Versão ampliada do artigo da seção “Ponto Final”, da Ultimato 366

Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas
(Rm 13.1)

Uma das exortações paulinas mais difíceis de acatar, nos dias de hoje, talvez seja a de nos sujeitarmos às autoridades. A dificuldade cresce quando as julgamos ilegítimas, autoritárias, incompetentes ou corruptas. Mas, se temos tendências radicais, tudo se agrava; basta que a autoridade não pense como nós para imediatamente incorporarmos os vícios citados. E não nos iludamos, isso ocorre também nas estruturas eclesiásticas.

Um fenômeno que cresce ao lado da busca por popularidade, por parte de qualquer figura pública (de roqueiro a presidente, passando pelo papa), é a perda da noção de reverência por parte do cidadão comum. É por aí que Jesus vira “JC” ou “cara” e Deus se transforma em você ou “meu chapa”.

Não sei se Jesus ou Deus se importam com isso; mas sei que “o papa é pop” e que toda figura pública sonha em sê-lo. Fama é dinheiro. “Like” é dinheiro. Só que, para isso, é preciso ter jeito de povo, gosto de povo, falar como o povo, agir como o povo. Tentam, então, fazer-se povo com o povo, para, de alguma forma, ganhar o povo (ou, pelo menos, seu voto).

Resultado frequente é que ambos cruzam a linha vermelha: o povo perde o respeito (restando interesse ou desprezo, talvez os dois) e o governante perde a dignidade (para não falar em compostura). Não é incomum ver um político, em campanha, vestindo camisa, gravata e um chapéu de couro nordestino, enquanto tenta cavalgar um jegue, ou comendo um pastel com caldo de cana num concorrido boteco para operários. Enquanto uns aplaudem, outros vaiam, xingam e gritam: “Fora!”.

Considerando que são legítimos os debates com autoridades, as ações políticas, passeatas e concentrações ordeiras ou greves, bem como os mecanismos legais de proteção do cidadão, por fazerem parte da democracia, como entender, nesse contexto, e acatar a recomendação do apóstolo Paulo? Sabemos que as “autoridades constituídas” do seu tempo não eram melhores do que as de hoje. Nem as de Roma nem as do Sinédrio.

Talvez nos ajude a conversa de Jesus com Pilatos: “Então Pilatos disse: – Você não quer falar comigo? Lembre que eu tenho autoridade tanto para soltá-lo como para mandar crucificá-lo. Jesus respondeu: – O senhor só tem autoridade sobre mim porque ela lhe foi dada por Deus” (Jo 19.10-11, NTLH). Talvez Paulo tivesse esse relato em mente quando escreveu Romanos 13.

Mas o apóstolo volta ao tema, recomendando às mulheres de Éfeso que “sejam submissas ao seu próprio marido, como ao Senhor”. Do mesmo modo, estende a exortação aos filhos e aos empregados.

Vale notar que há palavras em separado aos maridos, aos pais e aos patrões. Entretanto, essas recomendações não condicionam a submissão. Como, por exemplo, dizer que, se os maridos forem bons, então as mulheres devem ser submissas; se os pais não forem do tipo que provoca os filhos à ira, esses devem ser honrados; se os patrões não forem ameaçadores, então devem ser obedecidos. Parece-me que as exortações são independentes. Esposas, filhos e empregados respondem diretamente ao Senhor. Assim também maridos, pais e patrões.

E assim também deve ser em relação às autoridades. Cada um, por seu lado, responde diante de Deus: o cidadão e o governante. Sim, eu sei que pensamentos nos passam pela cabeça nesse momento: “Ah, mas, quando Deus chamar esse governante injusto às falas, eu já estarei perdido; eventualmente nem estarei mais vivo para presenciar a justiça divina”.

De fato, em Apocalipse 6, encontramos a cena dos mártires, clamando por justiça: “Até quando?”. E o texto parece nos mostrar que o testemunho do Cordeiro, silenciado com espada cruel, aguarda um julgamento (Ap 6.9-10). É quando as “autoridades superiores” se revelam tiranas, cruéis e injustas. E a reparação divina parece não ter chegado a tempo.

E como se comporta um filho da luz – o cidadão, o crente na igreja, a esposa, o filho e o empregado – em situações assim? Procura a autoridade num restaurante e cospe nela? Chama-a de canalha e ladra? Vai às redes sociais e dispara uma campanha insultuosa? Elabora um plano para tirar-lhe a vida?

“Não será assim entre vós”, dizia Jesus. “Abençoai, e não amaldiçoeis. Ao contrário, orai pelos que vos perseguem.” “Amai, porém, os vossos inimigos, fazei o bem […] e sereis filhos do Altíssimo” (Lc 6.35).

E por que faremos assim? Por que faríamos assim? Porque o faremos “como para o Senhor”. Sim, em amor e submissão ao Senhor, sustentando, mesmo à custa de sofrimento, o testemunho do Cordeiro. Não do leão. Do Cordeiro.

Não quero parecer um crente alienado. Eu sei que haverá um momento em que só a lei Maria da Penha resolverá. Sei que o recurso à Delegacia da Criança e do Adolescente, em alguns casos, será o que restará ao filho. E que a justiça trabalhista precisará ser acionada pelo empregado. Sim, sei. Mas não estou desprezando esses mecanismos republicanos, cidadãos. Estou olhando para o coração. Estou pensando na submissão que nos seja possível a essas “autoridades”. Estou pensando em não nos entregarmos a uma alma pusilânime, pequena, traiçoeira, sabotadora. Estou pensando no coração que joga papel no chão e dá de ombros, como quem diz que nada tem a ver com isso: “Esse mundo é um lixo mesmo”.

Antes, precisamos aprender sobre reverência, respeito e submissão. Aquela submissão que não se resume a cumprir ordens, mas que colabora com a missão, no melhor de suas capacidades. E o faz por amor, como para o Senhor.

Mas, se não quero ser politicamente alienado, sei também que o dia do Senhor virá. E restaurará toda a justiça que os poderosos deturparam. Jamais queiramos estar do lado errado no dia em que “os reis da terra, os grandes, os comandantes, os ricos, os poderosos e todo escravo e todo livre se esconderam nas cavernas e nos penhascos dos montes e disseram aos montes e aos rochedos: Caí sobre nós e escondei-nos da face daquele que se assenta no trono e da ira do Cordeiro, porque chegou o grande Dia da ira deles; e quem é que pode suster-se?” (Ap 6.15-17).

  1. Perfeitas colocações que por si só, são atemporais, com os recortes da Palavra. E, nos dias que estamos e vivemos tornam_ se em elucidação que só podemos louvar a Deus que alcance muitos.

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