Design é arte? [entrevista com Douglas Lucas]
O design é arte? Você retrataria a imagem de Deus? O que é mais importante, a capa ou o conteúdo? Que conselhos podem ser dados a jovens designers? Estas são algumas perguntas que o destacado designer e criador de capas de livros (especialmente, cristãos) Douglas Lucas respondeu ao Portal Ultimato. Mesmo que sua foto pouco apareça na internet, ele acha que um tipo de “midiatização do cotidiano” traz mais benefícios do que prejuízos. Confira a seguir.
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– Você trabalha há muitos anos como designer. É possível descrever as características e o estilo próprio do seu trabalho?
Sempre busquei oferecer um trabalho com qualidade criativa e eficiente em resultados, além da preocupação constante em imprimir nos projetos um estilo próprio, uma identidade. Sem diminuir essa importância, a experiência e a vivência de mercado, no entanto, mudaram um pouco minha percepção sobre isso. Talvez aí resida uma boa questão no que tange as diferenças entre design e arte. O design tem que ser criativo, mas também funcional. O designer pode e deve imprimir sua “marca” pessoal naquilo que produz, privilegiando, porém, a finalidade e função da sua criação. Diferentemente da arte, penso que o estilo próprio não deve se sobrepor aos propósitos e objetivos do design, quando se trata de um produto comercial.
– Em seu artigo para a revista Ultimato, você traça diferenças entre arte e design. O design seria mais objetivo e “é realizado segundo padrões, parte de uma necessidade e passa a mesma mensagem a todos”. Já a arte, ela é “subjetiva e não se obriga à estética ou função”. O que o preocupa ao fazer esta distinção?
Como disse no artigo, essa é uma discussão antiga, mas que ainda gera muita polêmica. Certamente não tenho a pretensão de definir ou classificar uma coisa ou outra, até porque ambas são distintas por uma linha tênue, na minha opinião. Acredito, no entanto, que considerar certos parâmetros que distinguem ambas atividades, favorece uma melhor compreensão delas. Até hoje, é comum um designer ser chamado ou visto como “artista”, o que, segundo as próprias características e atribuições da profissão, não é próprio. Não se trata de medir valores ou importância, mas de “regulamentar” ou classificar corretamente nossa atividade perante o mercado e a sociedade.
– Muitos artistas famosos criaram suas obras “sob encomenda” de nobres e reis. Eles seriam menos artistas por causa disso?
Quando uma obra é encomendada a um artista, essa escolha recai exatamente sobre o estilo e significado de sua arte. O valor autoral que reside na identidade e personalidade da obra de um artista é seu bem maior. O retrato de uma mesma pessoa, pintado por Picasso, Van Gogh ou Monet, certamente resultaria em trabalhos absolutamente distintos, devido às interpretações pessoais de cada um. Apesar da referência concreta em comum, o dom criativo de cada um é que constituirá a obra. Não se trata de uma simples reprodução.
– Como você avalia beleza e criatividade nas capas de livros evangélicos?
De forma bastante positiva, no geral. Hoje é possível surpreender-se com a qualidade visual e conceitual de muitos trabalhos e isso tem gerado uma curva ascendente na visibilidade do produto editorial cristão no mercado.
– “Um livro se compra pela capa”. Esta frase é exagerada ou não?
Indiferente às questões que levam o leitor a adqurir um livro, a capa sem dúvida é um fator de extrema importância. Considerando o livro como um produto, a capa é sua embalagem. Ela é responsável pelo primeiro contato do leitor com o livro, o que pode ser um fator positivo, no caso de um trabalho bem executado, e vice-versa. Obviamente, o conteúdo é o que mais importa e o que prevalece em uma obra literária. Porém, uma boa capa, além de agregar valor ao produto, pode ser determinante para o desempenho de vendas de um livro, se considerarmos a questão da concorrência e a disputa feroz pela atenção do leitor nas livrarias. Neste aspecto, o valor da capa é inegável.
– Vivemos em um mundo cada vez mais visual e midiático. Um exemplo é o sucesso de redes sociais como o Instagram. Como você enxerga esta “midiatização do cotidiano”?
Vejo como consequência natural de uma evolução tecnológica que surpreende a cada instante, impactando e modificando de forma irreversível a sociedade mundial. Com muito mais benefícios do que problemas, é verdade. Na minha visão, o que mais preocupa são os níveis que essa “mutação” social podem atingir. Por exemplo, a dependência intelectual e até existencial que algumas dessas mídias provocam. Hoje, existem pessoas que não consideram mais o fato de fazerem algo que não seja possível compartilhar publicamente e de imediato. Mas o lado positivo é muito mais relevante e favorável; os fatores de interação, mobilização, inclusão, etc., além do comercial, é claro.
– Que artistas visuais cristãos você indicaria ao leitor?
Pelo dom e talento extraordinários e por conhecê-lo pessoalmente, Marcelo Moscheta.
– Os judeus não gostam de retratar Deus. E você, gosta?
No meu trabalho, todo recurso visual para enriquecer ou justificar um argumento — desde que agregue ao conceito da capa — é válido. Quando usamos a imagem de uma pessoa para ilustrar um livro sobre oração ou fé, por exemplo, aquela figura humana é obviamente uma representação genérica que sugere alguém dentro daquele contexto. No caso de “Deus”, estamos lidando com algo totalmente imaginário, virtual, sem referência histórica ou material. Se na literatura evangélica, sugerir a pessoa de Jesus através de imagem ou ilustração enfrenta certo “tabu”, em relação a imagem de Deus então, é ainda mais complicado! Por isso, apenas situações muito específicas requerem ou permitem uma ilustração mais “formal” de Deus. Mas se esse for o caso, para mim não há problemas. Um exemplo prático disso é a capa do “O Livro de Deus” que fiz para a Editora Mundo Cristão em 1998.
– Que conselhos você pode dar para jovens que querem seguir a carreira de designer?
Busque o máximo possível trabalhar na área ou segmento em que tenha grande atração e afinidade. Toda atividade que envolve criação, principalmente, será muito melhor sucedida quando realizada com paixão e prazer. O resto virá naturalmente.
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