Igreja: um chamado a participar do sonho de Deus
A carta de Paulo aos Efésios revela uma visão grandiosa do propósito divino. Nos primeiros capítulos, somos levados a contemplar a sublime arquitetura cósmica do plano de Deus, concebido “antes da fundação do mundo”, para reunir todas as coisas em Cristo. Essa jornada é anunciada em 1:10, com uma convergência cósmica, que reconciliará céus e terra em Jesus Cristo, e culmina em 3:10, onde o apóstolo descreve Deus exibindo sua multiforme sabedoria aos principados e potestades celestiais por meio da Igreja – uma família universal, sonhada e executada pelo Criador.
Contudo, essa grandiosa revelação não permanecerá abstrata. A partir de 3:14, a progressão do pensamento paulino nos alcança pessoalmente, tornando-se uma experiência íntima e transformadora. É nesse ponto que Paulo se prostra em oração (3:14-21), não por uma causa distante, mas por nós, para que o Pai, segundo as riquezas da sua glória, nos conceda sermos fortalecidos com poder, por meio do seu Espírito, no homem interior. O cerne dessa oração é que Cristo habite, pela fé, em nossos corações. Essa é a transição central: do “estar em Cristo” – uma posição concedida – para um processo ativo de Cristo habitar profundamente em nós.
Essa habitação interior não é um fim em si, mas o alicerce para algo maior. Com Cristo enraizado em nós, e juntamente com todos os santos, somos capacitados a compreender a largura, o comprimento, a altura e a profundidade do amor de Cristo, um amor que excede todo o entendimento. O objetivo final é nos tornarmos “cheios de toda a plenitude de Deus”. Isso poderia parecer inatingível e desanimador, mas Paulo nos oferece um consolo poderoso em 3:20-21: Deus é capaz de fazer infinitamente mais do que tudo o que pedimos ou pensamos. Essa promessa é um bálsamo para a alma, um convite à confiança plena em sua capacidade.
A partir desse ponto de plenitude e poder divino, o apóstolo faz um apelo (4:1): “Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados”. Para atender a esse chamado, percebemos a necessidade urgente de um esvaziamento. A vaidade, o orgulho, a animosidade, o espírito de competição, dominação, poder e todos os nossos “comprometimentos” egoístas devem ser deixados de lado (4:2-3). É nesse espaço, preenchido pela humildade, mansidão, longanimidade e amor, que poderemos receber e manifestar os dons que Deus tem para nós, para a sua igreja. Esses dons, quando exercidos com um coração despojado, tornam-se ferramentas de edificação para a Igreja, visando a unidade do Espírito no vínculo da paz.
A progressão continua, entretanto; agora em direção à unidade da fé e ao pleno conhecimento do Filho de Deus, até atingirmos a “perfeita varonilidade”, a medida da estatura da plenitude de Cristo (4:13). Para que esse corpo amadureça e funcione plenamente, Paulo nos convida a lidar com as “juntas” (4:16) – os pontos de encontro e articulação entre os membros. É precisamente nesses espaços de interação que as assimetrias sociais, as diferenças de personalidade e as nossas limitações mais se revelam. A “junta dói” porque cada membro leva suas imperfeições para o coletivo, produzindo casos crônicos de “artrite social”.
Assim, Paulo nos propõe um caminho: “seguindo a verdade em amor” (4:15). Como em uma orquestra, cada músico deve se esmerar em aprimorar sua parte individual, buscando a santificação pessoal. A verdade, no caso, seria a partitura da peça musical. Somente quando cada membro se dedica à sua própria afinação espiritual e ao “Maestro” – que é Cristo –, é que as “juntas” se articulam sem dor. O resultado é uma sinfonia harmoniosa, agradável aos ouvidos divinos, que ecoa a unidade e o crescimento do Corpo de Cristo, do qual ele é a cabeça. Essa progressão, do cósmico ao pessoal, do coletivo ao interno nos chama a viver uma fé que se manifesta em amor e serviço mútuo, culminando na plenitude da vida em Cristo.
