Dor e adoração
Talvez o maior desafio que a fé nos apresente seja a dor. Isso porque esta produz um sutil e velado inconformismo, que traz consigo irritação, revolta e, talvez mais sutil ainda, o silêncio da alma. Um silêncio de quem já não consegue pensar em Deus com gratidão. Muito menos com louvor.
Esse coração não pensa, ainda, em “amaldiçoar a Deus” como sugeria a mulher de Jó, mas também já não o adora. Apenas se cala.
Eu entendo que a sugestão da mulher de Jó acompanha a tribulação, como uma forma de solução para essa confusão íntima, naqueles momentos em que estamos voltados para dentro, tentando compreender a nossa dor. Ela faz parte daquela busca de sentido, que nos ajude na luta que se instalou, silenciosa e mortal como fogo de palha, em nossa alma. Por que eu? Será que fiz algo de errado? Será que Deus se esqueceu de mim?
Um verso que tem acompanhado meus momentos de tribulação é Jó 1:22, que diz assim: “Em tudo isto Jó não pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma”.
Esse verso ensina que a dor não foi capaz de separar o coração de Jó do seu Criador. A dor não fez uma cunha na sua devoção; não abriu um abismo de amargura, não mudou as coisas entre ele e Deus; não calou o seu louvor.
Eu gosto de imaginar Jó, coberto de chagas, vestido de sacos, deitado nas cinzas e dizendo assim: “Ó Senhor, apesar do momento que estou vivendo, apesar da tragédia que se abateu sobre mim, nada mudou entre nós; tu concedes e tomas de volta, como te apraz. E eu, mesmo sem compreender, afirmo que o que o fazes é bom, é agradável, é perfeito”. No entanto, se fores servido ter misericórdia do teu servo…
Entendo que esse incenso precioso, proveniente de um coração atribulado, só seria igualado muitos séculos mais tarde, quando um outro Jó, também em completa desgraça, consciente de seu desamparo, clamou em alta voz, mas em tom submisso: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito”.
Aí está um mistério que o mundo não compreende e que “os anjos anelam perscrutar”, como dizia o apóstolo Pedro: um coração que se derrama em adoração, apesar das dificuldades.
Talvez o segredo seja preservar um coração contrito, como o de Davi. Um coração que busca na graça de Deus as forças para afirmar, para si mesmo e para quem quiser ouvir, que concorda com o que Deus está fazendo; e que se submete à sua vontade, sem condições. Se for tempo de alegria, ofereço-lhe um perfume de flores.
Se for tempo de dor, esforço-me por lhe oferecer um perfume de incenso, regado com lágrimas. Como uma vela, que se consome para produzir sua tênue claridade.
E peço a Deus que me faça como o Ipê amarelo, que nasce todo retorcido, no cerrado: quando parece que a seca de setembro venceu, que a esperança se foi e que a morte está próxima, ele explode em flor, e tudo à sua volta se ilumina com seu amarelo exuberante.
E eu, lá dentro da alma, muitas vezes tão covarde, suplico a Deus que não permita jamais que o meu coração se cale. Porque está escrito que essa esperança não confunde, porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado.
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