O ministério integral (parte 1… de 5)
Na casa dos meus pais tem uma videira plantada como muda da videira do meu bisavô. Infelizmente está abandonada há décadas. Por falta de cuidado, já voltou a produzir uvas selvagens. Dizem que é recuperável com o tratamento e podas técnicos certos. No meu quintal em Florianópolis, tenho atualmente sete mudas. A primeira produz bem porque a terra foi muito bem preparada por mim mesmo. A terra das outras mudas foram preparadas por um jardineiro, algumas, mais que uma vez. E ainda estão pegando. Todos tem boa formação e pedigree pessoal e todas necessitam tanto de boa nutrição de água, adubo e sol, e todas também necessitam dum encaminhamento técnico.
De certo modo, a nossa missão na vida é semelhante. Sempre podemos aproveitar de boa orientação técnica, mas é igualmente importante, se não mais importante o nosso preparo pessoal, interior, íntimo com Deus. Quando lemos a Bíblia, ambos os aspectos pessoais e técnicos da nossa missão são enfatizados, mas encontramos muito mais exortação na área pessoal e íntima. Muito da dimensão técnica é pressuposto, mas não tudo. Na Palavra de Deus também podemos tirar boas lições que orientam as nossas estratégias e metodologias. Estas sãos importantes para a realização da nossa tarefa, entretanto, novamente, a ênfase maior está no nosso relacionamento íntimo com Deus. Este estudo trata estas duas dimensões na esperança que possamos dar muito fruto para a glória de Deus. Vou começar reparando alguns aspectos técnicos da nossa tarefa para depois focalizar o aspecto pessoal. O primeiro estudo é mais técnico e exige uma leitura cuidadosa e ponderada. Procura nos levar além das velhas dicotomias entre o desenvolvimento numérico e o desenvolvimento qualitativo do ministério. E termina com dicas de como avaliar o empenho da sua igreja ao longo de 5 anos. O segundo estudo é mais fácil de acompanhar e procura inspirá-lo a prosseguir firme no ministério mesmo diante das “mancadas”. Vejamos…
Aspectos técnicos: A integridade e avaliação da frutificação
Nesta primeira reflexão, quero apresentar uma visão da nossa missão que abrange os diversos ministérios da igreja e ilustra a importância de um discipulado também missionário. Assim examinaremos os aspetos técnicos da nossa missão dentro da sociedade que visão transformação pessoal e social.
O estudo do desenvolvimento de igrejas pressupõe certos critérios de avaliação. Estes critérios incluem os métodos técnicos para medir (geralmente quantificar) o desenvolvimento e as dimensões do desenvolvimento a ser avaliado. Durante os últimos 30 ou 40 anos, os métodos técnicos já adquiriram um grau razoável de desenvolvimento, devido a critérios estabelecidos pela ciência da estatística. Entretanto, a mesma aceitação ainda não existe no que se refere as dimensões do desenvolvimento a serem avaliadas.
O que aconteceu durante os últimos quarenta anos é o seguinte: Nos anos 1960s, dentro dum contexto de conscientização social cada vez mais no Concílio Mundial de Igrejas, Donald McGavran procurou colocar o evangelismo e a implantação e desenvolvimento de igrejas locais como preocupação central para a missão da igreja.[1] Através disto e as escolas que McGavran fundou, surgiu um pensamento ou perspectiva de missão que chegou a ser conhecido como a perspectiva do “crescimento da igreja”. Como é bem conhecido, a sua ênfase estava no crescimento numérico. O que é bem menos conhecido é que, para McGavran e os seus discípulos, o crescimento numérico era mais que um fim em si. Também era um forte indício da saúde da igreja como as medidas numéricas de peso, e os exames quantitativos de sangue e urina são indícios da saúde do corpo humano. Mesmo assim, a perspectiva do crescimento da igreja sofreu muitas críticas e provocou um bom discurso teológico.
Por isso, nos anos 1970, um antropólogo cristão, Alan Tippett [2], que era colega do McGavran, propôs uma elaboração do conceito do crescimento da igreja. Tippett sugeriu que o desenvolvimento pode ser avaliado em três dimensões: o desenvolvimento qualitativo, o desenvolvimento quantitativo e o desenvolvimento orgânico, este último se referindo à unidade dentro do corpo de Cristo. Era uma boa melhor da perspectiva anterior e durante anos o modelo de Tippett foi divulgado e utilizado na avaliação do desempenho no desenvolvimento de ministérios. Mas houve também inquietação, especialmente da América Latina.
