Um dia na vida de uma criança ribeirinha
Na Comunidade do Lago da Sabina, fronteira do município de Juriti, PA, com Parintins, AM, todas as crianças frequentam a escola, experiência comum a 98% das crianças brasileiras. No resto do dia, no entanto, o seu cotidiano é impregnado pela natureza que as envolve, fato que faz da infância na região amazônica uma experiência única, especial.
Nesta comunidade ribeirinha, os pequenos vão para a escola pela manhã, os maiores, à tarde. Quem vai pela manhã, acompanha seus pais após o almoço onde quer que as exigências de uma cultura de subsistência os levarem. Talvez hoje o destino seja o roçado de mandioca, ou a casa de farinha, ou a pesca, ou a coleta de dezenas de espécies diferentes de frutas que vão amadurecendo ao longo do ano. Quem estuda à tarde, começa o dia com os pais nestes mesmos afazeres. A unidade produtiva é a família, todos participam.
Longe de ser uma vida monótona, as crianças aqui revelam que o dia-a-dia vivido às margens do Rio Mamuru está repleto de aventuras e descobertas. A maioria já sabe nadar aos 3 anos de idade, aprendem a pescar com seus pais, manobram embarcações pequenas, aprendem a andar no mato e a evitar perigos entre os quais a cobra surucucu é de longe o maior.
Na Comunidade do Lago da Sabina, o transporte dos 85 alunos divididos em 3 turnos é feito por 3 bajaras (pequena embarcação comum na região usada para transportar um grupo pequeno de pessoas). Os próprios moradores prestam o serviço, colocando suas bajaras a serviço do município, atividade que os ajuda também a complementar sua renda familiar.
Veja o dia-a-dia de Ribamar:
Ribamar da Silva Gama, 12 anos, vive com os pais e 4 irmãos num sítio afastado a 10 minutos da comunidade pelo Rio Mamuru. Ele frequenta o sexto ano e portanto vai para a escola à tarde.
Ribamar acorda com os sons dos muitos pássaros da mata, uma dúzia de patos, galinhas e pintinhos no seu quintal.
Crianças como Ribamar fazem três refeições por dia. O desjejum consiste em café com tapioca, almoçam peixe com jerimum, arroz, feijão e farinha. Na janta eles repetem o cardápio do almoço, com alguma variação como ovos mexidos, no lugar do peixe. É do lado de fora, no entanto, que as crianças consomem uma grande variedade de guloseimas. Mucajá, manga, tucumã, açaí, buriti, abatoba, banana, caju, cupuaçu, uichicoroa, ingá, pajurá, uichi liso, maracujá, graviola, são apenas algumas das dezenas de frutas tropicais abundantes na região.
Ribamar conta que o maior aperto que a família enfrentou ultimamente foi um incêndio na casa de farinha. Uma fagulha do forno voou para o telhado de palha. Em pouco tempo tudo estava queimado.
O menino conhece uma porção de peixes, gosta de pescar, manobra muito bem uma canoa, expressa amor pela natureza ao seu redor.
Depois do almoço, vai para a escola na bajara.
Na escola, participa do projeto Pé-de-Pincha. O projeto visa proteger as ninhadas de tracajá, uma espécie de tartaruga cujos ovos são considerados uma prato delicioso em toda a região amazônica. Os ovos são coletados nas praias do Rio Mamuru, transportados para uma chocadeira que a comunidade construiu especialmente para este fim. Ao eclodir, as crianças transportam os quelônios (filhotes) para um berçário, onde permanecem sob os cuidados da comunidade por 4 meses. A soltura é feita na praia da casa de Ribamar. De 2010 até hoje, já foram soltos 1.500 quelônios.
Ribamar é de um geração que se preocupa com o meio ambiente e quer ver os botos, os peixe-bois e todos os outros habitantes do Rio Mamuru, protegidos da pesca predatória e de outras ameaças como os resíduos tóxicos das embarcações usadas para escoar a madeira extraída na região.
Da escola para casa, Ribamar janta, brinca com os irmãos, faz suas tarefas e se prepara para dormir.
Asas de Socorro chegou a esta comunidade pela primeira vez em março de 2013. Crianças como Ribamar têm muito pouco acesso à cuidados de saúde. O primeiro posto de saúde fica à 6 horas de distância. Asas de Socorro atendeu toda a comunidade, realizando mais de 200 atendimentos dentários durante os 4 dias de clínica. Quebrar distâncias é preciso!