Atendendo ao pedido de um irmão, preparei quatro textos sobre o tema da
Lectio Divina: lectio, meditatio, oratio e contemplatio.
São textos pequenos, destinados a provocar a conversa
entre os participantes de um grupo de estudos. Apresento-os, a seguir.

 

 

A leitura bíblica não é uma leitura comum. Esta afirmação se deve ao fato de que, ao nos acercarmos do texto bíblico, levamos para ele muito de nós, seja em termos de pré-concepções sobre o fenômeno que essa relação estabelece, seja sobre a forma de proceder a leitura em si. Explico, a seguir.

A leitura bíblica, quando feita como se lêssemos um romance, um livro de história ou um livro de histórias, terminará por nos fornecer informações dessa mesma natureza. Ou seja, embora haja uma grande riqueza no que ela pode nos trazer, nada nos acrescenta naquilo que poderíamos chamar de “divino”. Assim, se nos acercamos do texto bíblico com esse tipo de curiosidade, teremos muito da nossa expectativa satisfeita apenas nesse âmbito. Teremos lido mais um livro. Um grande e complexo livro.

Se “o que de nós” levamos para essa leitura é curiosidade quanto ao mistério eventualmente nela oculto, estabeleceremos uma atividade mental de índole “perceptiva”, ou investigativa, quanto ao oculto, a códigos eventualmente existentes, a palavras secretas, a fatos e ocorrências sobrenaturais. E a Bíblia, certamente, nos saciará dessas coisas, ao nos mostrar cenas de anjos, demônios, gigantes, referências incompreensíveis, anátemas, profecias, códigos e coisas assim. E ainda poderá nos provocar com expressões tais como: “quem tem ouvidos, ouça”, e “aquele que tem entendimento decifre”.

Assim será para abordagens genealógicas, geográficas, arqueológicas, místicas, culturais, esotéricas etc. Sim, a Bíblia pode nos ensinar muito sobre essas coisas.

Já nossas pré-concepções sobre o fenômeno que ocorre no momento em que nos debruçamos sobre o texto bíblico também podem afetar nossa leitura. Se entendemos, por exemplo, que o texto tem “o poder”, em si, de nos comunicar “o que ele contém” (uma forma de entender a palavra “revelação”), pode ocorrer que ele funcione como aquela caixinha de promessas, em que o verso bíblico, no modelo horóscopo, nos traz informações até aqui insuspeitas ou ocultas. Ou como o livro mágico encontrado numa pirâmide que, ao ser aberto, libera seu conteúdo holográfico.

Ocorre que, muitas vezes, isso que levamos para a leitura bíblica nos é inconsciente. Como, então, saber que nos aproximamos dela da forma correta? Acho que esse problema faz parte de nós, da nossa psicologia, da nossa personalidade. Entretanto, proponho um caminho em que ele se torne menor, talvez até inofensivo, de modo que a leitura bíblica alcance os efeitos desejados. E a primeira coisa a fazer é definir que efeitos desejados são esses.

O que devemos desejar, ao nos debruçar sobre as escrituras? Que Deus nos fale pessoalmente. Que nos fale de si mesmo, tendo em vista a nossas relações com ele mesmo e com nosso próximo. Uma típica “DR”. De tal modo que a leitura devocional seja também uma leitura da minha vida. Devemos, inclusive, iniciar nossa leitura debaixo dessa oração: “Senhor, fale comigo”. Nesse momento, todos aqueles processos anteriormente comentados poderão ser utilizados por ele para produzir em nossos corações aquela consciência que ele deseja nos trazer, pelo “ouvir” a sua Palavra.

Uma grande diferença entre a leitura comum e a lectio divinaé que, crendo que “Deus nos fala por meio da sua Palavra”, podemos assumir a postura de quem ouve; decidir que ali, naquela passagem, pode surgir o momento em que, por meio do Espírito Santo, ouvirei a voz de Deus, falando para mim, para o meu coração (e não para outrem), as coisas que, em mim, trarão vida nova, renovação. Seja por meio de exortação, repreensão, consolo, confirmação, aprovação ou demonstração de amor.

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