E Saulo aprovou a morte de Estêvão. Naquele mesmo dia a igreja de Jerusalém começou a sofrer uma grande perseguição. E todos os cristãos, menos os apóstolos, foram espalhados pelas regiões da Judéia e da Samaria. Alguns homens religiosos sepultaram Estêvão e choraram muito por causa da sua morte. Porém Saulo se esforçava para acabar com a igreja. Ele ia de casa em casa, arrastava homens e mulheres e os jogava na cadeia. – Atos 8.1-3

Enquanto isso, Saulo não parava de ameaçar de morte os seguidores do Senhor Jesus. Ele foi falar com o Grande Sacerdote e pediu cartas de apresentação para as sinagogas da cidade de Damasco. Com esses documentos Saulo poderia prender e levar para Jerusalém os seguidores do Caminho do Senhor que moravam ali, tanto os homens como as mulheres. Mas na estrada de Damasco, quando Saulo já estava perto daquela cidade, de repente, uma luz que vinha do céu brilhou em volta dele. Ele caiu no chão e ouviu uma voz que dizia:— Saulo, Saulo, por que você me persegue? — Quem é o senhor? — perguntou ele. A voz respondeu:— Eu sou Jesus, aquele que você persegue. Mas levante- se, entre na cidade, e ali dirão a você o que deve fazer. – Atos 9.1-6

Saulo era um judeu modelo, um fiel piedoso em quem ninguém poderia botar defeito. Também lemos no Novo Testamento a respeito de outras pessoas de grande piedade, cada um do seu jeito: o fariseus Nicodemos; Zacarias e Isabel, pais de João Batista; Simeão e a profetisa Ana. Saulo exerceu a sua piedade através da sua dedicação ao estudo e à obediência às Escrituras. Paulo levava a sério a sua dedicação às Escrituras. Conhecê-la sem praticá-la era simplesmente incompreensível para este fariseus dos fariseus. Praticava mesmo, até os mínimos detalhes. Tanto que, mais que 30 anos depois da sua conversão, ele pode olhar para trás e considerar a sua dedicação à piedade como uma vida “irrepreensível” (Fp 3.6).

O apóstolo Paulo era o maior missionário que o mundo jamais conheceu e o teólogo mais importante de toda a história do cristianismo. Nesta reflexão quero enfatizar um aspecto da sua vida que quase ninguém menciona ou percebe: o desenvolvimento da sua salvação. Para muitos evangélicos esta é uma ideia estranha. Pois geralmente se pensa que Paulo se converteu de vez, por meio de uma transformação radical. Ficou literalmente cego e depois voltou a enxergar. De perseguidor assíduo da igreja se transformou em um dos seus maiores defensores e propagadores. E tudo isto é verdade. Mesmo assim, é possível observar o desenvolvimento da sua salvação. Afinal, a expressão, “desenvolver” ou “completar” a salvação, vem dele próprio:

Continuem trabalhando com respeito e temor a Deus para completar a salvação de vocês. Pois Deus está sempre agindo em vocês para que obedeçam à vontade dele, tanto no pensamento como nas ações. (Fp 2.12-13, NTLH)

Como isso acontecia na vida de Paulo? Vamos ver isto em quatro passos ou quatro fases. Não que a vida cristão ou o “processo” da nossa salvação tem necessariamente quatro fases. Apenas que é possível identificar pelo menos quatro na vida de Paulo. Provavelmente havia mais. Pois há uma lacuna de cerca de 20 anos no nosso conhecimento da vida dele entre a sua conversão e quando começou a escrever as suas cartas. Vejas as fases que conseguimos identificar…

A fase INICIAL da salvação
de perseguidor para propagandista

Paulo tinha cerca de 25-30 anos quando se converteu. Era entre o ano 31 a 35 d.C. Esta era a fase da sua transformação inicial. Não era uma conversão do mal para o bem, pois antes de conhecer Jesus na estrada para Damasco, Paulo já era um sujeito muito bom. Inclusive, pelos padrões do judaísmo antigo, ele não tinha falha, o que significa que ele não havia quebrado qualquer lei nas Escrituras. Em termos morais, e sei que isto é difícil acreditar, Paulo não era melhor depois da sua conversão que ele era antes. O nosso problema é que concebemos a conversão nestes termos de moralidade. E por isto, na hora do testemunho, privilegiamos mais as pessoas que tiveram uma vida mais cabeluda possível porque pensamos que isto ilustra melhor o poder de Deus. A conversão de Paulo não era assim. A transformação não era em termos de moral, mas em termos de direção e se a gente consegui reformular a ideia de conversão para uma ideia de mudança de direção, poderá entender melhor o que Deus fez para Paulo e o que Ele quer fazer para nós. Lógico, para algumas pessoas, muitas aliás, uma mudança de direção exige uma mudança radical de moralidade também. Mas este não é o ponto principal. O ponto principal é uma mudança de direção. Paulo, então Saulo, estava literalmente a caminho para Damasco para acabar com o movimento cristão. Jesus o derrubou e o colocou em um novo caminho (neste caso, o mesmo caminho geográfico) para reforçar e aumentar o movimento cristão. De perseguidor, se transformou em um dos maiores promotores da fé cristã.

