A medida da grandeza
Alexandre o Grande e Jesus o Ungido
Há dois tipos de líder, exemplificados por Alexandre o Grande e Jesus o ungido (em hebraico, “messias”; em grego, “cristo”). Ambos os homens deixaram um profundo impacto na cultura ocidental de modo geral e especificamente na maneira que concebemos e almejamos a grandeza e o sucesso na vida. Ambos morreram com praticamente a mesma idade e ambos geraram muitos seguidores, e isto, dentro e fora da igreja.
Quem eram estes homens? Como viveram e como morreram? Quais os seus mais íntimos valores que marcaram definitivamente a história? São modelos para seguir? Se são capazes de transformar a história do mundo são capazes ainda de transformar a sua história pessoal? Estas são algumas das perguntas que queremos considerar nestes dias de páscoa. Começamos com …
ALEXANDRE, O GRANDE
Pano de fundo. Entre 500 e 800 anos antes de Cristo, o mundo já conhecera grandes culturas. Na China, por exemplo, já havia desenvolvido a razão intelectual, a moderação diplomática, e as profundezas místicas de Tao Lao-Tsu, discípulo de Confúcio que fundou o taoismo. Na Índia esta grande época produziu grandes homens como o Guatama Búda, que reformou o caos de sistemas religiosos mais antigos do hinduísmo e nos revelou os passos para a paz e a contemplação pessoais e interiores. Na Irã, o sacerdote Zoroastro falava a sua sabedoria para os persas e outros povos antigos, que por sua vez levavam a visão zoroastriana de batalha cósmica entre o bem e o mal além das fronteiras da Mesopotâmia. Na Grécia floresceu um amor pela sabedoria por si só, con
hecido como “filosofia” e uma “política” nobre que adquiriu a nomenclatura de “democracia.” Aí também se experimentava com uma nova invenção chamada “drama”, dividida em “tragédia” e “comédia” num teatro jamais igualado. Neste lugar e neste tempo, surgiram as primeiras tentativas de escrever aquilo que os gregos chamavam de “história.” Logo foi a Grécia que mudou definitivamente instituições fundamentais da cultura ocidental, tais como a política e a escola em geral, especialmente a filosofia, como devemos ou não pensar. Também mudou nosso conceito do esporte e do entretenimento. Apesar destas grandes conquistas culturais simultaneamente em diversos lugares, tais desenvolvimentos nunca se cruzaram. Eram sempre paralelos. Alexandre o Grande seria o primeiro homem na história de possibilitar uma convergência mundial de ideias e culturas. Ele possibilitou uma primeira globalização.
Nascimento. Alexandre nasceu em julho de 346 a.C., filho de Felipe II, rei do posto grego distante da Macedônia e duma mãe que queria que ele crescesse mais importante do pai. O pai, Felipe, era ambicioso e, aos poucos, estendeu seu poder para o sul nas penínsulas gregas e para o leste nas Bálcãs para criar uma “Grécia maior,” uma unidade de política, língua, e cultura, aonde Filipe seria senhor supremo, os deuses gregos receberiam culto uniforme e os heróis da cultura grega, desde Sócrates até Heródoto, altamente estimados. O pequeno Alexandre temia apenas que o pai não deixasse nada para que ele conquistasse.
Realizações. Ainda adolescente, regeu na ausência do pai, e aos 18 anos, comandou a ala esquerda da cavalaria macedônica numa batalha em que esmagou brilhantemente o poder das cidades-Estado de Atenas, principal cidade da Grécia, e a Tebas, capital lendária de Édipo. Um ano depois, Felipe humilhou filho e mãe, tomando uma segunda esposa bem mais nova. Não é à toa que os nomes do Alexandre e a sua mãe, Olímpia, para sempre seriam associados com a conspiração por trás do assassinato selvagem do rei no primeiro ano do seu novo casamento.
Assim, aos 20 anos, Alexandre se tornou rei da Macedônia e da Liga Coríntia de estados gregos que o pai formou, e comandante dum exército de 40.000 tropas e 160 navios de guerra. Queria mesmo ir atrás do detestado e fabuloso império Persa, mas antes precisava dar uma dura lição aos tebanos, perto de casa, que começaram uma pequena rebelião. Alexandre agiu rápida e decisivamente. Simplesmente massacrou os tebanos, destruiu sua cidade e escravizou os sobreviventes. Tal crueldade irrestrita servia de lição universal e nenhuma outra cidade-Estado grega ousaria jamais perturbar o seu governo.
Levou alguns anos para Alexandre conquistar a Pérsia, mas ao fazê-lo, assumiu o título “Senhor da Ásia,” dando a entender que visava um prêmio maior ainda que a Pérsia, contemplando os terríveis guerreiros indianos. Mas antes disto, prosseguiu para o sul aonde conquistou o Egito e assumiu outro título, de “Filho de Deus,” isto é, o deus egípcio de Amon-Ra. Lá ele construiu uma cidade que permaneceria a maior do mundo inteiro durante mais que 200 anos. Seu nome só poderia ser Alexandria, a primeira de umas dúzias com o mesmo nome.
