Você se lembra dos tempos de colégio? Tipo primeiro grau? A época que eu mais gostava dessa fase infantil era o finzinho de novembro, início de dezembro. Mas não era por causa do Natal, não. Era por causa da escola.

Nesse período, a gente já sabia se havia passado de ano ou não. Quando estava pendurado em alguma matéria era um sufoco. Mas quando a gente chegava ao final do ano já com as notas garantidas, “passado”, era uma delícia. Era uma delícia ir à escola.
Sim, a gente ia com uma leveza, com uma satisfação imensa. Alguns colegas, ainda pendurados, chegavam cheios de livros e cadernos (sem falar em régua, compasso, lápis e borracha), ansiosos para tirar dúvidas com a professora. Mas os “passados” podiam se dar ao luxo de esquecer cadernos e livros, concentrando-se no mais importante: o recreio.

Havia dias, nesse período, em que mamãe deixava a gente matar aula para ir à praia. Claro, quando a gente estava passado. Mas a sensação que quero descrever, aqui, é mais perceptível na lembrança dos dias em que ainda íamos à aula. Quando entrávamos em férias o clima mudava e a sensação também. Não era a mesma coisa. O que ficou marcado em minha memória foram esses poucos dias de aula sem aulas; de professora sem professora; de matéria — para os coleguinhas pendurados.

De repente, passados tantos anos, me vejo indo trabalhar tomado pelo mesmo sentimento. O que é isso que estou sentindo? Pensei um pouco e logo identifiquei o sentimento de “aluno passado”. Olho à minha volta e vejo os colegas mais jovens correndo, lutando, planejando, tirando atrasos, brigando com o chefe, pedindo aumento, fazendo cursos de capacitação e tantas outras coisas comuns ao cotidiano de qualquer trabalhador que deseje “vencer na vida”. Claro, isso ainda faz parte do meu dia-a-dia. Ainda “dou expediente”, exatamente como todos os outros. Mas eis que surge um novo, todavia antigo, sentimento lá dentro: eu estou passado. Talvez por estarmos no fim do ano, e minha aposentadoria estar planejada para o início do ano que vem. E eu vou para o trabalho como ia para a escola, naqueles velhos tempos. Naquele tempo, eu ia de bicicleta para a escola pública do bairro; hoje dirijo meu carro. Afinal, passei de ano.

Já tenho tempo para a aposentadoria integral. Cumpri todos os requisitos das emendas constitucionais que atrasaram esse momento em alguns anos. Uma do FHC e outra do Lula. Mas o tempo passou e agora não tenho mais expectativa de direito; tenho direito adquirido à aposentadoria integral. Cumpri todas as regras de transição que me colocaram no caminho. Foi como se, nos metros finais de uma maratona, a organização da prova tivesse armado aqueles cavaletes dos cem metros com barreiras. Mas, bem ou mal, pulei as barreiras e agora o “fim do ano” está aí, e já sinto o cheirinho de praia.

É interessante pensar que esse sentimento esteve sumido por muitos anos. Na faculdade ele já não existia mais. Por certo, chegávamos ao fim do ano e entrávamos em férias; mas já não era a mesma coisa. Continuávamos estudando ou pensando no futuro, planejando, fazendo cursos de verão, trabalhando para pagar os estudos etc. Com isso, o verão ficou curtinho. Já não durava aquela eternidade.

Lembro-me de que, nos tempos de escola, era possível se esquecer do próximo ano letivo, das matérias novas que teríamos de enfrentar, dos desafios, dos novos colegas e professores etc. Essas coisas desagradáveis estavam tão longe que era possível viver muito tempo sem sequer lembrar de sua existência. Era muito gostoso ir às aulas passado, sabendo que, à frente, existia uma eternidade de alegrias, chamada de férias.

Será que agora conseguirei esquecer que a vida continua? Será que conseguirei gozar esse momento de aluno passado, que está prestes a entrar de férias, sem nenhuma preocupação com o semestre que vem? Queira Deus. O “próximo semestre”, lembro-me bem, quando era evocado por um adulto sem graça, apagava todo aquele sentimento. Era como acordar de um sonho gostoso.

