O ministério integral (parte 5)
Aspectos pessoais da frutificação do ministério:
Preparando-se para a videira
Uma avaliação séria do desempenho no ministério reflete o empenho dado ao preparo e ao treinamento. Tal avaliação traz bastante humildade. Isto é especialmente verdade diante da importância ministério. Quero então, começar com um estudo de caso bíblico de abandono vocacional. É o caso duma testemunha de Cristo logo no início da expansão do cristianismo. Que eu saiba, é o segundo caso de abandono. O primeiro era o caso de Judas. E o segundo é um caso não só de abandono, mas do abandono do abandono. No fim, João Marcos reverteu o seu abandono missionário. E por isso gostaria de apresentar um pouco a sua história. Conto a história como incentivo e esperança quando desanimamos com os resultados que vemos, pois na primeira e na última instância o preparo para o ministério depende da graça misericordiosa de Deus manifesta de maneiras às vezes imprevisíveis pelo Seu Espírito.
O caso de João Marcos
João Marcos, quase todos os estudiosos concordam, é o Marcos do Segundo Evangelho. Conhecemos alguma coisa a seu respeito implicitamente em Atos 12. Por exemplo, sabemos que esta pessoa bilíngüe, João Marcos, veio de uma família de certas condições, de certos recursos. Ele mesmo evidentemente estava de certo modo entrosado na sociedade romana, como indica seu nome. João é nome hebraico e Marcos, latino. E no Evangelho de Marcos aparecem uma série de palavras latinas não como nos outros evangelhos. No Evangelho de Marcos encontramos palavras como “legião”, “centurião”, “pretório”, “executor”, “quadrante”. Palavras latinas que mostram, quem sabe, até um certo orgulho cultural, o tipo de orgulho que dá arrepio para professores do evangelismo mundial que lutam em apagar o etnocentrismo latente no ser humano. Marcos era como aqueles obreiros que, ao voltarem do campo, não conseguem deixar de inserir algumas palavras, aqui e ali, da cultura de onde veio, porque ele tem uma ligação com aquilo. Ele tem certo orgulho daquilo e por mais repugnante que pode ser para quem está ouvindo, ele queria demonstra, talvez inconscientemente, a sua destreza lingüística. João Marcos evidentemente era um pouquinho assim, pois não precisava incluir aquelas palavras latinas no seu Evangelho.
Sabemos que veio de uma família importante porque em Atos 12 a igreja estava reunida na casa de sua mãe, Maria, orando a respeito de Pedro quando ele estava preso na prisão. Era importante para a comunidade cristã em Jerusalém porque quando Pedro finalmente foi solto, ele prontamente foi para esta casa. Também era uma casa grande o suficiente para acomodar toda a comunidade cristã. As escrituras dizem que a igreja toda estava reunida lá. E sabemos que a mãe de Marcos tinha pelo menos uma empregada, aquela meio doida, a Rode, que encontrou Pedro na porta e ficou tão alegre que esqueceu dele e foi anunciar a sua vinda e ainda esqueceu de voltar para abrir a porta. Estes poucos detalhes sobre a vida de Marcos mostram que ele teve uma criação social e economicamente boa, provavelmente de classe média ou até melhor. Alguns comentaristas acham que foi na sua casa que houve o famoso cenário da última ceia, naquele espaçoso cenáculo, e onde a igreja se reunia depois da ascensão de Jesus.
Provavelmente João Marcos era uma testemunha ocular da morte e ressurreição de Jesus. A Bíblia não diz isso explicitamente, mas pelo menos um terço do conteúdo do Evangelho de Marcos se concentra no relato do eventos que cercavam a morte e a ressurreição de Jesus. Eram eventos que impressionavam João Marcos.
Um outro detalhe do nosso interesse concerne a sua rejeição pelo apóstolo Paulo. Naquela mesma reunião quando Pedro saiu da prisão, Paulo e Barnabé estavam presentes e logo em seguida eles retornaram para Antioquia acompanhados pelo João Marcos. Eles levaram Marcos junto com eles para Antioquia. E no início do capítulo 13, lemos que o Espírito Santo caiu sobre a igreja e, como conseqüência disto, Paulo e Barnabé foram ungidos por Deus para começar a missão até os confins da terra. Até esta altura, o trabalho missionário se desenvolvia principalmente em Jerusalém, Judéia e Samaria. Marcos os acompanhava até Chipre como um pregador auxiliar. E atravessaram o mar para a Panfília, na província romana da Galácia. Nesta altura, Marcos resolve não continuar, deixando Paulo e Barnabé para voltar a Jerusalém. Isso foi uma grande chateação para o apóstolo Paulo que não tolerava moleza. Basta lembrar um pouco os títulos de Paulo para entender isso, pois mesmo nos seus momentos de humildade, quando ele falava de si, ele se referia a si mesmo como um “fariseu dos fariseus”, não um fariseu qualquer; da tribo de Benjamim. Também não podia ser um pecador qualquer, tinha que ser o maior dos pecadores; e o menor dos apóstolos. Estes superlativos indicavam que Paulo pode ser acusado de qualquer coisa menos moleza.