No final dos anos 70 e entrando na década dos 80, vários teólogos latino-americanos, como René Padilla, Samuel Escobar e Orlando Costas [3], chamaram a atenção para a falta de princípios explicitamente fundados na Bíblia para a elaboração destas dimensões do desenvolvimento da igreja. Juan Carlos Miranda falou de quatro dimensões: o desenvolvimento espiritual, o desenvolvimento corporativo, o desenvolvimento social e o desenvolvimento numérico. Somente o desenvolvimento social é uma novidade no esquema do autor e se refere tanto à apreciação da igreja pela sociedade em geral, quanto à assistência social prestada pela igreja aos seus membros. Mas entre todos os teólogos mencionados acima, Orlando Costas foi quem ofereceu sugestões mais construtivas. Ele também fala de quatro dimensões o desenvolvimento, a saber, o desenvolvimento numérico, o desenvolvimento orgânico, o desenvolvimento conceptual e o desenvolvimento diaconal. Estes dois últimos são contribuições novas e se referem respectivamente ao aprofundamento no conhecimento teológico e bíblico da fé e à “intensidade do serviço que a igreja rende como demonstração do amor concreto de Deus”. É importante distinguir entre o desenvolvimento diaconal de Costas, cujo alvo é o serviço ao mundo e o desenvolvimento social de Miranda cujo alvo é a assistência aos membros da igreja. Fora isto, Costas correlaciona três qualidades do desenvolvimento às sua quatro dimensões:
Dimensões | ||||
Qualidades | Numérico | Orgânico | Conceptual | Diaconal |
Espiritualidade | ||||
Encarnação | ||||
Fidelidade |
Estas qualidades são mais teológicas que práticas, como no caso das dimensões, e seguem a analogia da trindade. Portanto as qualidades incluem espiritualidade (a presença e operação dinâmica do Espírito Santo), encarnação (a presença histórica de Jesus na dor e nas aflições da humanidade) e fidelidade (a coerência da ação da igreja com os propósitos de Deus para o seu povo). Estas qualidades ajudam a avaliar níveis de desenvolvimento numérico, orgânico, conceptual e diaconal e assim fornecem a possibilidade de uma avaliação mais criteriosa. Desta forma, creio que Costas tenha finalmente desenvolvido a discussão de maneira positiva a respeito de critérios para avaliação do crescimento da igreja. Porém, suas quatro dimensões ainda não refletem precisamente as principais dimensões encontradas na Bíblia da atuação e crescimento da igreja.
Enquanto a sugestão de Costas representou um avanço no conceito das dimensões do ministério a serem avaliadas, ainda não houve um consenso, principalmente, ao meu ver, porque a fundamentação bíblica deste discurso nunca foi explicitada. Por isso, há cerca de 15 anos atrás eu comecei a sugerir alguns princípios bíblicos básicos para uma melhor conceituação das dimensões do desenvolvimento da igreja. O modelo era baseado principalmente nos capítulos três e quatro da Carta aos Efésios. A procura destes princípios nos escritos de Paulo provinha da sua posição na igreja primitiva como o primeiro missiólogo da igreja e o maior dos seus missionários, na Síria, na Ásia Menor e na Europa. De todas as suas cartas a Carta aos Efésios parece destinada a várias igrejas na região. E por isso, desde início teve a intenção de dar uma orientação geral para a vida e o ministério da igreja. No capítulo três de Efésios procurei demonstrar que o ministério da igreja é fundamental bidimensional. Isto é, possui uma dimensão tanto espiritual quanto social. Esta característica é preliminar à compreensão das dimensões do crescimento da igreja, que elaborei a partir de Efésios, capítulo 4.