E como Paulo se avaliava nesta fase? A princípio, Paulo ficou imobilizado. Mas uma vez que a ficha caiu, não havia nada que poderia detê-lo. Veja a descrição a seguir…

Ele ficou três dias sem poder ver e durante esses dias não comeu nem bebeu nada…. depois ele comeu alguma coisa e ficou forte como antes. Saulo ficou alguns dias com os seguidores de Jesus em Damasco. E começou imediatamente a anunciar Jesus nas sinagogas, dizendo:— Jesus é o Filho de Deus…. Mas as mensagens de Saulo se tornavam cada vez mais poderosas. E as provas que ele apresentava de que Jesus era o Messias eram tão fortes, que os judeus que moravam em Damasco não sabiam o que dizer. – Atos 9.9, 19-20, 22

Desta primeira fase, precisamos entender que a conversão, antes de mais nada, é uma mudança de direção, e é esta mudança de direção que possa mudar os nossos hábitos e transformar-nos em servos eficazes de Deus. Muitas pessoas pensam que precisam mudar de moral antes de se converter. Pensam que precisam largar algum vício ou que detesta ou que ama. Mas não é bem assim. Sim, precisamos nos arrepender, mas o arrependimento significa literalmente virar as costas e ir em direção contrária que andava antes. Depois disto, é preciso confiar em Jesus. É isto que significa ter fé. Ter fé é simplesmente, como criança, confiar em Jesus. Uma vez feita isto, as mudanças interiores podem e vão acontecer. Mas antes de mais nada é preciso decidir: “eu não vou mais andar na direção que estou andando agora…”

A Fase da salvação avaliada
de melhor que todos para ser escolhido

Não sabemos quanto tempo demorou, mas cerca de 15 a 18 anos depois da sua conversão, por volta do ano 48 d.C, encontramos Paulo não mais silenciado e pasmado pela sua conversão. Ele já havia passado para uma nova fase, a fase da conversão avaliada. Veja como Paulo entendia a sua conversão, especialmente o que ele era antes de conhecer Cristo, 15 a 18 anos depois.

Vocês ouviram falar de como eu costumava agir quando praticava a religião dos judeus. Sabem como eu perseguia sem dó nem piedade a Igreja de Deus e fazia tudo para destruí-la. Quando praticava essa religião, eu estava mais adiantado do que a maioria dos meus patrícios da minha idade e seguia com mais zelo do que eles as tradições dos meus antepassados. Porém Deus, na sua graça, me escolheu antes mesmo de eu nascer e me chamou para servi-lo. – Gálatas 1.13-15

Nesta segunda fase, Paulo avalia a sua herança e a sua formação anterior. Ele entendia que, quanto à religião, ele era muito bom, aliás, melhor que os outros. Ele era uma pessoa muito zelosa e continua sendo. É verdade que ele colocar um “porém” muito importante: porém Deus, na sua graça, me escolheu… Mas este porém não alterou a sua avaliação que tinha sido um seguidor piedoso de Deus, mesmo que mal direcionado. Mais tarde, cerca de 5 a 7 anos depois, isto mudou. E assim, Paulo passou para uma outra fase da sua salvação: a fase da sua salvação reconsiderada.

A Fase da salvação reconsiderada
de perfeito para o lixo

Muitos discípulos de Cristo, talvez a maioria, só Deus sabe, passam a vida toda ou na primeira ou na segunda fase da sua salvação. E não digo isto a título de crítica. Apenas, muitos não imaginam que há algo mais. Mas há, e Paulo descobriu isto quando ele reconheceu que toda aquela bondade, piedade, fidelidade e herança na fé, diante da sua caminhada dia-a-dia com Jesus, a vida cheia do Espírito, não passava de lixo. Em algum momento entre a hora que escreveu a Carta aos Gálatas e as suas Cartas aos Coríntios 5 a 7 anos depois, e a Carta aos Filipenses uns 10-12 anos depois de ter escrito a Carta aos Gálatas, Paulo reconheceu o seu devido tamanho diante de Deus e reconheceu que tudo que ele realizava antes era nada diante daquilo que Deus havia feito na sua vida. Vamos ler os textos…

De fato, eu sou o menos importante dos apóstolos e até nem mereço ser chamado de apóstolo, pois persegui a Igreja de Deus. – 1 Coríntios 15.9 (cerca de 53-55 d.C)

