Verdade em Amor I
stava assistindo à primeira temporada da série Continuum, em que “Kiera Cameron é uma policial do ano 2077 que acaba indo parar no ano 2012 quando uma gangue de terroristas viaja no tempo para fugir da prisão” (Sinopse). Aqui no presente ela inventa pertencer a uma unidade policial canadense, super secreta, que a enviou para lidar com essa gangue, por conhecê-la bem. Assim, encobre sua verdadeira origem, a origem da gangue que passa a aterrorizar a cidade com armas e conhecimento de 65 anos à frente, e passa a trabalhar em parceria com um colega policial do ano 2012.
Entretanto, essa tarefa de lidar com terroristas do futuro acaba colocando em risco sua identidade. Ao final de uma dessas situações em que eles quase morreram, e ela quase foi desmascarada, seu colega lhe diz: “chega de mentiras e segredos, ok? Daqui em diante, será 100% verdade entre nós. Sem mentiras nem segredos, combinado?” E Kiera responde: “Não, não pode ser assim; é preciso que mantenhamos alguns segredos, para que nossa missão tenha chance de sucesso”.
Essa cena me lembrou uma outra, muito mais perigosa, vivenciada por um amigo. Sem mais nem menos, sua esposa lhe perguntou: “meu bem, você acha que estou gorda?”. Risco de vida iminente: se você disser que sim, está morto; se disser que não, e não for hábil na mentira, está morto. Que fazer? — me perguntou o amigo?
O que há em comum entre as duas histórias? Bem, talvez entre outras coisas, a questão da necessidade da mentira ou, pelo menos, da não-verdade. E antes que você se escandalize comigo, permita-me lembrar um texto bíblico famoso:
O rei do Egito ordenou às parteiras hebréias, das quais uma se chamava Sifrá, e outra, Puá, dizendo: Quando servirdes de parteira às hebréias, examinai: se for filho, matai-o; mas, se for filha, que viva. As parteiras, porém, temeram a Deus e não fizeram como lhes ordenara o rei do Egito; antes, deixaram viver os meninos. Então, o rei do Egito chamou as parteiras e lhes disse: Por que fizestes isso e deixastes viver os meninos? Responderam as parteiras a Faraó: É que as mulheres hebréias não são como as egípcias; são vigorosas e, antes que lhes chegue a parteira, já deram à luz os seus filhos. E Deus fez bem às parteiras; e o povo aumentou e se tornou muito forte. E, porque as parteiras temeram a Deus, ele lhes constituiu família. (Ex 1:15-21)
Veja que as parteiras enganaram o Faraó; mentiram para ele. E Deus aprovou sua atitude. E lhes deu família como prêmio, porque temeram a Deus. A aprovação não foi do engano e da mentira, mas do temor ao Senhor. No caso, os subterfúgios foram um meio de expressar esse temor.
Em que dificuldades esses pensamentos nos colocam!
— Meu bem, você sabe que eu sou crente e que só digo a verdade. Então, lá vai: eu acho, sim, que você está gorda. Pronto, falei! E que Deus honre meu testemunho da verdade.
Esse não precisa de anjo da guarda; precisa de um destacamento celestial.
Há um outro versículo que me tem dado trabalho, ao pensar nesses assuntos. Ele é necessário, me parece, para o estabelecimento do equilíbrio bíblico:
Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, de quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor. (Ef 4:15,16)
“Verdade em amor” aparece aqui como base para o crescimento e edificação do corpo. Parece que Paulo está recomendando uma verdade amorosa (no sentido de uma verdade que edifica e ajuda) e um amor verdadeiro (no sentido de que aquele que ama não mente para o ser amado). Verdade e amor são a glucosamina e a condroitina das juntas do corpo de Cristo. Parece que esses dois elementos são destinados a atuar nas articulações entre os membros do corpo.
Repare que a construção “verdade em amor” elimina a precedência de um sobre o outro. A verdade deve ser amorosa e o amor não deve ser cego para os pecados e defeitos do irmão. Não é um amor que “passa a mão na cabeça” do delinquente; nem uma verdade que julga sem a intenção de reconciliar e salvar. Verdade em amor remetem para Deus, em seu Filho.
Então, talvez seja o caso de perguntar: quanto amor é preciso para resistir (ou suportar) à verdade que nossa comunhão requer para que cheguemos à intimidade cristã? Perguntando de outra maneira: nosso amor resistirá à verdade que deve existir entre nós? Ou, para que ele sobreviva, não podemos ser inteiramente verdadeiros, não podemos dizer nossa verdade? Precisaremos ser um pouco Kiera ou parteiras do Egito?
Minha opinião é que esse problema só se resolve com o Evangelho. Explico: precisamos de um “pacto no corpo”; uma aliança de amor. Aguarde que vou desenvolver essa ideia em “Verdade em Amor II”. Aguarde e confie. 🙂
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