Neste começo de ano, quero pensar no voto como prática espiritual. Enquanto tal, o voto é uma decisão, um propósito, que nasce no coração e se manifesta em forma de oração — ou de oração sem forma. Ele nem sempre é secreto, mas é sempre íntimo; um propósito que tomamos em relação a nós mesmos. Não valem as barganhas que o povo costuma fazer com Deus (ou com santos), e muito menos as promessas que uma mãe faz para o filho pagar.

Na verdade, aqui e ali encontramos na Bíblia essa proposta de troca, que aparece na forma de “promessa”: se o Senhor me der isso, eu faço aquilo. Mas a melhor prática é a do voto incondicional: que darei ao Senhor pelos seus benefícios para comigo? Tomarei o cálice da salvação e invocarei o nome do Senhor. Cumprirei os meus votos ao Senhor, na presença de todo o seu povo (Sl 116:12-14).

Sim, o voto a que me refiro é o voto que Jesus descreve na parábola do filho pródigo. Uma decisão íntima, incondicional, unilateral. Um movimento da alma. Encontro três lições nos verbos que Jesus usou para construir o momento da “virada” na narrativa do filho pródigo.

Então, caindo em si, disse: Quantos trabalhadores de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui morro de fome! Levantar-me-ei, e irei ter com o meu pai, e lhe direi: Pai, pequei contra o céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus trabalhadores. E, levantando-se, foi para seu pai. Vinha ele ainda longe, quando seu pai o avistou, e, compadecido dele, correndo, o abraçou, e beijou (Lc 15:17-20).

Primeira: o voto consciente acontece dentro de um discurso existencial. “Caindo em si, disse”. A expressão aponta para o enredo, para a situação em que o rapaz estava mergulhado. Ele conseguiu, a duras penas, fazer a leitura da trama, do tecido em que estava envolvido, usando como referência “a casa do pai”. O voto acontece, então, para tirar as coisas dessa situação estagnada, “mal-parada”; como resposta a essa nova consciência. E aqui, a vontade do pai, tão esquecida, tão negada, tão questionada, volta a valer; volta a ser o anelo daquela alma; e o voto se transforma em oração, ao harmonizar-se com a vontade do Pai.

Segunda, o voto consciente é gesto de reconciliação. “Levantar-me-ei, irei ter com meu pai e lhe direi…” Reconciliação de quê? De quem com quem? Bem, depende do que se estragou; do que se corrompeu; do vaso que se partiu. Depende do discurso que lemos; do diagnóstico feito; depende do que significa a referência “na casa de meu pai” para nós, nesse momento. A maturidade cristã acontece, entretanto, quando aprendemos a dizer: “eu sei qual é a vontade do meu pai e também sei o quanto ela vai me custar: mas levantar-me-ei e irei ter com ele”. Uma observação: o rapaz não disse: “vou começar a pensar sobre isso”, mas disse: “irei”. Chamo a atenção para a armadilha dos votos imensuráveis.

Terceiro, o voto consciente consuma-se em ação. “E, levantando-se, foi…” Estamos falando de prática espiritual, de oração; da presença de Deus na consciência que faz o autodiagnóstico (os trabalhadores do meu pai), na vontade conhecida (e agora desejada) e também no poder necessário para que o propósito tenha chance de sucesso. O voto consciente é mais que boa intenção; é atitude, ação que rompe círculos viciosos: “e, levantando-se, foi!” Aleluia! A presença de Deus, nessa hora, torna possível o improvável; ela impõe a dimensão do milagre.

Como foi o caminho de volta daquele rapaz? Podemos imaginar um misto de incerteza e excitação. Mas a energia para cada passo vinha daquele momento sagrado.

Se, neste começo de ano, o Espírito nos sussurrar ao ouvido: “quantos trabalhadores do meu pai…”, então é tempo de voto consciente. O resultado é alentador: “Vinha ele ainda longe, quando seu pai o avistou, e, compadecido dele, correndo, o abraçou, e beijou”. Enquanto ainda estamos lendo o nosso duro discurso existencial, nosso pai já está saindo ao nosso encontro.

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