PascoaEste ano a Páscoa vai ser diferente para os brasileiros. Quando você ler essa frase, pode ser que ela já tenha ocorrido, porque escrevo na quinta-feira de Páscoa.

Escrevo num momento de grande tensão, em todo o país. Nas ruas e nas praças se revezam multidões de cidadãos contra e a favor do governo. O número é crescente, contados aos milhares e, em alguns episódios, milhões. Os jornais trazem notícias inquietantes sobre prisões de empresários, políticos e autoridades, até aqui insuspeitas; falam de delações premiadas explosivas; de grampos telefônicos, de ataques verbais ao STF e a seus juízes; de julgamentos na Câmara dos Deputados; de propinas milionárias; de repatriação de bilhões roubados das estatais brasileiras; de prisões no Brasil e no exterior; de impeachment da presidente da República, e muitos outros.

Na Internet, o ambiente de confrontação pública de forças políticas abre espaço para boatos os mais sinistros. Chega-se a anunciar iminente golpe de estado, seguido da invasão do país por forças estrangeiras. Diz-se, em “posts” de autoria duvidosa, que haja quem esteja prestes a botar fogo no país. E o povo, atônito, já não sabe no que acreditar. Mas, com a facilidade de comunicação existente, passa a reenviar tais mensagens, tornando-as quase verdadeiras.

O país vive crise econômica e política. Quebradeira nas empresas, desemprego em alta, imprensa faturando com os escândalos. Clima propício para o surgimento de salvadores da pátria.

Nesse momento inquietante, percebemos que estamos na quinta-feira de Páscoa.

Há milhares de anos, o povo de Deus viveu um drama parecido; o drama dos dias turbulentos que antecederam sua saída do Egito. Naqueles dias, muitas pragas assolavam o reino, ferindo egípcios e israelitas.

Há dois mil anos, Jesus celebraria essa data com seus discípulos, para ser preso em seguida e, num julgamento viciado, ver-se condenado à morte. Nesta quinta-feira, ele celebrou a sua páscoa, trazendo para o momento um novo significado, uma nova aliança, no seu sangue.

Este ano, a cerimônia do lava-pés, inaugurada por Jesus e relembrada em muitas igrejas cristãs, certamente incluirá um momento de oração pela pátria e pelas autoridades. Independentemente de coloração política ou partidária. Será momento de contrição e arrependimento, quando se depositarão aos pés da cruz razões e convicções ideológicas e cada um se verá como povo brasileiro e se irmanará em família: filhos de um mesmo Deus e pai de todos. Porque aos pés da cruz somos todos por Deus “encerrados na desobediência, a fim de usar de misericórdia para com todos”.

No momento do “sacrifício da Páscoa”, convém que as disputas cessem, que as diferenças desapareçam, que as distâncias se encurtem e que as pontes da fraternidade se lancem. À sombra da imensidão daquele gesto de reconciliação, gregos e judeus fazem-se irmãos.

Entretanto, ainda assim, haverá um misto de fé e sobressalto em cada coração. Como quando se comiam os pães asmos, em segurança, ao tempo em que se ouviam os gritos de dor nas casas egípcias; em muitos casos, vizinhos queridos. Como quando se ouviu Jesus dizer a Judas, enigmaticamente, que se apressasse a fazer o que tinha que fazer. E este deixou a ceia com um semblante sombrio.

Sim, esta Páscoa será especial para a igreja cristã brasileira, porque o ambiente remete ao momento das duas últimas pragas. Entretanto, é inevitável considerar, também, que nas duas ocorrências lembradas, esse momento de trevas precedeu a libertação. Da “casa da servidão”, na primeira, e da morte, na segunda. Em ambos os casos, o Senhor ouviu o clamor do seu povo e o libertou do jugo que lhe esfolava o lombo.

Essa consciência de que “Israel é meu filho” não deve perder-se em nossos corações. Muito menos a afirmação de que “este é o meu filho amado”. Não para nossa soberba, mas para que não percamos a paz que ele veio trazer. Uma paz que o mundo não pode dar, mas que também não pode tirar.

É tempo, sim, de contrição e arrependimento. Este é o modo de viver o presente momento nacional. É tempo de Páscoa; de crer no evangelho. É tempo de crer num Deus que comanda a história, para conduzi-la a um “eis que tudo era muito bom”. E que nos diz, por meio do seu Filho: “não se turbe o vosso coração, nem se atemorize” (Jo 14:27).

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