O Enigma do Tempo na Celebração da Páscoa
Ainda sob o impacto da Semana Santa, cujas emoções revivemos, até dramaticamente, quero lhe propor, leitor, um enigma. Não se preocupe; aqui mesmo revelo seu significado. Pronto?
O que é que une o passado e o futuro, num mesmo momento, de tal modo que aquilo que já foi se une ao que ainda será, nisto que está sendo, para alegria, consolo e edificação de nossas almas?
Você pode ter pensado na ausência. Porque o que já foi não é mais; está, portanto, ausente. E o que ainda será também está ausente, porque ainda não está ao nosso alcance. E a ausência sempre dói.
Mas você pode ter pensado na Santa Ceia. De fato, sua celebração traz esses dois momentos: o passado e o futuro. Por ser um memorial — “fazei isto em memória de mim” (Lc 22:19), ela fala de um Jesus que se foi de volta para o Pai. Mas também fala da sua volta — “até que eu volte” (Lc 19:13, Jo 14:28). Sim, parece que Jesus tinha essas duas dimensões em vista, ao instituir a Santa Ceia. Desse modo, o passado e o futuro estavam presentes no momento daquela celebração, quando iam buscar no passado a ceia original, celebrada no Egito.
Você poderia argumentar que, juntamente com a ausência ocorrem a saudade e a esperança. Aquilo que foi tão bom, mas se foi, deixa saudade; e aquilo que há de ser tão bom aguça a esperança. Verdade! Mas eu diria que não vale, porque ainda estamos no campo da ausência. Ambas, agora, com conotações boas.
Então, insisto que, para que todo esse conteúdo se torne concreto, denso e dinâmico em nossos corações, deve existir um elemento que os unifique, cancelando a distância do tempo. Dizendo de outro modo, deve haver algo dentro de nós que vá buscar aquilo que já se foi e o traga para nosso “agora”; e, ao mesmo tempo, vá buscar aquilo que se espera e o traga para o momento da celebração, e nos permita usufruir dele.
A resposta para o enigma do tempo é a fé, pois é por meio dela que temos acesso às coisas que já não se veem e também àquelas que esperamos (Hb 11:1-3). É como se a fé encolhesse o tempo, de modo que aquilo que estava no passado é trazido para o presente; e aquilo que ainda nos é futuro, pode ser alcançado, por meio dela. E assim, temos certeza e convicção dessa “presença” que anelamos.
O resultado da Semana Santa, quando celebrada com imaginação e fé, é que seus conteúdos alimentam nossas almas com o Pão de Deus. É como se nos tivéssemos assentado à mesa, em algum lugar, fora do tempo, na presença de Jesus.