Olhos abertos
Chegamos à metade do Encontro de Líderes Jovens de Lausanne na Indonésia. O que já aprendemos nestes quatro dias e o que nos faz manter os olhos abertos
Por Lissânder Dias
Dez horas da noite. Chego no quarto do hotel. Exausto, meu corpo quer dormir, mas minha mente está agitada. O dia foi cheio: testemunhos, desafios, relembranças, abraços, ensino, treinamento. Tudo isso fez parte do que temos experimentado nestes dias no Encontro de Líderes Jovens de Lausanne (ELJ2016), aqui na região metropolitana de Jacarta, Indonésia.
Chegamos à metade do Encontro. Já se passaram quatro dias. Amanhã (domingo) teremos, enfim, um dia de descanso. Poderemos acordar um pouco mais tarde e fazer um passeio pela cidade. Será um tempo também para reflexão sobre o que já aconteceu aqui.
Pelas ruas da cidade
Nestes quatro dias, temos feito de ônibus o caminho do hotel até o local do evento. Mas algumas vezes, saímos a pé para visitar o shopping ao lado. É nestas caminhadas que percebo o contraste econômico: prédios bonitos, lojas sofisticadas, mas gente muito pobre reformando calçadas ou servindo comida em seus pequenos negócios alimentícios.
Fuma-se muito em Jacarta. É impressionante. Mas não se vê gente consumindo bebidas alcoólicas em locais abertos. É curioso como o indonésio é rígido com algumas coisas. Por exemplo: não aceita de modo algum cédulas de notas estrangeiras amassadas, dobradas ou com pequenos rasgos. De preferência, devem ser novas. Foi difícil conseguir trocar a moeda norte-americana por rúpias.
Há muitas motos (ontem eu andava do shopping até o local do evento e fui surpreendido por um estacionamento gigantesco de motocicletas) e quase nenhuma bicicleta no bairro onde estamos hospedados. Dizem que a realidade é diferente em bairros mais pobres da cidade.
Olhando o mundo
É interessante treinar nossos olhares quando estamos em solo estrangeiro. Vemos coisas novas. Ao mesmo tempo, o Encontro de Jovens Líderes tem nos dado a chance de treinar nossos olhares não somente para a dimensão local, mas também para o global. No dia 04 (quinta-feira), tivemos uma apresentação da realidade e das tendências do mundo. Que mundo é este para o qual somos chamados a fazer missão? Algumas constatações: 1% da população controla metade de toda a riqueza do mundo. A média de idade das pessoas está cada vez maior. A vida está cada vez mais acelerada. O mundo está cada vez mais interconectado e complexo. E paira uma incerteza sem precedentes. Vivemos cada vez mais egoisticamente. A secularização está cada vez maior.
Por outro lado, temos mais capacidade e condições de fazer o bem. Temos meios cada vez mais rápidos e efetivos para compartilhar a Boa Notícia de Deus. A religião não está morrendo. Estima-se que em 2025, 90% das pessoas serão religiosas. Enquanto isso, o fundamentalismo e a radicalização crescem. E qual será o futuro da igreja de Cristo? O Cristianismo vai continuar crescendo no Sul Global. Mais do que qualquer outro fator, a imigração será o contexto de conflito e ao mesmo tempo de oportunidade ministerial incrível!
Olhando para um horizonte maior
“Como comunicar o evangelho à nossa geração?”, pergunta a evangelista indonésia Tracy Trinita. “Por meio das histórias sob a direção do Espírito Santo”, responde. “O tempo é agora”, disse Nick Hall. “Assim como Paulo diante de Félix, devemos criar um ponto de referência (nossa geração escuta com os olhos e pensa com os sentimentos), um ponto de relevância e um ponto de perturbação”, propõe o apologista Ravi Zacarias.
Porém tem mais. No terceiro dia do Encontro (sexta-feira), fomos desafiados a enxergar a Missão da Igreja de forma mais ampla e pública. Richard Chin, um pastor asiático que vive na Austrália, nos fez voltar ao início, a Gênesis, e perceber que “No princípio, Deus fez tudo, por meio da sua Palavra, para o bem, de forma organizada e em direção a Jesus Cristo”. Gênesis nos lembra que devemos cuidar com amor da criação. Ela não é nossa. É de Deus. Ele nos comissiona a regular o mundo.
A brasileira e ex-ministra do meio ambiente Marina Silva também falou. Contou sua história pessoal, relatou sua conversão e nos desafiou a sermos obedientes a Deus. “Não tenho dúvidas de que estamos sendo chamados para cuidar da criação (Gn 1.28), que devemos dominar a terra, mas com o domínio de Deus, que é amoroso e cuidadoso. Deus colocou o homem no jardim para cuidar e guardar. Se você vai usar os recursos da criação, use com cuidado, porque senão você vai estar tripudiando os recursos de Deus. Deus é um Deus integral, sistêmico e nossa missão de resgate não é só para ser humano. Deus quer que cuidemos de tudo que se perdeu. A pergunta é: o que queremos ser? Imagem e semelhança de Deus? Então queremos ser sustentáveis. A sustentabilidade não é uma maneira de fazer as coisas, é uma maneira de ser, um ideal de vida”.