Valores. Onde vemos crueldades, desumanidades, e baixas, os antigos viram glória. A ação pública — guerras e conquistas — era a mais perigosa e, por isso, mais nobre das realizações humanas. Por isso, Alexandre era conhecido como “o Grande” ou “Magno.” Se Platão era a medida pela qual se media toda a filosofia subseqüente, Alexandre era a medida ideal do homem em si: conquistador, perigoso e impassível, igual aos nossos heróis que passam na televisão e no cinema até os dias de hoje. Estabelecia o significado e o valor de macho para todo o curso da história: o guerreiro invencível com espada erguida, o herói arquétipo da raça humana — o Schwartzenegger, e Van Damme, sem emoção e sem piedade.
A cultura que ele tanto amava nos deu, como já mencionamos, o teatro, a filosofia, a política e a democracia, a ideia duma língua franca e a própria escola. Era uma cultura que, mesmo depois da morte de Alexandre, iria dominar o mundo. E mesmo centenas de anos depois, quando o poder mundial passou finalmente dos gregos para os romanos, a época de Jesus, eram estes valores que predominavam encarnados em pessoas como Pompeu, Augusto e os césares. Aos tais valores, os romanos acrescentaram apenas o realismo e a pragmatismo.
Morte. Na primavera de 323 a.C., com quase 33 anos e depois de massacrar uma nação inteira, os cosseanos, e prestes para invadir a Península da Arábia, morreu doente na Babilônia. Somente um homem, com a mesma idade quando morreu, teria um impacto tão grande nas culturas humanas — o será maior? — na humanidade. Seu nome era Jesus. Nos próximos 300 anos, num lugarzinho aparentemente insignificante, um povo antigo desprovido (sem terra e sem língua!) que adorava estranhamente um só Deus, aguardava a sua libertação dos valores gregos e a opressão política romana aos quais estavam sujeitos.
JESUS, O UNGIDO
Nascimento. Nasceu duma judia camponesa no interior de lugar nenhum do mundo antigo. Cresceu nesta zona rural onde suas viagens não eram contabilizadas em dezenas de milhares de quilômetros, como no caso de Alexandre o Grande, mas apenas em poucas dezenas. A única cidade de destaque que conhecia, Jerusalém, era tão insignificante no cenário mundial, que quando Alexandre passou por lá a caminho para o Egito, o seu historiador nem sequer menciona o lugar ou o seu povo. Jesus nasceu um Zézinho ninguém do interiorzão de lugar nenhum.
Realizações. Vamos não exagerar. Durante a sua vida teve apenas 12 seguidores, 70 que acompanhavam a certa distância, e mais alguns curiosos. Alexandre teve centenas de milhares. Declarava a todos que o momento chave de Deus na história do Seu povo havia chegado, para todo mundo se preparar abandonando sua apatia e religiosidade exterior. Ousava ensinar as escrituras sagradas, curava os doentes, e expulsava demônios.
Valores. Nas bem-aventuranças, ele demonstra sua preocupação pela justiça. Não fala de destruição ou escravidão. Ao invés de proferir ameaças, ele sustenta um ideal, ou alguns ideais, humildemente concretos: identificar-se com a situação do pobre, defender os seus interesses excluídos, simpatizar-se com e perdoar os outros, e fazer paz em todas as circunstâncias. Se assim fizer, será feliz. De fato, este é o único caminho para a felicidade. O poder é uma ilusão e o seu exercício uma desculpa para crueldade. É o abuso do poder que é responsável pela pobreza, a opressão, a injustiça, a guerra, e a tortura. As palavras de Jesus eram pouco conducentes para uma boa biografia de Alexandre ou de Augusto César e para um mundo que estimava o imperador e a sua espada. Estas palavras eventualmente custaram-lhe a vida.
Morte. Jesus sofreu a execução mais cruel dos romanos e mais vergonhosa e diabólica dos judeus — a crucificação. Tão malvada era, que, salvo algumas poucas mulheres descuidadamente corajosas, todos os seus seguidores fugiram o mais longe que suas pernas, agora ágeis de tanto pavor, poderiam levar. Por que tanto desespero? Porque sabiam que a cena a seguir seria intolerável aos seus olhos, até inconcebível para sua fé.
