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O pecado não somente separa; ele escraviza. Além de nos afastar de Deus, ele também nos mantém cativos.

Consideraremos agora a “internalidade” do pecado. Mais do que uma atitude ou hábito visível, o pecado revela uma profunda e arraigada corrupção em nosso interior. Na verdade, os pecados que cometemos são manifestações exteriores e visíveis de uma enfermidade interior e invisível, são os sintomas de uma doença moral. Jesus empregou a metáfora da árvore e seus frutos para explicá-lo. Ele disse que o tipo de fruto produzido pela árvore (uma figueira ou videira) e sua condição (boa ou má) dependem da natureza e da saúde da árvore. Da mesma forma, “a boca fala do que está cheio o coração”.

Essa declaração de Jesus contradiz muitos reformadores e revolucionários sociais modernos. Certamente a maneira como fomos educados, o ambiente em que fomos criados, o sistema político e econômico sob o qual vivemos exercem uma influência (boa ou má) sobre nós. Além do mais, deveríamos lutar por justiça, liberdade e pelo bem-estar de todos os homens. Entretanto, Jesus não atribuiu a nenhuma dessas coisas os males da sociedade humana, e sim à própria natureza, ou “coração”, do homem. Vejamos o que ele diz:

Porque de dentro, do coração dos homens é que procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios, a avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Ora, todos estes males vêm de dentro e contaminam o homem.
(Marcos 7.21-23)

O Antigo Testamento já ensinava essa verdade. Como coloca Jeremias: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto, quem o conhecerá?” A Bíblia está repleta de referências a essa infecção da natureza humana que chamamos de “pecado original”. Trata-se de uma tendência ou predisposição egoísta, que herdamos de nossos pais, e que está profundamente arraigada em nossa personalidade humana e se manifesta milhares de vezes, de maneira repulsiva. Paulo chamou-a de “carne”, e nos deixou uma lista de suas “obras”, ou consequências.

Ora, as obras da carne são conhecidas, e são: prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções, invejas, bebedices, glutonarias e coisas semelhantes a estas.
(Gálatas 5.19-21)

Como o pecado é uma corrupção interna da natureza humana, ele nos mantém escravizados. Não são alguns atos ou hábitos que nos escravizam, mas sim a infecção maligna de onde eles procedem. Muitas vezes, no Novo Testamento, somos descritos como “escravos”. Podemos nos ofender com isso, mas é a pura verdade. Jesus provocou a indignação de certos fariseus quando disse a eles: “Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.

Eles retrucaram: “Somos descendência de Abraão e jamais fomos escravos de alguém; como dizes tu: Sereis livres?”

Jesus respondeu: “Em verdade, em verdade vos digo: Todo o que comete pecado é escravo do pecado”.

Por várias vezes, em suas epístolas, Paulo descreve a servidão humilhante imposta a nós pelo pecado:

Porque, outrora escravos do pecado…

Entre os quais nós também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos.
Pois nós também, outrora, éramos néscios, desobedientes, desgarrados, escravos de toda sorte de paixões e prazeres.
(Romanos 6.17; Efésios 2.3; Tito 3.3)

Tiago nos dá um exemplo de nossa falta de autocontrole quando menciona a dificuldade que temos em refrear a língua. Em um capítulo bastante conhecido, repleto de metáforas, ele diz que se alguém “não tropeça no falar, é perfeito varão, capaz de refrear também todo o seu corpo”. Ele destaca que “a língua, pequeno órgão, se gaba de grandes coisas”. A sua influência se espalha como o fogo; ela é “mundo de iniquidade” e está carregada de “veneno mortífero”. Podemos domar todos os tipos de feras e pássaros, ele acrescenta, “a língua, porém, ninguém consegue domar”.
(Tiago 3.1-12)

Sabemos disso muito bem. Todos nós temos ideais elevados, mas vontade fraca. Queremos viver uma vida abnegada, mas estamos acorrentados ao nosso egoísmo. Embora possamos nos gabar de que somos livres, na realidade não somos outra coisa senão escravos. Devemos nos aproximar de Deus com lágrimas e dizer:

Não posso, Senhor,
não há nada que eu possa fazer,
nenhuma batalha em minha vida
que eu possa realmente vencer.
Mas agora venho lhe dizer
o quanto eu lutei e falhei,
em minha história tão humana
de fraquezas e futilidades.

(Studdert Kennedy)

Regras de conduta não resolvem o nosso problema; não podemos cumpri-las. Mesmo que Deus nos diga claramente para não fazer alguma coisa, continuaremos fazendo até o final dos tempos.

Sermões também não adiantam; o que nós precisamos é de um Salvador. Mudar nossa mente através da educação não é suficiente, precisamos de uma mudança de coração. O homem descobriu o segredo da força física e o poder da reação nuclear. Agora ele precisa do poder espiritual para libertar-se de si mesmo e ajudá-lo a conquistar e controlar o seu eu; um poder que dê a ele um caráter moral à altura de suas conquistas científicas.