Olhando para dentro de mim
Hoje (sábado) o Encontro nos lembrou que não basta assumir o desafio da missão de Deus. Precisamos ser humildes e honestos o suficiente para admitirmos nossos pecados e então nos arrependermos. “É difícil falar sobre pecado, é difícil olhar para a cara dele. O mal é um parasita do bem”, disse David Benson, ainda no início do dia.
A história de Babel foi o texto fundamental para este reconhecimento. A teóloga egípcia Anne Zaki (que está prestes a se tornar a primeira pastora ordenada do Norte da África e do Oriente Médio) observou a atitude de rebelião e orgulho do povo e a reação de Deus a isso. “Deus confundiu Babel para reformatar a humanidade, para protegê-la do orgulho. O orgulho não é um pecado aberto, vem disfarçado de progresso, de expectativas ambiciosas, mas que na verdade nos afasta de uma vida que deseja e se alegra em Deus. O orgulho continua sendo o pecado de autossuficiência, que nos faz querer construir um mundo sem Deus”. Ela ressaltou que o fato de Deus ter confundido o idioma não foi uma punição, mas uma oportunidade de crescimento de cultura. “É ótimo para nós porque ali Deus cria a diversidade de idiomas”.
Olhando para os outros
Esta noite foi dedicada ao tema do evangelismo. David Platt foi contundente ao levantar as razões pelas quais devemos levar a sério o mandamento de anunciar o evangelho aos que ainda não conhecem a Cristo, como Paulo nos exortou em Romanos: 1) porque a necessidade é grande (o inferno existe!); 2) porque o Evangelho é bom (Jesus ressuscitou e o evangelho é a salvação para todo aquele que nele crer); 3) porque o mundo está esperando isso (somos o Plano A, não há Plano B); 4) Porque nosso Deus é digno.
A última palavra da noite foi da experiente evangelista Rebecca Pipert. Ela começou afirmando duas coisas básicas: 1) o evangelho de Jesus é a notícia mais valiosa e libertadora que já chegou em nosso mundo cansado. 2) A melhor coisa a fazer é tornar-se seguidor de Jesus. Diante destas verdades, ela então pergunta: “Por que os cristãos têm tanta dificuldade de compartilhar a Boa Nova?”. Ela ressaltou que o evangelismo tem como modelo Jesus Cristo, que encarnou-se e estabeleceu relacionamentos significativos. Segundo Pipert, evangelismo não é uma fórmula, mas um estilo de vida. É visual, é presencial. Mas para isso, precisamos de fato, confiar no poder do Evangelho. Ele é irresistível. Devemos levar as pessoas até à presença de Jesus.
“Não temos somente um modelo, uma mensagem, mas também um meio. Nossa falta de dependência do Espírito é a maior fraqueza da Igreja Ocidental. Estamos vivendo um tempo extraordinário. Mas vamos lembrar que o evangelismo é uma vida, não uma tarefa. Nem todos são chamados para serem evangelistas, mas todos somos chamados para sermos testemunhas de Jesus. Ser uma testemunha de Jesus é questão de vida ou morte”.
Já se passaram duas horas desde que comecei a escrever este texto. Sinto uma leve dor nos olhos. A tela do computador parece mais incômoda. O quarto está em silêncio. Paro então de digitar e tento me lembrar de tantas outras coisas que aprendi hoje. As dicas sobre como prevenir a crise de liderança, o testemunho corajoso de Vaughan Roberts que reconheceu sua luta contra desejos homoafetivos, o aprendizado sobre artes no seminário de hoje à tarde e a poderosa experiência de compartilhar minha própria história em um pequeno grupo. Tudo isso foi forte o suficiente para ecoar em minha memória.
Termino este texto então com o desejo de orar. E assim faço. Peço a Deus perdão pelos meus muitos pecados. Peço que ele me ajude a superá-los. Que ele me ajude a ser honesto comigo mesmo e com os outros. Viver em busca de fama é o pior caminho. Que eu seja obediente na incrível missão de anunciar, com atos e palavras, a glória de Deus em Cristo Jesus.
- Lissânder Dias é editor do Portal Ultimato e foi um dos convidados do ELJ2016.
Jean Mendes
Glória a Deus por esse testemunho, Lissânder! Ainda que sejamos muitas vezes falhos em nossa missão, Deus misericordiosamente continua nos mobilizando a realizar essa grande obra.
JOSÉ JAIME BARBOSA
Maravilhoso. De fato, o evangelismo não pode ser só uma tarefa, ou método, mas é vida abundante e contagiante, como bem nos exemplificou nosso mestre e Senhor Jesus, não é só falar, nem tão pouco é só ir, mas é estar impregnado de compaixão pelas almas, é compartilhar o mesmo amor que foi derramado em nossos corações, é servir e se entregar pela salvação do outro. É, como bem nos disse Paulo, saber-se devedor, é estar pronto a ir ao encontro do outro. É buscar em cada ato, em cada gesto, em toda a oportunidade fazer nítida a luz de Cristo.