A psicologia da crucificação serviu um propósito profundamente político. Era o fim esperado de todo inimigo do estado absoluto romano, o oposto da morte tranqüila que todo bom homem desejava. Ao invés disto, era um fim quando a dignidade e o orgulho eram arrancados. Para os discípulos, veio como terremoto, destruindo em um instante o seu mundo inteiro. Não importa quantas vezes Jesus avisou que teria que sofrer e morrer. Eles realmente não compreenderam o que falara. Tão chocante era que levou mais que 400 anos para os cristãos poderem tentar representar a crucificação. Seus símbolos religiosos incluíam a arca de Noé, o Espírito Santo em forma de pomba, a âncora, o peixe, o pão e o vinho, mas não sua imaginação ainda não conseguia conceber a crucificação. A primeira representação da crucificação se encontra apenas no século V, cortada em madeira na porta da basílica de Santa Sabina em Roma, como uma de várias cenas na vida de Jesus. Hoje ainda não conseguimos visualizar o horror da crucificação. Mas eu vou tentar ilustrar só um pouquinho para a nossa meditação:
Era a forma última de humilhação romana. Não somente as suas roupas, mas, como disse João o Ancião, o “orgulho da vida”, isto é, o orgulho justo que todo homem, especialmente um jovem com 30 e poucos anos, tem no seu próprio corpo, era desnudado para todos verem e ridicularizarem. Traumatizou não apenas os discípulos mas o próprio Jesus. Traumatizou não só o seu corpo mas a sua alma também. Lembram-se do seu grito acusador dirigido a Deus: “meu Deus, meu Deus, por que me desertou?”
O horror deste evento fez com que os Evangelhos dessem os detalhes mais reduzidos e resumidos possíveis. Simplesmente não era possível para o homem antigo entrar em detalhes (o contrário de hoje quando os produtores de filmes de horror elaboram as cores, os barulhos e efeitos visuais mais repugnantes possíveis). Um detalhe em particular ficou faltando. Os Evangelhos, citando o Salmo 22.16, dão a entender que Jesus foi pregado na cruz pelas mãos e pés. Os artistas, desde cedo, entenderam que isto se referia às palmas da mão. Mas isto é fisicamente impossível, pois assim, o corpo rapidamente cairia da cruz porque os ossos das palmas da mão não aguentam tanto peso. Jesus foi crucificado pelos ossos dos seus pulsos. E hoje, os arqueólogos israelenses já descobriram corpos crucificados desta maneira.
Mas antes de pregar as estacas de 30 centímetros nos pulsos e pés de Jesus e depois de desnudo, Jesus levou bofetadas e foi açoitado no corpo inteiro. Dois homens, um na sua frente, e outro atrás, torturaram Jesus com chicotes que tinham pequenos pesos de metal amarrados nas suas pontas. O impacto destas chicotadas abriu seu peito e suas costas. Na sua cabeça fincavam uma coroa do equivalente de arrame farpado com farpas de 2 a 3 centímetros. Nas costas cruas das chicotadas teve que carregar até desmaiar as vigas de madeira pesadas nos quais iria ser pendurado. Morreu em agonia inimaginável, como todo crucificado, depois de horas de sufocação gradual e perda de sangue. Depois de morto, foi cortado por uma lança e assim sangrou copiosamente, como para evidenciar definitivamente que não havia mais vida nele.
Nós estávamos naquela cena brutal. Cada um de nós, zombadores, confortadores, indiferentes, amedrontados.
Conclusão
Quem teve maior impacto no mundo? Alexandre o Grande, Augusto César, e Napoleão, continuam tendo os seus admiradores. Também vivemos em um mundo onde os valores de Jesus já transformaram civilizações inteiras. Mas não contemplemos apenas o seu ensino. Não só no seu ensino mas na sua morte há possibilidade de transformação real e pessoal. Ele morreu POR NÓS, por você e por mim. Ele está, de fato, transformando o mundo. Uma leitura até superficial da história comprova isso. Mas além disto, e para isto, ele pode transformar a sua vida. Ele pode tomar o seu sofrimento porque ele sabe o que é sofrer. E pode transformar seus sofrimentos em redenção. Diga sim a ele.
No entanto, era o nosso sofrimento que ele estava carregando, era a nossa dor que ele estava suportando… Porém ele estava sofrendo por causa dos nossos pecados, estava sendo castigado por causa das nossas maldades. Nós somos curados pelo castigo que ele sofreu, somos sarados pelos ferimentos que ele recebeu…. Ele foi maltratado, mas aguentou tudo humildemente e não disse uma só palavra. Ficou calado como um cordeiro que vai ser morto, como uma ovelha quando cortam a sua lã. Foi preso, condenado e levado para ser morto, e ninguém se importou com o que ia acontecer com ele. Ele foi expulso do mundo dos vivos, foi morto por causa dos pecados do nosso povo…. Ele ofereceu a sua vida como sacrifício para tirar pecados e por isso terá uma vida longa e verá os seus descendentes. Ele fará com que o meu plano dê certo. − Isaías 53.4-5, 7-8, 10