Hoje, de modo geral, ainda mantenho estas orientações, embora, com mais reflexão e anos de experiência no ministério, entenda que fatores locais, como a cultura duma região ou e a formação sócio-cultural da comunidade específica junto com as dificuldades e vitórias que esta viveu durante a sua história, precisam ser levadas muito mais em consideração no processo de avaliação. Hoje em dia, estes fatores locais e específicos do grupo em questão são muito mais valorizados pelos cursos que focalizam o bom desenvolvimento de igrejas, por exemplo, pelas propostas do Rick Warren e Christian Schwarz [4]. Também, antes de apresentar as minhas orientações, quero enfatizar o que deveria ser óbvio, mas que sempre deve ser ressaltado: a frutificação dos nosso ministérios é muito mais resultado de dois fatores muito simples, que de técnicas e estratégias apropriadas e bíblicos. E digo isso sem querer diminuir a importância de técnicas e estratégias. Paulo certamente seguia, mesmo de modo flexível, técnicas e estratégias. Entretanto, dois fatores mais importantes ainda são o esforço coletivo do povo local de Deus e a sensibilidade à voz do Espírito. Não digo isso de modo leviano. Paulo, ao resumir todo o seu ministério em Romanos 15.18-20 (NTLH), disse, “…por meio de palavras e de ações, pelo poder de sinais e milagres e pelo poder do Espírito de Deus …. tenho me esforçado sempre para anunciar o evangelho…”. Ao mesmo tempo, Paulo teve uma clara visão do ministério e das suas diversas dimensões, como como algo rígido e muito menos mecânico, mas mesmo assim, algo que serviu de orientação para as suas igrejas e que pode servir de orientação para nós também.
(a ser continuada…)
Notas:
[1] Alguns dos principais textos do “Movimento de Crescimento da Igreja” em português incluem: MCGAVRAN, Donald, Compreendendo o crescimento da Igreja, São Paulo: SEPAL, 2001; WAGNER, C. Peter, Por que crescem os pentecostais, Edições Vida e Estratégias para o crescimento da igreja, São Paulo: SEPAL, 1991; READ, JOHNSON, e MONTEROSO, O crescimento da igreja na América Latina, São Paulo: Edições Vida Nova, 1970; MIRANDA, Juan Carlos. Manual de crescimento da igreja, São Paulo: Edições Vida Nova, 1989; GERBER, Vergil. Sua igreja precisa crescer, São Paulo: Vida Nova, 1983; READ, William. Fermento nas Massas, 1967; WAYMIRE, Bob e WAGNER, Peter. Manual de pesquisa sobre o crescimento da igreja, São Paulo: SEPAL, 1990; e KEYES, Lourenço. Crescimento equilibrado na igreja, SEPAL: São Paulo.
[2] Veja, por exemplo: TIPPETT, Alan. A palavra de Deus e o crescimento da igreja, São Paulo: Edições Vida Nova, 1970 e FULLER, Charles E. Bases Bíblicas para el Iglecrecimiento, Pasadena, CA., Instituto de Evangelismo e Iglecrecimiento, 1978.
[3] Veja, por exemplo: PADILLA, René “La unidad de la iglesia e el principio de las unidades homogéneas”, na revista Misión, nº 6 (setembro de 1983), A missão integral, São Paulo: Temática e FTL, 1992, e os artigos de COSTAS, Orlando “Origen y desarrollo del movimiento de crescimiento de la iglesia” na revista Misión, vol. 3, nº 1, (março de 1984) “La iglesia como comunidad misionera en la misionología del movimiento de Iglecrecimiento” na revista Misión, vol. 5, nº 2 (junho de 1986), “Análisis sociocultural del crecimiento en las comunidades cristianas” na revista Misión, vol. 5, nºs 3 e 4 (dezembro de 1986) e “La estrategia de Iglecrecimiento para la expansión del cristianismo” na revista Misión, vol. 6, nº 1 (março de 1987).
[4] WARREN, Rick. Uma Igreja Com Propósito. São Paulo: Vida, 1996; SCHWARZ, Christian A. O Desenvolvimento Natural da Igreja. Curitiba: Esperança, 1996. Para este último, ao invés de propor um modelo de crescimento baseado na imitação de outros modelos, propõe um modelo baseado na dedução do contexto local e aplicação para cada caso. O propósito não é tanto produzir o crescimento da igreja quanto liberar o potencial natural que Deus deu para cada situação. Schwarz também especifica oito marcas de qualidade das igrejas que crescem e que, se aplicados à prática diária da igreja, se consolidarão certamente em sucesso: 1) uma liderança capacitadora, 2) ministérios orientados pelos dons; 3) uma espiritualidade contagiante; 4) estruturas funcionais, e não por mera tradição; 5) um culto inspirador; 6) grupos familiares; 7) uma evangelização orientada para as necessidades; e 8) relacionamentos marcados pelo amor fraternal.