Entrei no carro e não liguei o rádio, como de costume. Na verdade, nem liguei o carro. O tempo era de silêncio.

Paradoxalmente, tudo fervilhava à minha volta, com aquela imensidão de pessoas que saíam da festa. Uma festa que eu presenciei tantas vezes: o reinício das atividades legislativas do Senado Federal. Hoje, inaugurando-se a 54ª Legislatura.

Muita gente jovem, de roupa nova, olhos brilhantes e máquina fotográfica em punho. Parentes e amigos de antigos e novos senadores da República, a lotar os corredores do Senado; curiosos e emocionados.

Chegando à minha sala, após o almoço, encontrei-a abarrotada de alegres colegas consultores, falando alto. Estavam em volta de uma tela de computador, que transmitia a eleição para a presidência do Senado. Concorriam o imortal José Sarney (PMDB-AP) e o novato Randolfe Rodrigues (PSOL-AP). Sarney ganhou por 70 votos a 8 (com um voto nulo e dois em branco).

Talvez por esse motivo meus colegas não se deram conta de que aquele era meu último expediente. Como tiro uma licença, agora, e depois emendo com a aposentadoria, nada constou no Boletim Administrativo. O ato que me aposentará oficialmente só será publicado nas próximas semanas. Mas eu já estarei fora de atividade.

Saí, como de costume, e fui para o estacionamento. Entrei no carro e não liguei o rádio. Fiquei ali, parado. E pensei: “terminei”. Resolvi que era apropriado fazer uma oração. O que dizer, nessa hora? Bem, não foi difícil: comecei com ações de graças — e não consegui mais parar. Bastou começar a “contar as muitas bênçãos” e não tinha mais fim. Fiquei, ali, orando de olhos abertos, e repassando a presença de Deus nestes últimos trinta e tantos anos de trabalho. Terminadas as ações de graças, nada mais havia a dizer. Estava de bom tamanho. Pedir? Não, não era hora.

Liguei o carro (mas não o rádio) e fui para casa ainda em silêncio. Nada de tristeza. Nem de alegria, do tipo: “u-huuuu! ” Talvez um silêncio de quem deseja observar bem os detalhes do que estava acontecendo. Sim, olhando bem. Ouvindo bem. Prestando atenção.  Afinal, a vida não acabou. Há tanta coisa para fazer. Coisas boas de fazer; coisas que eu gosto; que faço brincando.

Por falar nisso, no caminho para casa me ocorreu um pensamento: gozado, quando eu nasci, só o que eu queria era brincar. Passei meus primeiros anos aprendendo a arte. E até que me saí bem nisso. Mas vieram os compromissos; a “preparação para a vida”. Cada vez mais sérios e envolventes. Estudos, igreja, música, amigos etc. E o tempo para brincar foi sendo tomado por coisas mais importantes. Veio a vida profissional e as brincadeiras viraram lazer. O menino ainda estava lá, tentando sobreviver. Mas lazer não é a mesma coisa; é muito planejado. Então, quem sabe a gente aprende a brincar de trabalhar? A brincar de fazer reunião de oração; a brincar de fazer sermões, de dar aula bíblica, de participar de reuniões do condomínio… Acho que não fui muito bem nisso. Essa brincadeira se pareceu com os jogos amistosos da seleção: é amistoso até a primeira falta. Daí em diante, é pra ganhar.

Mas hoje à tarde, quando entrei no carro, pensei que cheguei ao fim dos compromissos obrigatórios de preparação para a vida. Pronto, agora — me diz a vida —, você pode brincar à vontade. Está liberado para fazer o que você sempre quis. E eu penso, enquanto dirijo: será que consigo?

  1. Na minha maneira de pensar as coisas são mais ou menos assim: Nascemos e nos tornamos crianças, aí, com toda a propriedade brincamos! Mais tarde, surgem os estudos, namoros, noivado, casamento… as brincadeiras perdem espaço. Aí nascem os filhos e então uma nova licença para brincar, afinal, naquele carrinho bate-bate quem está se divertindo mais? O pai ou o filho em berros assustado com as batidas e o pai dizendo: – filho, olha que legal?! E os brinquedos? Ah!… aqueles que sempre quisemos ter e não pudemos por um motivo ou outro! Estes sim! Agora chegou a hora! Mas, os filhos crescem, vão estudar, namorar… bem, que pena! E agora? Deus, na sua sabedoria nos dá netos! Iuupppiii!!! Agora, ainda por cima a gente tem mais tempo para brincar e lá vamos nós de novo!!!
    Bem, Estevâo e Ana, pegaram a dica?! (rs rs rs!)
    Beijos!
    Seu mano!

