas, como eles também haviam encerrado o jejum da Quaresma com estilo…
Em se tratando do “por quê?”, o reverendo Linguassolta é enfático. Agora que nos livramos de todo esse absurdo sobrenatural, o caminho está livre para a “verdadeira ressurreição”. Essa acaba sendo uma maneira nova de explicar o projeto humano, de romper velhos tabus (ele tem em mente a ética sexual tradicional, mas esse é um assunto muito delicado para o momento), e de descobrir um novo estilo de vida: uma abordagem mais acolhedora, mais “inclusiva”. A “pedra” do legalismo foi retirada e o “corpo ressuscitado”, a verdadeira centelha da vida e de identidade escondida dentro de cada um de nós, pode finalmente sair. Essa nova vida deve agora atingir todos os nossos relacionamentos. Todas as nossas políticas sociais. A ressurreição não mais deve ser vista como um evento único, imaginado por mentes pré-modernas e sustentado com insistência por conservadores retrógrados, mas como um evento contínuo, capaz de promover a libertação dos seres humanos e do mundo.
O pastor Linguassolta parece, por fim, ter encontrado algo, mas não sabe bem o que é, nem se serve para alguma coisa.
O que o pastor Evangelista não percebe é que as histórias sobre a ressurreição registradas nos evangelhos não falam de ir para o céu depois de morrer. Na verdade, não há quase nada sobre “ir para o céu quando morrer” em todo o Novo Testamento. Ser “cidadão do céu” (Fp 3.20) não significa que nós vamos terminar lá. Muitos filipenses eram cidadãos romanos, mas Roma não os queria de volta quando se aposentavam. A função deles era levar a cultura romana à cidade de Filipos.
Esse é o argumento que os quatro evangelhos defendem, cada um a seu próprio modo. Jesus ressuscitou; portanto, o novo mundo de Deus já começou. Jesus ressuscitou; portanto, Israel e o mundo foram redimidos. Jesus ressuscitou; portanto, seus seguidores têm uma nova tarefa a cumprir.
E que tarefa é essa? Trazer o estilo de vida do céu para a realidade atual, física e terrena. É isso que o pastor Evangelista nunca pôde imaginar (embora sua pregação produza acidentalmente, e quase sempre, esse resultado). A ressurreição corpórea de Jesus é mais que uma prova de que Deus realiza milagres ou de que a Bíblia é verdadeira. É mais do que conhecer Jesus em nossa própria experiência (isso é verdade em relação ao Pentecostes, não à Páscoa). Ela é muito, mas muito mais que a certeza do céu após a morte (Paulo fala de “partir e estar com Cristo”, mas ele enfatiza principalmente a volta em um corpo ressuscitado, para vivermos na nova criação de Deus). A ressurreição de Jesus é o começo do novo projeto de Deus, não de arrebatar pessoas da terra para levá-las ao céu, mas de colonizar a terra com o estilo de vida do céu. É sobre isso que o Pai-Nosso está falando.
É por isso que a argumentação final do reverendo Linguassolta tem uma ponta de verdade, embora todas as suas recusas anteriores o impeçam de ver por que ela é verdadeira ou qual é a sua forma apropriada. A ressurreição é, sem dúvida, o fundamento para uma nova maneira de viver no mundo e para o mundo. No entanto, para obter um resultado social, político e cultural, precisamos da ressurreição corpórea, não de um evento meramente “espiritual” que poderia ter acontecido a Jesus ou talvez apenas aos discípulos. Sua insistência em se referir à “ciência moderna” (não que ele tenha lido alguma coisa sobre física recentemente) é pura retórica iluminista. Não precisamos nem de Galileu, nem de Einstein para nos dizer que os mortos não voltam à vida.
Quando Paulo escreveu seu magnífico capítulo sobre a ressurreição em 1 Coríntios 15, ele não terminou dizendo: “Bem, vamos então celebrar o grandioso futuro que nos aguarda”. Ele concluiu dizendo: “Sede firmes, inabaláveis, e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão” (v. 58). Quando a ressurreição final acontecer, como o ponto principal da nova criação de Deus, descobriremos que tudo que foi feito no mundo presente por meio do poder da ressurreição de Jesus será celebrado, incluído, e adequadamente transformado.
Quando o pastor confuso tenta fazer com que a Páscoa signifique “libertação da coerção moral” e “descoberta da verdadeira centelha dentro de cada um de nós”, ele está forçando o verdadeiro cristianismo, obrigando-o a fazer truques como um leão de circo, transformando-o assim em outra forma de gnosticismo. A Páscoa fala da nova criação, de uma nova, imensa e impressionante dádiva de graça transformadora, e não da descoberta de que esse velho mundo tem sido mal compreendido e precisa apenas de permissão para ser ele mesmo. Romanos 6, 1 Coríntios 6 e Colossenses 3 se mantêm firmes nesse ponto.
Bem, quantos de vocês já ouviram algum desses sermões?
Muito bem, podem recolher as apostas… Quanto eu ganhei? E quantos ouviram um sermão que reflita sobre as palavras de Paulo em Romanos 8, ou sobre os capítulos finais dos evangelhos, ou sobre o que João escreveu em Apocalipse 21 e 22, a saber, que a Páscoa é o começo da nova criação de Deus em um mundo surpreendido, e aponta para a renovação, a redenção e o renascimento de toda a criação? E agora, quantos já ouviram a mensagem de que todo ato de amor, toda ação feita em Cristo e por meio do Espírito, toda obra de verdadeira criatividade — todas as vezes que a justiça é feita, a paz é conquistada, famílias são curadas, a tentação é vencida, e a verdadeira liberdade é requerida e conquistada? Que esse evento terreno toma lugar na longa história de atos que implementam a ressurreição de Jesus e antecipam a nova criação final, e atuam como sinalizadores de esperança, apontando da primeira para a segunda?
Foi o que eu pensei…