O que vai mudar com o pontificado do papa Francisco?
Para alguns estudiosos, “a eleição de um papa latino-americano vai atiçar ainda mais a sanha proselitista dos evangélicos”. Para o sociólogo e colunista da revista Ultimato, Paul Freston, isso é “Bobagem”.
Paul Freston arremata: “Há um bom tempo que a imitação vai mais no sentido contrário, ou seja, as iniciativas evangélicas não são mais reações, mas ações tomadas por impulso próprio. Se Francisco conseguir inverter novamente essa relação, terá conseguido um feito notável. Mas é provável que acabe seguindo o exemplo de Bento XVI, que dizia preferir que houvesse poucos católicos, mas bons. Aliás, “poucos, mas bons” não seria uma má ideia para os evangélicos também…”
Durante a semana da visita do papa Francisco ao Brasil, o blog da Ultimato ajuda o leitor a entender melhor a história religiosa dos últimos anos, no Brasil e no mundo. Acesse aqui o post anterior.
Hoje, o blog lembra a mesma pergunta que dá título à essa matéria, feita por ocasião da eleição do papa Bento XVI, em 2005. Confira algumas das respostas de várias personalidades ouvidas por Ultimato à pergunta: “O que vai mudar com o pontificado do papa Bento XVI?”
Haverá mais continuidade que mudança. É a opinião do realista dentro de mim. Mas o ser humano tem uma enorme capacidade de reinventar-se, ainda mais se assistido pela graça de Deus. Um novo desafio pode despertar motivações dormentes. Ratzinger é inteligente e possivelmente quer deixar sua marca na história. Estou apostando no seu novo nome, pensando no São Bento do passado, de quem muito temos aprendido preciosas lições de espiritualidade. Penso que a tarefa é continuar com a agenda do Vaticano II: aprofundar a compreensão do evangelho e aplicá-lo aos desafios mundiais; curar as feridas dentro de sua própria igreja, não poucas causadas por seu autoritarismo e conservadorismo; resgatar o papel da mulher na igreja; lutar pela paz e pela justiça no mundo; ter relações transparentes com as outras igrejas; inspirar jovens para o sacerdócio; reevangelizar a Europa. Quem sabe Ratzinger tem dentro dele um João XXIII! Mas é ver para crer. Eu oro pelo papa Bento XVI. Ele tem potencial influência direta sobre um quinto da humanidade.
Manfred Grellert, pastor batista, responsável pela área de formação cristã da Visão Mundial Internacional
Como disseram os próprios comentaristas, os cardeais reelegeram o papa João Paulo II. Portanto, em princípio, teremos mais do próprio. É um triunfo do conservadorismo. Resta saber se Ratzinger terá o mesmo carisma de Wojtyla, o que duvido. Do ponto de vista da América Latina, deve continuar o desmonte da Teologia da Libertação, com a conseqüente desmobilização da Igreja Romana como fator de reforma social.
Ariovaldo Ramos, presidente da Visão Mundial do Brasil
É lamentável que ratzinger tenha sido eleito para substituir João Paulo II. O pontificado do Papa Bento XVI representará os setores mais dogmáticos, institucionais, litúrgicos e conservadores do catolicismo romano. Acredito que ele se distanciará do diálogo inter-religioso, continuará intolerante com os teólogos politicamente progressistas e se manterá na defesa tanto do celibato como da exclusão feminina do clero. O Vaticano caminhará na contramão dos avanços da medicina genética.
Ricardo Gondim, pastor da Assembléia de Deus Betesda no Brasil
As indicações, a partir do perfil de Ratzinger, são que pouco mudará. Eu gostaria que a liderança do catolicismo romano fizesse uma reflexão sobre seus ensinos e práticas acerca do lugar de Maria no credo e no culto. Foi duro ouvir Bento XVI dizer duas frases, ao ser anunciado, e uma delas ser de devoção à mãe de Jesus.
Israel Belo de Azevedo, diretor do Seminário Batista do Sul, no Rio de Janeiro
Bento XVI é um sinal de um mundo cansado de dúvidas, negações, especulações e incertezas. Há uma fome de verdade, de uma religião afirmativa, em termos de doutrina e de ética. Os números mundiais o comprovam. As ideologias clássicas, como o nazismo e o comunismo, fracassaram. O consumismo liberal, como novo hedonismo, deixa um grande vazio, nesse início de pós-modernidade negadora de toda possibilidade de verdade. O movimento ecumênico começou com uma preocupação missionária, mas teve a sua agenda dominada, por décadas, pela hegemonia das correntes liberais/modernistas, com uma correta ênfase na ética social, mas racionalista, universalista e relativista, concorrentes para a decadência do cristianismo no Ocidente. O novo papa pode representar — a despeito das diferenças que temos — um elo a mais, ao lado dos patriarcas das igrejas ortodoxas orientais e do protestantismo evangélico e carismático, na busca do reino pela afirmação do sagrado depósito da fé apostólica, sem o qual não se pode falar verdadeiramente em cristianismo. Saudamos o novo líder romano e desejamos-lhe obediência ao nosso Senhor, a qualquer preço.