  2. Professor Rubens,
    Ao ler sua crônica de despedida do expediente no Senado, lembrei-me dos muitos que se “aposentam” e nem assim conseguem brincar, pois precisam continuar a trabalhar. Não pretendo estragar sua celebração. Pelo contrário, há mesmo muitos motivos de ação de graças em mais esta benção. Espero que brincando o irmão consiga contribuir para, de algum modo, promover a justiça também aí no descanso do guerreiro.
    Shalom Adonai!
    Adauto.

  3. Adorei o texto. Mesmo que pudesse sobreviver com os rendimentos generosos do INSS, hoje, com meu tipo de atividade, me divirto muito e me realizo com o desenvolvimento de produtos que espero que durem mais que meus próximos 64 anos de vida.

    Para garantir bricadeiras suplementares em dobro, sigo as dicas do Daniel e, além dos três netos, a nova caçula hoje completa 12 dias de idade.

  4. Às vezes penso que esse é o momento em que vou saber de fato quem sou e do que gosto de brincar.
    O momento da liberdade como nunca pode ser desfrutada antes. As reuniões, as exigências, as metas a ser cumpridas, a rotina.
    Agora você pode escolher de fato do quer brincar.
    Oro para que você escolha bem.
    Marcio

  5. Nunca fiz qualquer recolhimento para aposentadoria. Nem aposentado sou. E não me arrependo de nada. Poderia ser, na minha idade, aposentado. Nunca acreditei no sistema e acho-o realmente coisa de Alemanha Oriental. Gosto do sistema americano: ganhou, leva, perdeu, dança. A ‘melhor’ (no paraíso chamado Brasil) aposentadoria do mundo (noves-fora a de funcionário público, que eu acho imoral por qualquer ângulo que se vê a coisa) é investir em imóveis, ações, negócios que geram renda e riqueza, etc. Isso sim, faz uma nação próspera.

  6. Estou quase lá, no final do ano/nov, é a minha vez. Não quero viver o silêncio do aposentado, nem aposentar a vida. Quem sabe soltar pipas com os netos ou alimentar os peixes, ser últil de alguma maneira ao próximo, brincar com a alma. Levar a sério apenas o essencial, o resto se der.

  7. Rubem, Querido pai, irmão, amigo!
    Depois de mais esta linda reflexão, muito tenho muito a pensar e pouco a dizer-lhe. Apenas juntar-me a você e Angela para darmos Graças ao Nosso Bom Pai por este caminho tão longo e vitorioso, apesar de difícil muitas vezes, não tenho dúvidas… Presenciei alguns. Mas afinal, parabéns, mil parabéns! Você trabalhou muito! Dedicou-se muito também! Foi zeloso e competente! Cumpriu com diligência e prestatividade cada dia que O Senhor o colocou ali! Vá brincar agora, amigo. Se você conseguir. E, divirta-se! Muito!
    Eu, por enquanto, não consigo parar nem para brincar com os netos que O Senhor já me concedeu… Quanto mais chutar pedrinhas… Grande abraço! Adélia Marise Monti

    • Querida Adélia: Chutar pedrinhas é alvo para poucos, não? Sabe aquela criança solta, de repente, em um parquinho novo? Pois é, ainda estou só olhando em volta. Rapidinho, eu saio em disparada. É só escolher qual será a brincadeira. 🙂
      Muito obrigado.