Fico pensando se, quando chegar perto da hora de minha entrada no descanso de Deus, voltarei a experimentar esse mesmo sentimento; essa mesma alegria de ainda estar trabalhando, mas já estar passado.

Se daqui a alguns anos a sensação voltar, saberei que quando ela me visitou pela primeira vez, não passava de sombra de coisas superiores e futuras. Mas essa já é outra conversa.

  1. Que maravilha de reflexão, estou passado, não como você, mas passado por causa das lembranças, olha que só tenho 35 anos, mas passeio pelas mesmas experiências de final de ano, tanto do aluno passado como do que ficará para recuperação. Minha única preocupação agora é se vamos ficar sem suas mensagens? Um grande abraço e parabéns por ter passado!

  2. Caro Rubens,

    Minha situação é bem parecida com a sua. Minhas férias escolares (aposentadoria) esta agendada para novembro/2011. Trabalho desde criança e agora chegou a minha vez. Aposentadoria integral depois de ter cumprido todas as exigências constitucionais.
    Estou apreensivo, o que vou fazer ? arrastar o chinelo da sala para a cozinha ? assitir todas as programações da sessão da tarde na tv ? cuidar dos netos ?. Ainda não sei, vou ocupar-me de alguma coisa produtiva sem muito compromisso. Lembrado-me de Ec.3:3 ” TUDO tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.” Portanto, é o meu tempo dado por Deus, aposentado mas vivo, preciso de sabedoria para vive-lo e gozá-lo.

    Abraço.

  3. Que bom, Rubem, que depois das suas “férias do trabalho”, vc terá bastante tempo para escrever, ler e meditar as coisas lindas que o Senhor tem colocado em seu coração nesses anos todos.
    Felizes somo nós, que, com certeza, desfrutaremos de seus artigos, de seus ensinamentos, e de suas experiências de vida, os quais serão um deleite uma lição de vida para nós!
    Deus te abençoe muito com toda a sorte de bênçãos.
    Amo seus artigos, seus escritos e eles refrigeram a minha alma. Já lhe disse – é um excelente escritor!!
    Conte com o nosso auditório! Abraços.

  4. Rubem, amigão, ainda bem que vc está “passado” no sentido gostoso e escolar. Longe de vc estar “passado” como a uva (rsrs). Nada disso! Parabéns pela carreira guardada de maneira fiel, que agora continua com outra face. pergunto: posso publicar o artigo, com as devidas fontes e direitos citados, em nosso boletim de domingo que vem da Igreja Presbiteriana de Viçosa? Penso em fazer uma CRIATIVA E EXCELENTE homenagem aos nossos pré e aposentados. O que diz. Um abração, Jony

  5. Oi, mano!
    Eu sei bem como é este sentimento… afinal… eu estava lá!
    Realmente “estar passado” era uma ótima sensação. Melhor que esta somente aquele “… bem está servo bom e fiel, foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei, entra no gozo do teu Senhor!” que certamente iremos ouvir um dia. Esta será uma férias bem melhor que aquelas nossas cheias de barco a remo, pescarias, pular do tronco, da pedra da Onça, apostar pique dentro dágua, nadar até a Ilha Rasa, pegar peixe das bombas soltadas pelos pescadores, pescar mamareis da areia e os fazer saltar e cair na areia para os pegar com as mãos, ficar bravo com os baiacús que sempre roubavam as iscas e ficavam fazendo aquele barulhinho que ouço na memória e se enchendo até ficar uma bola, se deliciar pescando as corvinas com água na cintura e caniço (que não cabiam na frigideira de tão grandes quando descobrimos que quanto maior a isca de camarão, maior eram as corvinas), sair da praia tremendo nos dias de frio após horas pescando e comer aquela broa de milho quentinha com manteiga escorrendo na padaria da esquina e tantas outras coisas que um dia saudoso fizemos!
    Fique tranquilo, temos muitas coisas a fazer. Eu já passei e continuo trabalhando, só que agora é “por esporte”. Quase faço só o que gosto.
    Bom recordar… foi bom viver e vamos continuar fazendo coisas que irão deixar este “cheiro gostoso” no ar!
    Alguém mencionou cuidar dos netos nestes comentários… olha, tenho 3 e posso dizer, é o alvará para você poder voltar a fazer tudo aquilo que fazia quando criança e, ao mesmo tempo, passar estes valores (que hoje temos consolidados) a eles! Uma delícia!
    Um abraço digital, como você mesmo diz, de seu mano que o ama!