 

Fonte: Cristianismo Básico. Stott, John, página 99-102.

— Imagem: freeimages.com/photo/1226063


Nota:
Durante o mês de agosto, publicaremos neste blog trechos do clássico Cristianismo Básico, de John Stott. Assim, o leitor poderá conhecer ou relembrar o que tem de melhor no livro. Leia o texto abaixo e os próximos que virão.

  1. Stott, o puritano moderno!
    A linguagem, atualizada, é a mesma, conceitualmente falando, do puritanismo inglês do século XVII. O ‘pecado’, como cantado em prosa e em verso aqui nesse curtinho artigo, trata o pecado como todo puritano trataria: nada há de estrutural na natureza do pecado. O pecado é algo que ocorreu ‘dentro’ do homem e por lá fica.

    O problema do Dr. Stott é que seu discurso ficou velho. Quer dizer, é quase impossível o homem moderno, isto é, o indivíduo que pega o carro e vai para a fábrica da IBM onde trabalha ou o azulejista que se dirige a um dos prédios da Cyrella, identificar-se com um discurso pra lá de passé.

    O puritano nunca renova, ele sempre preserva o que era antes. Lembram-se de Chesterton e o tal poste pintado sempre de branco?

    Não ocorreria jamais a Stott desfazer-se do poste ou troca-lo. Fica bem mante-lo sempre pintado. A aparência será sempre de novo. Morre aí.

    Mas tem gente que gosta desse discurso? Adoram!
    Para eles é o posto pintado e renovado.

    • Sempre haverá aquele que acha a msg, dura, utrapassada… O fato é, o homem perdeu a semelhança de Deus, como uma carta que não chega. Se estraviou do seu destino original, tornou-se inútil. Não serve mais. Mas Deus querendo provar a imutabilidade de seu propósito interpôs e deu seu filho unigênito para que todo aquele que nEle crê não morra eternamente.
      Esse problema interior mencionado no artigo acima, trata-se da INDEPENDÊNCIA (o Pecado), é o que dá origem às transgressões (os pecados). Portanto, a solução de Deus foi enviar Jesus, o qual anunciou a boa notícia que pôs fim à independência (o Pecado) do homem, a boa notícia do Reino De Deus! O Evangelho do Reino de Deus põe fim a independência e rebelião do homem.

  2. Da mihi factum dabo tibi libertum : O fato e a experiência revelam a inclinação humana para o pecado (lei) que produz as transgressões (pecados). As Escrituras nos afirmam que o conhecimento da Verdade produz libertação. A propósito: Portanto, agora já não há condenação para os que estão em Cristo Jesus,
    porque por meio de Cristo Jesus a lei do Espírito de vida me libertou da lei do pecado e da morte.

    Qual seria a alternativa pós moderna para essa plena e poderosa salvação ? Que alternativa teria o ” puritano moderno” Stott, senão reconhecer e dizer o que somos por natureza ? Deveria amaciar a mensagem para agradar os religiosos de plantão.

    Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, e apedrejas os que te são enviados! quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste! Eis que a vossa casa vai ficar-vos deserta;

  3. Infalível ninguém vai ser. Por isso a necessidade da confissão, quer apenas com Deus todas as noites, ou com orientadores de confiança para que possam apoiar e ajudar o pecador escravizado na batalha de sua libertação – ainda que seja discutível uma libertação definitiva e perfeita nesse plano.

    Alguns pecados estão muito enraizados, gerando comportamentos destrutivos viciosos e, em muitos casos, a neurobiologia até explica o condicionamento como uma maneira defeituosa que o cérebro adotou como padrão em determinados casos destrutivos ( em quadros severos de vícios o livre-arbítrio é seriamente comprometido). Ser simplista com coisas complexas não ajuda as almas. Ninguém critica nefropatas de falta de fé por não se curarem. Mas quando os problemas são psicológicos, psiquiátricos, que levam a padrões de conduta que a igreja classifica como pecado, o entendimento muda: a pessoa é que escolhe a luxúria, o vício, a ira porque quis e não teve fé.

    Não Julgueis. Caiu, então levanta. Tenham paciência e sejam pacientes. Algumas coisas levam tempo para resolver e há casos que nem são resolvidos. Mas o amor de Jesus é maior. O mérito do sacrifício de Jesus é suficiente. Se há um coração contrito que deseja, tem a intenção de seguir o mandamento, então isso será levado em conta, pois, depois dos séculos, com novos corpos, nova natureza, sob o governo e luz direta do Cristo, não haverá defeito algum.

    O Cristão tem o dever de crer. Tem a missão de perseverar. Mas a perfeição nunca esteve nesse mundo, então tenha paciência com vós mesmos e principalmente com os outros. Confiemos mais no poder da cruz e na misericórdia de Deus do que em nós mesmos.

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