O que terá Deus soprado em Adão, de modo que se tornasse alma vivente, à sua semelhança? Imagino que o Criador lhe soprou muitos dons permanentes que, como as ferramentas de uma oficina, estariam à disposição de Adão, para serem usados, quando ele precisasse. Quando, pela primeira vez, ele abrisse os olhos, eles estariam lá, prontos para uso.

Imagine Adão despertando no Éden e percebendo a criação de Deus; imagine o que ele vê, cheira, tateia, ouve e saboreia. Imagino que ele goste muito; ele se delicia. Acionada a “ferramenta afetiva” de Adão, ele amou aquilo tudo, e recebeu o mundo para ele criado como belo. Em seguida, o que fora inicialmente prazer estético, agora, por ser recebido, se transforma em afeto. E isso pareceu bem aos olhos do Criador.

Então Deus lhe deu uma companheira; e ele a amou; e cantou para ela a canção dos filhos de Deus, que havia aprendido. Chamou-a de “meu bem”, porque ela era bela aos seus olhos. E ela gostou. Compreenderam, assim, o significado de “bem-querer”.

Nesse momento, Adão pensa em Deus; e tem uma luz: “eis aqui o meu bem maior; a fonte das minhas delícias; a razão da minha alegria”; e lhe canta uma singela canção. Desta vez, uma canção que ele mesmo compusera, pois havia aprendido a fazer poesia (os dizeres, naquela época, eram naturalmente cantados, pois havia música nas palavras). E Deus se deliciou, porque Adão não lhe oferecera uma canção aprendida, mas usara de criatividade para dizer o quanto apreciava as coisas que Ele criara; o prazer que lhe proporcionavam, com destaque para suas conversas íntimas, na viração do dia.

Assim, a gratidão e o louvor se encontraram no jardim, no espaço do afeto:

Eu te amo, ó Deus; e com minha voz te adorarei e te entoarei… ♪

E o Senhor ordenou que se registrasse no grande livro, como testemunho perpétuo, que Adão seria chamado de Minha-Delícia; “porque o Senhor se delicia em ti” (Is 62:4); “como o noivo se alegra da noiva, assim de ti se alegrará o teu Deus” (Is 62:5).

E por querer bem a Eva, e querer-lhe o bem, Adão aprendeu a lhe dar presentes e mimos; e também a trazer presentes agradáveis a Deus, ofertas que não eram colhidas no jardim, mas que vinham do seu coração, pois intuía que estas agradavam mais ao Senhor (e também a Eva).

Foi assim que a sublimidade do Criador e a beleza de sua criação despertaram a afeição e a gratidão de Adão. Estas deram origem à “arte afetuosa” que, vinda do coração, foi chamada de adoração.

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


The reCAPTCHA verification period has expired. Please reload the page.