  6. Rubão,
    Que delícia me lembrar dessa época! O Colégio Estadual, as ruas de areia até lá, a bicicleta velha, a praia durante as aulas, às vezes, nesses dias de passado… Que bom que você está sentido essas coisas boas! Aproveite os dias de verão sem deixar nada estragar tempos tão gostosos!

    • Ôpa Ii! A família resolveu comparecer!? E nem é meu aniversário! Brigadim, Cordélia, por embarcar comigo e com o Daniel, nessa viagem. Pois é, a bicicleta era velha, mas estava em perfeito estado de funcionamento, hehehe.

  7. Mestre, viajei com você. Voltei à adolescência da vida escolar, mas também à adolescência da vida com Jesus. Com ele, e nele, eu entrei no “já passei” e aguardo o descanço eterno!
    Interessante, como mulher não me causou nenhuma interrogação o aposentar-me! pelo contrário, quando descobri que ainda me faltavam 3 anos, fui me arrastando atrás do relógio do Banco e do tempo, e quando, finalmente “passei”, então comecei a ver o mundo fora dele. E foi, e está sendo, muito, muito bom.
    O Senhor é seu Pastor, nada lhe faltará.
    Parabéns

  8. Já que a família Amorese está participando…

    Pai querido,
    Seus textos são uma delícia! Este em especial. Nunca economize na tinta da caneta. Melhor, não dê folga ao teclado (mais adequado a uma pessoa ligada na tecnologia como você)! 😉 Adorei a participação nostálgica dos Amorese tb! Dá uma saudade de todo mundo… Enfim, tudo uma delícia! Não pare!
    Amo vc!

  9. Querido primo,
    que sensação agradável a que você tão bem narrou. Pro meu caso, ainda faltam uns 5 anos para a aposentadoria. Mas, voltando às boas lembranças, você sempre foi uma preciosa referência de “irmão mais velho” para mim. Foi assim com o violão, um estímulo precioso para que eu me exercitasse e aprendesse a tocar este instrumento também; foi assim com o canto, quando tive oportunidade de participar do madrigal que você formou na UMP da Presbiteriana do Cocotá, na Ilha do Governador; foi assim, também, no interesse pelo estudo e exegese da Palavra, nos estudos familiares em que pude participar já aqui em Brasília, na sua casa. Primo, louvo a Deus pela tua vida e exemplo cristão que és, tendo a certeza de que é só mais uma etapa vencida, havendo outras que muitas alegrias te trarão. Grande abraço do “brimo” Romeu

  10. Rubem, que viagem no tempo! E para que lê é impossível permanecer no tempo presente por estes breves minutos. Voce foi preciso! Meu tempo de “aluna passada” também está próximo. A partir de 2011 ele chegará lentamente, na forma de um ano de licença especial! E depois, finalmente, o certificado de “professora/aluna passada”! Somente em parte… na outra matrícula ainda continuarei com os meus aprendentes pequeninos. A boniteza da vida de ser professor é descobrir que, mesmo sem ter esta tal pretensão, deixamos histórias e marcas em tantos corações, e… também trazemos o nosso coração repleto de outras tantas histórias e marcas.
    No mais, fica uma gostosa sensação de missão cumprida. E com muita alegria no coração! Não tem como ser diferente quando fazemos algo que amamos.
    Alguém aí falou da Pedra da Onça… Trabalho numa escola próxima e sempre levo meus pequenos até lá. Vamos a pé, apreciando o visual da Baía de Guanabara, com as montanhas ao fundo (Brasília não tem montanha), conto a eles sobre a lenda da Pedra da Onça e depois retornamos.
    Abs.

    • Puxa, Kelita, então você conhece a Pedra da Onça? Boas lembranças! Mergulhávamos da cabeça da onça, em dias de maré muito cheia. Precisávamos de pelo menos um metro de água, para aparar a queda. E o sentimento de estar passado é bom, mesmo. Fico feliz com seu comentário. Obrigado.

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