No passado, todas essas coisas valiam muito para mim; mas agora, por causa de Cristo, considero que não têm nenhum valor. E não somente essas coisas, mas considero tudo uma completa perda, comparado com aquilo que tem muito mais valor, isto é, conhecer completamente Cristo Jesus, o meu Senhor. Eu joguei tudo fora como se fosse lixo, a fim de poder ganhar a Cristo e estar unido com ele. – Filipenses 3.7-9a (cerca de 60 d.C)

O meu grande desejo e a minha esperança são de nunca falhar no meu dever, para que, sempre e agora ainda mais, eu tenha muita coragem. E assim, em tudo o que eu disser e fizer, tanto na vida como na morte, eu poderei levar outros a reconhecerem a grandeza de Cristo. Pois para mim viver é Cristo, e morrer é lucro. – Filipenses 1.20-21

Percebem a diferença? Na primeira fase da sua salvação, Paulo estava pasmado. Na segunda, ele reconheceu que teve boa formação e que era um sujeito bom diante de Deus antes da sua conversão, mas que estava no caminho errado. Agora, nesta terceira fase da sua salvação, 20 a 23 anos depois da sua conversão, Paulo entendeu que aquela vida anterior a Cristo que antes considerava boa, mesmo que mal direcionada, comparado com o ganho de andar com Cristo todos aqueles anos, era perda. Diante de 20 a 23 anos de caminhada com Cristo, 17.000 quilômetros de viagens missionárias à pé, a cavalo e via marítima, e com mais 7.000 por fazer antes da sua morte, diante das vitórias e dos sofrimentos, aqueles aninhos como fariseu dos fariseus diminuíram tanto que viram literalmente lixo. Será que um dia, podemos entender as nossas vidas desta forma? Será que a nossa caminhada com Cristo poderá ser tão íntima e tão produtiva que poderemos considerar a nossa vida anterior, em comparação, como lixo? É um alvo e tanto. Só que, por incrível que pareça, isto ainda não era suficiente para Paulo. Eventualmente, uns 5 anos depois, a percepção da sua vida anterior como boa em si, mas lixo em comparação com a caminhada na fé, esta percepção mudou nova e sutilmente e assim Paulo passou para uma extraordinária próxima fase da sua salvação.

A fase da salvação entregue
de vida antes de conhecer Cristo para vida de blasfemo e infiel

Nesta fase, Paulo havia esquecido que antes de conhecer Cristo, vivia uma vida boa. Esqueceu ou reavaliou radicalmente. A vida anterior não era mais boa virada lixo. Ela simplesmente deixou de ser boa. Veja como Paulo falava da sua vida anterior a Cristo…

Agradeço a Cristo Jesus, o nosso Senhor, que me tem dado forças para cumprir a minha missão. Eu lhe agradeço porque ele achou que eu era merecedor e porque me escolheu para servi-lo. Ele fez isso apesar de eu ter dito blasfêmias contra ele no passado e de o ter perseguido e insultado. Mas Deus teve misericórdia de mim, pois eu não tinha fé e por isso não sabia o que estava fazendo…. O ensinamento verdadeiro e que deve ser crido e aceito de todo o coração é este: Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o pior. Mas foi por esse mesmo motivo que Deus teve misericórdia de mim, para que Cristo Jesus pudesse mostrar toda a sua paciência comigo. E isso ficará como exemplo para todos os que, no futuro, vão crer nele e receber a vida eterna. – 1 Timóteo 1.12-13,16 (cerca de 65-66 d.C)

Percebem a diferença? Paulo não considerava mais a sua vida antes de conhecer Cristo como boa mais mal direcionada. Também não era mais boa mas virada lixo em comparação com a vida com Cristo. Muito mais que isto, ao invés de pensar na sua vida como fariseu como irrepreensível, agora Paulo fala com todas as letras: “eu não tinha fé…eu sou o maior dos pecadores”.

Conclusão

E nós? Como estaremos daqui para frente? Veja bem. Nenhuma das quatro avaliações da salvação de Paulo estava necessariamente equivocada. Não é isto. Dentro de cada etapa da sua caminhada, a avaliação estava correta. Entretanto, à medida que caminhava com Cristo, à medida que assumia a incumbência de testemunho, e à medida que pagava o preço do discipulado e sofria junto com Cristo, o passado, mesmo aquele passado bom, não só diminuía em tamanho e importância, não só virava lixo em comparação com a vida com Cristo, mas só poderia ser visto como uma vida sem fé. E em decorrência disto, Paulo somente poderia se considerar o pior dos pecadores.

Como seria a espiritualidade de cada um de nós se fóssemos pensar nas nossas vidas desta forma? E como seria a igreja diante da sociedade se tivéssemos tão espírito de humildade?

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