Este ano pretendo falar menos.

Dizem que precisamos falar uma cota de quinze mil palavras diárias para manter a sanidade. Será que precisamos dizê-las mesmo que ninguém esteja ouvindo — ou gostando? E se a família se encontrar à noite, todos com suas cotas atrasadas? Será salutar combinar de todos falarem ao mesmo tempo, só para zerar o saldo devedor?

Bem, fica decidido também que, se eu sentir que estou entrando em crise de abstinência, então eu passo a conversar com um gravador. Tipo “querido diário”.

Falando sério, eu gostaria de evitar aquela sensação de “músico de churrascaria”, que toca para ninguém (mas se faz um intervalo, o povo reclama, porque está pagando).

Não é birra, não (do tipo “um dia, quando eu faltar, eles vão ver o quanto perderam”). Na verdade, a intenção é ser mais relevante no falar. E, para isso, só falar quando for relevante — para quem ouve, claro (1). Bem sei que há momentos em que o simples falar ajuda na descontração do ambiente. Não importa tanto o que se está dizendo; a pessoa calada cria um clima difícil. Pessoas mais falantes costumam ser mais simpáticas. Mas às vezes um sorriso resolve esse problema, sem necessidade de palavras, pois o grande problema é o silencioso carrancudo. Há momentos em que é preciso, mesmo, “queimar parte da cota”, paciência.

Entretanto, o propósito permanece, e, para viabilizá-lo, fixo algumas metas, no coração.

Tentarei me calar quando alguém estiver falando. Falar junto pode trazer um clima de “grande família” à conversa, mas cai na categoria “churrascaria”. Em especial, se você realmente deseja ser ouvido. Um recurso usado nessa hora é elevar a voz (90 decibéis está bom) para se sobrepor e fazer o outro calar. Tipo “vencer a parada” (e gozar do raro prazer de completar a frase).

Nesse mesmo sentido, quero aprender a me calar quando for atropelado por outros falantes. Isso porque, mesmo que eu já esteja com o direito adquirido, se outro começa a falar antes de eu terminar a frase, minha fala já estará carimbada de irrelevante. Tudo o que eu disser daí em diante será como se eu procurasse uma pista para aterrissar o teco-teco avariado.

Quero ficar atento ao interesse de meus interlocutores. Tenho a tendência de continuar falando só para completar a ideia, quando já estão de costas para mim (ou quando o grupo já desviou a atenção para outro, ainda com dez mil palavras de saldo). Especial atenção aos gestos evasivos. Sou mestre em começar uma grande frase (que pode se transformar em uma explicação ou história) exatamente no momento em que meu interlocutor faz menção de se retirar. E percebo-o voltar, por educação. No caso, preciso aprender a deixá-lo ir. Mesmo que não tenha outra vítima para receber o restante do parágrafo. No caso, é deixar o teco-teco cair e paciência.

Essa contínua avaliação, além de me ensinar sobre relevância, me ajudará a ser interessante no falar. E a transmitir “graça aos que ouvem” (Ef 4: 29).

Para falar menos, e ainda assim trazer graça, precisarei ser mais construtivo. São poucos os que se interessam por críticas — e por críticos —, censuras, reprimendas, exortações, admoestações e outras “chamadas”. Portanto, análises impiedosamente sérias, só on demand (2). E nunca em grupo, pois podem não interessar a todos.

Outra ideia: linguagem ácida ou irônica, só se for para transmitir pensamentos engraçados. Como recurso de veemência ela acaba passando a impressão de amargura. Falar mal de pessoas, nem on demand. No caso de fatos ou acontecimentos, é menos grave. Mas ainda assim, é uma boa área para economizar palavras.

Finalmente, investirei em diálogos genuínos. Aqueles em que a via de mão dupla é bem pavimentada e sinalizada. Nessas conversas, aliás, os interlocutores preferem ouvir, pois aprenderam que ganham mais assim. Mas compensarei eventuais excessos economizando em outras áreas. Por exemplo, cortarei nas discussões, em que, normalmente, todos perdem, pois todos acabam dizendo o que não precisam ou não deveriam. E raramente alguém ouve alguma coisa.

Cortarei também nas ameaças (aqui, precisarei cuidar também do olhar). Em especial, naquelas de natureza patética, do tipo: “menino, se você não comer tudo, eu vou embora e nunca mais volto”. “Se você não me der o que eu quero, eu pulo desta ponte, e você terá que viver o resto da vida com essa culpa”. Em vez de ameaçar, procurarei agir construtivamente. Deus há de me orientar.

Economizarei também em broncas, desabafos egoístas e em conselhos não solicitados. Palavras que, se economizadas, não farão falta a ninguém, exceto a mim mesmo, que, por algum mecanismo perverso, preciso dizê-las (como se me sentisse melhor, após o derrame insensato).

Pedirei a Deus que me ensine a encontrar mais prazer no ouvir do que no falar.

Fui convidado a pregar numa grande igreja. Noite de muita agitação. Caravanas chegando. Mais de cinco mil lugares. Comecei o sermão e o movimento continuava. Era uma noite de celebração, de reunião de todas as congregações.

Eu ainda saudava a igreja quando chegou um político, em campanha eleitoral, com seu séquito. Como eram evangélicos, foram convidados a subir ao grande púlpito, o que gerou um movimento muito grande atrás de mim. E eu já não sabia se o povo olhava para mim ou para o candidato e seus ajudantes.

Terminei a leitura bíblica e ainda havia gente arrastando cadeiras, para acomodar a comitiva ilustre. Temendo estar falando sozinho, resolvi fazer um teste: ergui a voz e disse: “E que Deus, assim, nos abençoe — amém, irmãos?!”. E ouvi um grande amém. Fechei minha Bíblia e passei a palavra ao pastor. Ninguém estranhou. Acho que fui construtivo.

O que guarda a boca e a língua guarda a sua alma das angústias (Pv 21:23).
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1 …calar é ouro.
2 a pedido.

  1. Li este artigo do Rubem Amorese há alguns anos, creio eu. De lá para cá, tenho procurado aplicar à minha vida as decisões que ele disse aplicaria à sua própria. E tem sido muito útil, para mim e, acho que mais ainda, para os meus (não) ouvintes. Bem, hoje, início de ano novo, retorno ao texto para reavivar o compromisso outrora assumido. O texto está ainda mais atual, pelo menos para mim. Pude avaliar o quanto amadureci e cresci desde a primeira leitura. Porém, sei que ainda tenho pela frente um longo caminho a percorrer. Bom, o compromisso está renovado. E que Deus me ajude.

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