Semana 4: Jó 2.7-10
Aí Satanás saiu da presença do SENHOR e fez com que o corpo de Jó ficasse coberto de feridas horríveis, desde as solas dos pés até o alto da cabeça. Jó sentou-se num monte de cinza e pegou um caco para se coçar. E a mulher dele disse: — Você ainda continua sendo bom? Amaldiçoe a Deus e morra! Jó respondeu: — Você está dizendo uma bobagem! Se recebemos de Deus as coisas boas, por que não vamos aceitar também as desgraças? Assim, apesar de tudo, Jó não pecou, nem disse uma só palavra contra Deus. (Nova Tradução na Linguagem de Hoje)
Reflexão
De novo!? Fomos para a igreja domingo passado e na volta, a ponte que havíamos cruzado antes, caiu por causa das chuvas que trouxeram tanta devastação no Rio de Janeiro e agora atingiram, em menor escala, o nosso estado de Santa Catarina. Quase a mesma coisa aconteceu há dois anos, quando a tragédia foi bem maior. Saímos para a igreja um pouco cedo por causa de tanta chuva e na volta tvemos que voltar por outro camnho, porque o morro inteiro havia desabado sobre a SC 401, levando estrada, caminhão e motorista. Esta semana fomos poupados pela segunda vez, mas muita gente sofreu perdas inestimáveis. Por que? Procuramos uma resposta “natural” ou “espiritual”? Nos noticiários, as explicações são “naturais” (mudanças climáticas estão se intensificando) e “humanas” (não estamos respeitando os limites necessários para a absorbção e escoamento das águas). São afirmações seríssimas que não podemos subestimar. Sejamos justos social e ecologicamente! Fácil de dizer, mas difícil de executar, diante de toda a ideologia de vida que todos nós vivemos, baseada no consumo e na exploração, não no cuidado e na mordomia.
Entretanto, as perguntas em torno de causas meramente climáticas ou até humanas não parecem encontrar lugar no Livro de Jó (é muito forte esta afirmação?). E acredito que hoje, no Rio de Janeiro, em Santa Catarina e outros lugares atingidos, as próprias vítimas não se contentem com este nível de indagação, por mais importante que seja. Querem mesmo é saber as “causas” espirituais…neles, nos outros, em Deus, no diabo…no que for. O que foi que eu fiz de errado? As vítimas sofrem porque pecaram ou não confiaram no Deus da vitória e da prosperidade? Esta é a resposta do evangelho da bênção e da maldição, uma teologia simples, e conforme o testemunho do Livro de Jó, antiquíssima e culturalmente difundida (a história sobre a figura do Jó consta nos mais antigos escritos como O Jó Sumérico, A Teodicéia Babilônica e outros contos egípcios e árabes).
Aliás, esta é a tendência humana comum, querer uma religião simples e descomplicada com base no mérito. Fez bem, abençoado será. Fez mal, azarado será. Mas a vida simplesmente não funciona assim, e, por isso, as pessoas procuram respostas para explicar situações que nada satisfazem. E quanto silêncio Jó e os seus amigos vão encontrar até que Deus finalmente, depois de longa demora e muita interrogação humana, responda do meio duma tempestade (capítulos 38-41). Mas vamos voltar à sequência desta hístória…
No primeiro capítulo Jó é bombardeado com sofrimento e aflição. Primeiro perdeu seus rebanhos e empregados aos ladrões e assassinos. Depois perdeu seus filhos e filhas num desastre “natural”. O que sobrou? Esta é a pergunta comum de vítima: o que sobrou? E a resposta é sempre a mesma: Não sobrou nada (veja as reportagens de televisão). Ocasionalmente alguém reconhece e agradece no meio do sofrimento que a vida própria se salvou. Então, ainda sobrou a “vida” do Jó e o inimigo vai atrás disto também. E Deus concede a Satanás o direito de amolar Jó mais ainda e a doença horrível aflige o seus corpo inteiro! (Mas que livro cheio de perguntas que se levantam a respeito de Deus, da justiça, da miséria e da criação. Outra nota: agora a doença vem afligir as vitimas dos enchentes do Rio de Janeiro).
E até a esposa de Jó — coitada, vítima também da teologia da recompensa simples — tragicamente chega à única conclusão que sua teologia permite: “amaldiçoe a Deus e morra!” A implicação é que o maridão, por alguma burrada que cometeu, merece morrer. Assim, “explicam-se” as perdas anteriores. (Na religião simples e primitiva, comum em todos os povos a nível popular, tudo exige explicação! Que isto sirva de lição para nós explicadores: professores, pastores, missionários e religiosos de modo geral).
A resposta de Jó não só foi genial, como demonstrou profunda percepção da natureza de Deus, algo difícil para muitos cristãos perceberem. (Por isso, numa devocional anterior, disse que o livro é um excelente prelúdio da fé cristã, e assim, à perspectiva do Novo Testamento.) Jó respondeu: “Se recebemos de Deus as coisas boas, por que não vamos aceitar também as desgraças?” No fim das contas tudo de bom e tudo de mal vem de Deus. (Posso imaginar o horror no rosto dos teólogos que possam estar lendo isto.) Mas Jó respondeu mal? Respondeu errado? Veja o que disse o próximo verso: “Em tudo isso não pecou Jó com os seus lábios” (Revista e Atualizada, tradução bem mais ao pé da letra). Ou seja, Jó falou certo.
Acho que já falei demais para uma “pequena” devocional. Alguns desafios:
- Não deixemos de fazer perguntas que parecem difíceis a respeito de Deus, dos desastres que nos cercam e da nossa “sorte”.
- Não abramos mão de ver Deus com propósitos bons, mesmo por meio de caminhos maus. Permaneçamos fiéis.
- As pessoas mais íntimas e mais paceiras nossas podem errar no seu conselho. Afinal são tão humanas quanto nós.
- Vivamos não pela prosperidade econômica e familiar. Vivamos pela justiça pessoal, social e criacional (mais sobre isto depois…aguardem)
Oração:
Pai, o mundo lá longe, tão distante, de Jó, nos alcançou e lembramos de pessoas e famílias muito afligidas pelo sofrimento dos últimos dias de enchentes. Console-os e desperte-nos para sermos bons mordomos da sua criação, e não pessoas que só desejam acúmulo de bens. Faz-nos pessoas que reflitam a tua compaixão e a tua justiça. Em nome de Jesus. Amém.