  8. Querido Rubem: nunca pensei q voc estivesse tão perto da aposentadoria; achava que a “velha” da IPP era só eu. Mas q bom! Fico feliz por você poder dizer como Paulo: “Combati o bom combate …”. Brinque meu irmão, brinque bastante. Isso é bom pra alma, pro corpo, pra tudo. Mas cuide-se. Nada radical, viu? (Rssss), pensando em você, isto é ótimo! Nesta fase, descobri q a brincadeira principal chama-se: cuidar da saúde. Espero q voc ñ tenha q visitar logo tdos os “istas” q já inventaram: ortopedista, urologista, e por aí vai….Parabéns! E pra frente e para o alto! E nada de apressar os seus meninos, viu? Deixe-os “brincarem” um pouco mais(ehehehe!) Bjão da irmã em Cristo.Nira

  9. Sempre gostei de ler seus textos na revista Ultimatum. E a leitura de hoje levou-me a 14 meses atrás quando também me aposentei do Senado. Lembro-me o dia, 10/12/2009, saí leve (quase saltitante), com aquela sensação de “consegui chegar até aqui” e glorificando a Deus. Não fiquei em silêncio, louvei e glorifiquei durante todo o trajeto até minha casa, agradecendo a Deus por ter completado mais uma etapa.
    Não fiquei parada um só dia pois a obra do Senhor é grande e poucos são os obreiros. Estou aposentada mas não desocupada.
    Como servo do Senhor seus passos serão direcionados por Ele (inclusive as brincadeiras… rsrsrs).
    Deus te abençoe nos novos desafios.

  10. Olá Rubem!
    Como sempre, sua prosa é sempre boa! Tento imaginar o que você está sentido agora, mas penso que este será um momento muito rico onde poderá exercer todo seu potencial (e tempo também!) no que você gosta de fazer, e faz muito bem: compor e escrever! Que venham novas canções e novos textos!
    Deus o abençoe nessa nova fase de vida.
    Abraços,
    Vânia.

  11. Rubem, você é um abençoado, por se aposentar tão cheio de vida e de saúde. Dinâmico como é, não creio que vá parar. Principalmente de brincar! Brincar com a vida, com os dias, com os netos com as coissa… apreciar a beleza de tudo em volta, sem a pressa dos compromissos. Parabéns pelo fim de tão virtuoso ciclo e pelo começo dessa nova etapa, que certamente, para você, será tão intensa quanto a anterior. O que eu mais te desejo? Saúde!!! Mensal, física e espirital. Que Deus continue te abençoando e abençoando outros através de ti.
    Abraços, Faustino.

  12. É muito bom este tempo, mas eu curto ele um pouco mais, pois eu entro nas escolas, nas igrejas, nas ruas e praças e tenho centenas de crianças para poder retomar este direito de voltar a ser criança e brincar a vontade. A graça de viver a vida do jeito que ela deve ser vivida é sempre a melhor maneira de viver e fazer as coisas.

  13. Nunca conversamos, nem fomos apresentados. Acho que lhe devo minimamente uma satisfação porque lhe escrevo. Primeiro para lhe parabenizar pela aposentadoria. Segundo, pelo texto. O seu silêncio é profundamente significativo e ecoa mais forte que o brado de muitas vozes. Terceiro, porque após + de 15 anos como assinante da Ultimato, me tornei um leitor assíduo do “Ponto final”.
    Estive no Ultimato – 40 anos e escutei impactado sua fala na mesa em que participou. Derramei lagrimas!
    Num mundo tão barulhento em que as coisas não fazem mais sentido e as pessoas falam desesperadamente sobre coisa nenhuma, o silêncio é como o alívio de muitas cargas.
    Bom,… acho que eu deveria lhe desejar alguma coisa para encerrar o texto … mas não sei o que desejar. Bem, . . . continuarei lendo o seu blog.

    • Prezado Alberto. Ao ler seu comentário, tenho a certeza de que me basta tê-lo por perto, ainda que silenciosamente. Não é preciso saber o que desejar; apenas continue por perto. Para mim, já está de ótimo tamanho. Obrigado. 🙂

  14. Até lá, quando enfim chegar a minha vez, quisera eu meu caro amigo, quantas experiências, quanta vida, quantas histórias enriquecidas. Isso me faz lembrar quando eu era criança, gostava muito de ficar em uma pequena Praça do edifício onde morava, conversando com os mais velhos, era engraçado, porque eu até me arrumava como adulto e bebia de todas as suas incríveis histórias da vida. Oh, Saudades! Ainda hoje me sinto assim, sedenta de aprender com aqueles que estão mais além e que podem me ajudar a escapar de muitas armadilhar da vida. Quanta riqueza de conhecimento você conquistou, quanta história, quanta vida. Compartilhe e compartilhe. Impulsione outros a buscar um Cristianismo mais Prático. Contagie os mais jovens, ajude-os a viver melhor! 😉

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