Livro da Semana  |  Filosofia da Tecnologia

 

A questão sobre a utilidade prática não é assim tão óbvia e nem sempre deveria ser levantada. Imagine se na escolha de um parceiro alguém fosse conduzido pela questão da utilidade prática…

 

Engenheiros são geralmente pessoas de mentalidade prática. Afinal de contas, eles estão ocupados com coisas que estão focadas na prática do dia a dia. Eles fazem coisas, mantêm e reparam aparatos técnicos e projetam sistemas sofisticados.

Por certo, a tecnologia não é meramente uma questão de destreza das mãos, mas também uma questão de conhecimento. Pode-se estudar tecnologia. Mas geralmente esse conhecimento é de natureza prática e focalizado diretamente na sua aplicação à vida diária.

Há algo prático na filosofia?

Para grande parte das pessoas, a filosofia é exatamente o oposto. Às vezes, tem-se a impressão de que não há em absoluto algo de prático na filosofia. Esse é um campo de estudos considerado como um tipo de atividade ascética. Filósofos fazem perguntas bizarras, como: O que é o “ser”?, O que é o “conhecimento”?, O que é o “tempo”?, O que é a “verdade”? e “O que é a “realidade”? Essas questões soam particularmente estranhas, uma vez que as respostas parecem ser tão óbvias.

Nós todos não sabemos o significado do “ser”, do “conhecimento”, do “tempo”, da “verdade” e da “realidade”? Qual é o sentido em se fazer todas essas perguntas? E, além disso, os engenheiros pensam: como poderiam as respostas a essas questões me auxiliar em meu trabalho técnico prático? O livro de Thom Morris Philosophy for Dummies [Filosofia para bobos] (1999) foi direcionado a esse público amplo. Nele, ele jocosamente cita Voltaire que está debochando de si mesmo enquanto examina o foco (aparentemente) nada prático dos filósofos. “Se o ouvinte não compreende a intenção do comunicador, e se o próprio comunicador não compreende sua intenção, então você está lidando com filosofia” (Morris, 1999: 14).

Na verdade, a questão sobre a utilidade prática não é a mais óbvia quando se lida com a filosofia. As pessoas deveriam perguntar a si mesmas se a questão da utilidade prática deveria de fato ser sempre levantada. Isso porque existem muitas áreas na vida em que tal pergunta não deveria ser feita. Imagine se na escolha de um parceiro alguém fosse conduzido pela questão da utilidade prática.

 

Definindo melhor as questões

No entanto, essas questões aparentemente desprovidas de praticidade tornam-se mais relevantes para os engenheiros quando nós as definimos de modo mais atento Assim, alguém pode, por exemplo, perguntar: O que, na verdade, é algo técnico (que é, assim, uma questão relacionada ao “ser” aplicada à tecnologia)? Quando denominamos algo como “natural” e quando denominamos algo como “técnico”? Ou: o que é conhecimento técnico e de quais maneiras ele difere do conhecimento científico (ou a questão do “conhecimento”, mas agora aplicada à tecnologia)? Seria a tecnologia uma ciência física aplicada, ou algo diferente?

Para os engenheiros que se esforçam conscientemente para contribuir com uma sociedade saudável, uma reflexão filosófica sobre a tecnologia é particularmente útil, pois ela pode ajudá-los a definir seu próprio pensamento e conduta técnica. Assim, os engenheiros também devem ser incluídos entre os “praticantes reflexivos”, como Donald Schön (1983) os denomina.

Como a reflexão filosófica pode ser útil a um engenheiro? Para responder a isso, temos de diferenciar entre três funções da filosofia. A função analítica significa que há uma tentativa de se elaborar boas definições e conceitos para desse modo criar um quadro de referência conceitual. A função crítica é direcionada à elaboração de uma discussão sobre se o funcionamento da tecnologia é benéfico ou prejudicial. A função direcional tenta determinar o que seria um bom desenvolvimento da tecnologia. A filosofia da tecnologia é um campo de estudos relativamente novo. Nas últimas décadas, quatro temas emergiram: a tecnologia como artefatos, como conhecimento, como processos e como parte do nosso ser enquanto humanos.

• Trecho retirado de Filosofia da Tecnologia — Uma Introdução, publicado pela Editora Ultimato.
  1. Bela introdução! Erramos muito em não conseguir pensar no significado das coisas, refletir sobre arranjos, funções, técnicas e utilidades. Seguindo o exemplo, um “praticante reflexivo” é alguém capaz de imaginar e prever os impactos dos seus resultados e direciona seus esforços para mais do que bens de consumo ou materiais, mas para o valor do significado do próprio trabalho ou produto do seu esforço para ele e a para os outros.

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