Ciganos: uma etnia invisível
“Imagine um mundo em que as pessoas não tenham endereço fixo, documentos, conta em banco, carteira assinada nem história. E que a vida deles passe despercebida, como se não existisse. Que a única certeza é que nunca faltará preconceito e ignorância, medo e fascínio, injustiças e alegrias ao longo de sua interminável jornada. Bem-vindo ao mundo cigano.” Essa é a descrição que a Super Interessante (set/2008) faz do povo cigano. Aliás, da imagem que se tem dele.
Segundo a matéria da Super, o universo cigano é tão antigo e extenso, tão cheio de crenças e histórias que nem mesmo seu próprio povo conhece bem o limite entre verdade e lenda. É uma história toda baseada em suposições, por um simples motivo: faltam documentos. Os ciganos não possuem escrita, portanto, nunca deixaram nenhum registro que pudesse explicar suas origens e costumes. Suas tradições são transmitidas oralmente. A dificuldade em se fixar, o conceito quase inexistente de propriedade e a forma com que lidam com a morte, são fatores que dificultam muito o trabalho profundo de pesquisa.
E o que é ser cigano?
Definir a identidade cigana é mais difícil do que parece, pois não constituem um povo homogêneo e nem todos são nômades ou falam romani. Nem todos dançam ao redor da fogueira e usam roupas coloridas. Não possuem uma religião única. O que faz deles um povo é uma sensação comum de não serem gadgés – como eles chamam os não-ciganos – e de se identificarem como rom, calon ou sinti. O termo ‘cigano’ só funciona nessa oposição”, diz o pesquisador Frans Moonen, autor do livro Anticiganismo – Os Ciganos na Europa e no Brasil.
Embora haja muitas as divergências, algumas características permitem traçar um perfil comum aos grupos ciganos. A primeira delas é o espírito viajante. Apesar de nem todos serem nômades, os ciganos não se sentem pertencentes a um único lugar, não criam raízes e não têm uma noção concreta de propriedade. Eles não gostam de se submeter a leis e a regras que não sejam as deles. Prezam, acima de tudo, a liberdade. Assim, podem até se estabelecer por muito tempo em um mesmo lugar, mas, nesse caso, procuram morar em uma mesma rua ou, de preferência, em acampamentos onde possam preservar sua autonomia e manter a unidade familiar.
Os ciganos no Brasil
O primeiro grupo de ciganos a chegar ao Brasil veio deportado de Portugal no século 16, a maioria era calon. Os rom vieram de forma voluntária a partir da segunda metade do século 19. Os mais recentes, às vezes bem pobres, vieram do Leste Europeu após a derrocada da União Soviética. Todos sofrem com desconfianças e preconceitos.
A cidade de Sousa, no interior da Paraíba, é um caso clássico. Os cerca de 450 ciganos fixados há anos por lá não recebiam entregas de correio nem tinham o lixo coletado em seu acampamento. Curiosamente, muitas escolas recusavam a matrícula de crianças ciganas. O caso ficou bem conhecido na região: foi necessária a intervenção da Procuradoria da República da Paraíba para resolver a questão.
O analfabetismo entre os ciganos é alto, tanto no Brasil quanto na Europa. Segundo a historiadora Isabel Fonseca, no Brasil 3 em cada 4 mulheres ciganas são analfabetas. Na Europa, escolas que só aceitam ciganos têm os piores níveis de qualidade. A falta de estudo e a vida à margem os empurram cada vez mais para a criminalidade.
Os 3 principais grupos ciganos
Rom ou Roma — Predominantes nos países balcânicos, principalmente na Romênia, falam romani, a mais conhecida das línguas ciganas, e são o grupo mais estudado pelos pesquisadores. São divididos em subgrupos: kalderash, matchuaia, curcira, entre outros. Consideram-se os “ciganos autênticos”.
Sinti — Também chamados de manouch. São mais numerosos na Itália, no sul da França e na Alemanha. Falam a lingua sintó; para alguns pesquisadores, uma variação do romani. Não há estudos que apontem a presença significativa desse grupo no Brasil.
Calon ou Kalé — Conhecidos por “ciganos ibéricos”, já que viviam na Espanha e em Portugal antes de se espalhar pelo resto da Europa e da América do Sul. São os criadores do flamenco e responsáveis pela popularização da figura da dançarina cigana. Falam a língua caló e são o grupo mais numeroso do Brasil.
Maiores concentrações de ciganos no Mundo:
Alemanha : 100.000
Albânia: 70.000
Argentina: 317.000
Bósnia 17.000
Brasil: 678.000
Bulgária: 700.000 – 800.000
Croácia: 9.463
Espanha : 600.000–800.000
Finlândia: 10.000
Grécia: 300.000-350.000
Hungria: 190.046 (2001 censos)
Irão: 110.000
Macedônia: 53.879
Montenegro: 2.601
Polónia: 15.000–50.000
Portugal: 40.000
Reino Unido: 40.000
República Checa: 120,000 – 220,000
Roménia: 535.140 (2002 censos), outros censos calculam entre 1.500.000 – 2.000.000
Rússia: 183.000
Sérvia: 108.193
Eslováquia: 92.500
Turquia : não oficial 500.000 – 2 milhões de pessoas.
Ucrânia: 48.000
Fonte: http://www.cm-mirandela.pt/?oid=3907
Para saber mais
A saga cigana — Super Interessante (set/2008).
Anticiganismo — Os Ciganos na Europa e no Brasil.
História do Povo Cigano. Angus Fraser, Teorema (Portugal), 1997.
*Por Phelipe Reis