Robinson Cavalcanti, bispo da Diocese Anglicana do Recife
A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil — IECLB congratula a Igreja Católica Apostólica Romana pela eleição do papa Bento XVI e, como já o fez após a morte do papa João Paulo II, une suas preces às do povo católico pela proteção e orientação divina ao novo papa em sua difícil missão, em novos tempos. Simultaneamente, a IECLB reforça seu próprio compromisso ecumênico, expressando o ardente desejo de que sob o pontificado de Bento XVI as relações ecumênicas, que em vários aspectos passaram a um compasso de espera ou mesmo de tensão nos últimos anos, possam receber, no espírito do Concílio Vaticano II, um novo impulso e novas iniciativas. Nas relações católico-luteranas esperamos que a Declaração Conjunta Católico-Luterana acerca da Doutrina da Justificação (1999) possa levar a desdobramentos práticos no tocante à chamada hospitalidade eucarística (o acolhimento recíproco na Eucaristia) e ao reconhecimento mútuo dos ministérios, incluindo o diálogo acerca da ordenação de mulheres, que a IECLB pratica. Como Igreja no Brasil, esperamos também que as comunidades eclesiais latino-americanas venham a ser fortalecidas em sua vivência, seu testemunho e seu serviço evangélicos. Dispomo-nos, por fim, à continuidade da já tradicional cooperação fraterna entre IECLB e CNBB, em assuntos de pastoral e de responsabilidade pública em nosso país, sempre respeitadas as convicções de ambas as igrejas.
Walter Altmann, pastor presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil
Se a pergunta for feita tendo em mente uma comparação com o pontificado de João Paulo II, a resposta é: pouca coisa. Já há anos o cardeal Joseph Ratzinger era o orientador teológico de Karol Wojtyla. O papado de Bento XVI, tudo indica, será marcado pela continuação de uma posição de “linha dura” em questões de ética e de teologia propriamente. Resta saber se o novo papa atenderá aos apelos internos de setores da inteligência teológica de sua denominação, que clama por uma igreja com poder descentralizado. Que ele possa retomar o aggiornamento iniciado por João XXIII, continuado (timidamente) por Paulo VI, provavelmente (teria sido) continuado por João Paulo I e deixado de lado por João Paulo II.
Carlos Caldas, professor na Escola Superior de Teologia e do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo
Com relação ao diálogo religioso, provavelmente a idéia de que “fora da Igreja Católica não há salvação” será um dogma a ser anunciado. A conservação da Doutrina da Fé, o antigo Tribunal da inquisição, é para Ratzinger de fundamental importância. Mesmo que para isso seja preciso acionar o Index Librorium Proibitorium e colocar sob a lei do silêncio aqueles que pensam de forma diferente.
José Neivaldo de Souza, professor da Faculdade Evangélica do Paraná
Artigo publicado originalmente na edição 294 da revista Ultimato.
geraldo
Por favor, me respondam: vocês são ecumenistas??
Marcos Bontempo
Geraldo, respondemos à sua pergunta no post anterior.
Bem, aqui vai rapidamente, parte da sua resposta:
No Brasil chamar alguém de ecumênico é uma sentença de morte. Uma das pessoas que questionam a seriedade de Ultimato escreveu: “Parece que não há muita importância lá [na revista] com respeito à teologia protestante, tendo-se em conta que escritores católicos romanos deitam e rolam em suas páginas”. A denúncia é tão sem solidez que não vale a pena apresentar defesa.
Vamos à questão principal: Ultimato é ecumênica? E, para dar uma resposta verdadeira, precisamos saber o que é ecumenismo.
Se ecumenismo é abrir mão do ódio histórico do protestantismo brasileiro aos católicos, se ecumenismo é enxergar alguma coisa positiva na Igreja Católica sob o ponto de vista evangélico e protestante, se ecumenismo é tratar com educação o catolicismo — então Ultimato é ecumênica.
Porém, se ecumenismo significa encostar ou esconder certos desapontamentos com a Igreja Católica em favor do diálogo; se ecumenismo significa um movimento em favor de uma possível união orgânica com Roma; se ecumenismo religioso significa dividir os benefícios da salvação graças unicamente ao perfeito e único sacrifício de Cristo com a propalada intercessão de Maria, dos santos e da igreja, com a missa e com as obras meritórias; se ecumenismo religioso significa aceitar que Roma é “a” Igreja e que fora dela não há salvação — então Ultimato não é nem um pouco ecumênica.
Para ler mais sobre o assunto, acesse:
http://www.ultimato.com.br/quem-somos#extras
http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/323/carta-aberta-aos-que-questionam-a-seriedade-da-revista-ultimato/carta+aberta