O tratado de Sociologia do Conhecimento, de Peter Berger e Thomas Luckmann, se intitula: “A Construção Social da Realidade”, e descreve o processo cultural de criação do mundo dos homens; o mundo da linguagem, dos significados, da cultura. Nesse mundo, por exemplo, uma lâmina cortando a nossa pele pode significar morte ou vida, dependendo da compreensão que tenhamos do fato. Pode ser uma agressão ou uma cirurgia; e esse sentido que damos ao evento nos diferencia dos animais.

Berger diz que uma das ferramentas que os homens usam para construir nosso patrimônio simbólico é a conversa. Eles a usam para atribuir novos significados ao seu mundo físico e, pela comunicação, criar sobre ele uma camada simbólica. Berger chama essa camada, sugestivamente, de “realidade”.

Lembro que ao delegar a Adão a tarefa de dar nomes aos animais, Deus estava incentivando-o a usar sua criatividade para construir seu mundo; o mundo simbólico no qual habitaria com Eva e seus descendentes. E essa “realidade” continuaria a ser construída até hoje.

Exemplo dessa “construção social da realidade” é o seu Chico, encanador, que virou autoridade. Conto essa história.

A cidade só tinha um cruzamento. O prefeito e o vereador compraram carros. E colidiram no cruzamento. Combinaram, então, de chamar seu Chico e dar-lhe a função de “organizar o trânsito” naquele cruzamento. Tudo aprovado pela Câmara, seu Chico ganhou um cargo público, um uniforme e um apito. Nascia ali, uma nova realidade: o guarda de trânsito. Passados alguns anos, as novas gerações não sabiam mais como havia “nascido” essa realidade, que passava por um elemento da natureza, como uma cerca, ou uma pedra. Os mais velhos, porém, sabiam que o “seu guarda” era o seu Chico. E todas as realidades que foram criadas depois, como o sinaleiro, a passagem de pedestres, o código municipal de trânsito, passaram (e passam) a ser incorporadas, sem muitas perguntas, ao universo das “realidades” com as quais convivemos.

Assim, Berger chama de “projeção” as coisas que criamos. Quando elas assumem o status de concretude, é o fenômeno da “objetificação”; e o terceiro movimento é quando as incorporamos de volta, como dados da realidade: “introjeção”.

Acho que a carta de Paulo aos Efésios é uma espécie de sociologia do discernimento da Igreja. Nela, Paulo descreve o processo “social” de seu nascimento, pela obra de Cristo e do Espírito Santo; o seu crescimento, por meio do discernimento espiritual e da nova vida “em Cristo”; a sua disseminação, por meio da proclamação; e a sua materialização visível, pela formação de comunidades de fé, nas quais a pessoa adquire um sentido de pertencimento; a consciência de corpo (de Cristo); de cidadão do céu, a revelar o mistério que Deus planejou em seu Filho, antes da fundação do mundo.

Vista desse modo, essa “construção social” se dá pelo discernimento da ação de Deus, — feito com os olhos do coração —, a edificar, por meio de Espírito de sabedoria e revelação, a comunidade concebida em Cristo antes da fundação do mundo. Ela torna visível a nós mesmos o milagre do seu crescimento, por palavras e gestos; pelo auxílio de toda junta, em amor; até que cheguemos à varonilidade perfeita, ao pleno conhecimento do Filho de Deus, à estatura da plenitude de Cristo. Até que ele seja tudo em todos.

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