Algum tempo depois, quando Marcos tentou se redimir, Paulo recusou-se a levar Marcos novamente com ele, e o acusou de deserção. Esta é a mesma palavra usada em Lucas 8.13 para o semente que cai em solo duro que representa o entusiasmo momentâneo dos que crêem, mas na hora da provação logo desistem. Assim, Paulo pensava em João Marcos como um grande medroso. “Por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento”. Não temos certeza por que Marcos desistiu. Mas sabemos que a Panfília era uma região baixa, sujeita a epidemias de febre, e a equipe ainda teria que enfrentar uma viagem dura para chegar lá, à subida para Pisídia. Talvez o confronto emocionalmente desgastante com o bruxo Elimas em Pafros tenha abalado um pouco João Marcos. Ele estava começando a perceber o que estava envolvido neste negócio de evangelismo transcultural. Não era brincadeira. Não é qualquer um que consegue acompanhar de perto o ministério de um Paulo e dum Barnabé; expulsando demônios, curando enfermos e pregando o Evangelho com muito poder. De fato, Paulo e Barnabé iriam enfrentar grande perseguição física em Listra, e sabemos de Atos 14.19 que nesta viagem Paulo quase morreu apedrejado.
Eu acho que o desconfiômetro de Marcos estava muito bem sintonizado mesmo e ele desconfiava do que poderia acontecer. Era a hora “H” para avaliar a sua vocação. Ele calculou a despesa do desgaste emocional, físico, e espiritual, do ministério auxiliar com estes dois super-gigantes líderes, e simplesmente achou o preço alto demais.
Isto me lembra da experiência que eu tive quando tinha 20 anos e trabalhava na praia como salva-vidas. Lá passei por um processo de treinamento no salvamento marítima. A regra principal que nos ensinaram era resumido assim: “salve-se a si mesmo primeiro; antes um afogamento do que dois!”
Quem sabe, João Marcos pensava algo semelhante diante da sua situação de perigo e concluía que estava na hora de cair fora. “Pau que nasce torto, morre torto”. Será que o jovem pelado de Marcos 14.51,52 era o próprio João Marcos? A tradição antiga já muito tempo entendeu que sim. Se fosse, pode imaginar o peso do fracasso que Marcos teria sentido em Panfília quando pela segunda vez, agora, não conseguiu dar conta do desafio do discipulado e do seu chamado missionário. Ao mesmo tempo, podemos entender a preocupação de João Marcos com o custo do discipulado e a ênfase que ele dá no seu Evangelho a este assunto anos depois. Marcos felizmente não permaneceu mole até o fim. “Cada um sabe o sapato que lhe aperta,” e Marcos evidentemente reconheceu e corrigiu a sua moleza. Depois de abandonar Paulo e Barnabé, não sabemos quanto tempo ele passou em Jerusalém, mas em Atos 15 nós o encontramos mais uma vez de volta em Antioquia, mais uma vez com Paulo e Barnabé, imagino contrito, provavelmente envergonhado, mas disposto a embarcar numa viagem para aquelas mesmas regiões.
Mas Paulo, intransigente, não quis saber de Marcos. E Barnabé, por sinal seu primo conforme a Carta aos Colossenses, corajosamente arriscando a sua própria parceria com Paulo, aceitou Marcos novamente para o serviço do evangelismo, levando-o de volta para a cena do seu primeiro fracasso. Imagine Barnabé, o parente que não conseguia aceitar o fracasso do seu primo. Pegou Marcos pela mão e dizia algo assim: “vamos voltar lá, nós dois, vamos fazer a mesma coisa juntos, fique comigo, Deus vai estar conosco”. Dez ou doze anos passaram antes de nos encontrarmos com Marcos novamente no Novo Testamento. Isto é muito interessante, pois não sabemos o que aconteceu para reverter a situação de Marcos. O caminho de volta para um discipulado comprometido que cada um tem que trilhar pode variar bastante. Não há um padrão só. Dez ou doze anos depois, quando Paulo escreveu a carta aos Colossenses e para Filemon, Marcos estava presente. Está com Paulo que o chama de “colaborador” (Colossenses 4.10, Filemon 24). E depois, no final da sua carreira, logo antes da sua morte, Paulo faz o maior elogio de Marcos chamando-o de “útil para o ministério” (2 Timóteo 4.11). Ao chamar Marcos de “útil”, o apóstolo Paulo demonstrava um alto padrão de utilidade. Ele não falou com leveza, Marcos se tornara útil mesmo.
Finalmente, nós encontramos Marcos em 1 Pedro 5.13, onde Pedro o chama carinhosamente de “meu filho”, enquanto ele escreve para as igrejas do Ponto, da Galácia, da Capadócia, da Ásia e da Bitínia. Todas estas cartas foram escritas provavelmente de Roma, onde Marcos ministrou junto com Pedro e Paulo, e se tornou companheiro fiel e muito amado dos dois. Claramente Marcos havia corrigido o seu erro e o seu nome foi vindicado. Ele era conhecido também entre aquelas igrejas da Galácia e da Ásia Menor, as mesmas para quem Pedro estava escrevendo, e onde ocorria o seu primeiro fracasso. Finalmente, é importante reparar que era é este discípulo fraco e medroso, talvez como você e eu, que Deus usou para escrever o que provavelmente seja o Evangelho mais antigo do Novo Testamento, um evangelho bastante enxuto, com bastante ênfase nos eventos que cercavam a morte e a ressurreição de Cristo Jesus.
joaquim carreiro
Esta mensagem vem fortalecer para aqueles que: a missao e dura pra quem e mole. Quem e mole tem que se fortalecer na Fe: A vitoria quer vence o mundo|. Abracos. A PAZ DO SENHOR !