Quando nada mais houver
Por Rubem Amorese
O amor jamais acaba; mas, havendo profecias, desaparecerão; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, passará […] Quando, porém, vier o que é perfeito, então, o que é em parte será aniquilado […] Porque, agora, vemos como em espelho, obscuramente; então, veremos face a face. Agora, conheço em parte; então, conhecerei como também sou conhecido. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; porém o maior destes é o amor.
1Co 13.8-13
Quando o coração descansar;
Quando o guerreiro já não cingir a si próprio;
Quando o braço já não sustentar a espada,
E já não for aonde quer;
Quando a memória falhar;
Esquecendo as batalhas;
E os “grandes feitos” passarem
E se tornarem eufemisticamente eméritos;
Quando queridos “forem à luta”,
Porque agora é o seu momento;
Quando nada mais houver,
Quero me aquietar lá atrás.
Lá no fundo, no meio simples,
Quero ser comum,
Quero ser mais um
A te adorar.
No silêncio – natural de se esperar
De quem já foi e não é mais:
A voz de não se ouvir;
Sabedoria em desuso,
Experiência sem contexto,
Conselho inaplicável
Que, gratuito, também não se dá;
Quando tudo for assim,
Quando nada mais houver,
Quando eu não souber de mim;
Quando, enfim, me vir comum,
Quando apenas for mais um,
Naquele banco do fundo;
Quero saber que estás comigo,
E te sentas ao meu lado;
Que me amaste, a mim também;
E que ainda és meu abrigo,
E me recebes como amigo,
A te adorar.
Porque quando tudo houver passado,
E o coração descansar
Dos conflitos do atalaia;
Quando o brilho se apagar;
E a força esmorecer;
E a mão tremer;
E a voz falhar;
E a vista confundir;
Quando nada mais houver,
Então seremos eu e tu, somente;
Lá na cadeira do fundo.
Sem tarefas, cargos ou afagos;
Sem enganos, aparências, vaidades;
Sem os outros (só a Ângela), mais ninguém.
Seremos apenas nós três – Oh, quanta excitação!
Então conhecerei
Como também sou conhecido na eternidade,
Já presente em ti.
A fé, a esperança e o amor
– Estes três, do que me deres ou tomares – restarão.
E também o meu louvor, a minha adoração.