Resenha: Por que o Diálogo de Ciência e Religião é Importante
WATTS, Fraser, DUTTON, Kevin, eds. Why the Science and Religion Dialogue Matters: Voices from the International Society for Science and Religion. London/Philadelphia: Templeton Foundation Press, 2006, 158 p.
por Guilherme V.R. de Carvalho*
A Obra
O livro tem onze capítulos organizados em três grandes seções. Na primeira, intitulada “Porque o Diálogo Importa”, três capítulos tentam responder a essa questão central do livro. Seus autores – George F. R. Ellis, John Polkinghorne e Holmes Rolston III – são experts no debate sobre religião e ciência e também ganhadores do Prêmio Templeton para o Progresso da Religião.
George Ellis é professor de matemática aplicada da Universidade da Cidade do Cabo, fellow da Royal Astronomic Society, co-autor com Stephen Hawking de The Large Scale Structure of Space Time (1973) e membro de uma igreja Quaker. No primeiro e mais extenso capítulo, que dá o seu título ao livro, Ellis argumenta muito simplesmente que o diálogo traria benefícios a ambos os lados da conversa – a religião e a ciência. A religião ganhará porque a compreensão religiosa amadurecida saberá conviver melhor com a ciência, e uma ciência mais aberta à realidade suprema e à riqueza da humanidade se guardará melhor do fundamentalismo científico e de visões desumanizantes. Juntas, elas poderão resistir melhor ao fundamentalismo (não apenas religioso mas também científico), definir valores éticos e, acima de tudo, “afirmar as dimensões plenas da humanidade”, nos ajudando a ser “plenamente humanos” (p. 5).
Ellis aponta cinco grandes áreas temáticas no debate sobre religião e ciência. A primeira delas é “A Cosmologia e a Natureza do Universo”, tendo como foco central a “questão antrópica”, isto é, a interpretação das evidências de que o universo teria sido delicadamente ajustado a fim de dar origem à vida consciente. A segunda área é “A Ciência e a Natureza da Humanidade”, focalizada na natureza da personalidade humana e no problema do reducionismo em todos os campos da ciência. Crítico nesse respeito é o neobehaviorismo associado à neurociência e a alguns setores da filosofia da mente contemporânea, que manifestam um persistente viés reducionista. A terceira área é “Física e Determinismo”, tendo como problema central a efetividade de causas não físicas sobre os processos físicos (“top-down causation”), e a impossibilidade da física lidar com a categoria da intencionalidade, que seria uma realidade causal.
As duas áreas seguintes não envolvem tanto áreas de superposição de religião e ciência quanto a questão do lugar delas na vida humana. A quarta é “Limites da Ciência”, a partir dos quais ela não pode evitar a dependência de outros aspectos da vida humana: “ciência e ética”, “estética, metafísica e sentido”, “emoções e valores, fé e esperança”. A quinta área é a de “Existência e Evidência”, dizendo respeito à necessidade de distinguir epistemologia de ontologia, e não identificar existência com demonstração científica.
Em conclusão, Ellis afirma que o conflito de ciência e religião ocorre “quando as pessoas vêem as coisas de forma parcial, pensando que essa parte da imagem é o quadro todo” (p. 22). Nos dar a visão do quadro todo (“the whole Picture”) e nos habilitar a responder a ele de forma integrada seria então o motivo principal do diálogo de religião e ciência.
O capítulo seguinte, por John Polkinghorne tem quase o mesmo título na forma de pergunta: “Religião e Ciência – Importa?” Polkinghorne é físico, ex-professor de física matemática e ex-presidente do Queens’ College (Universidade de Cambridge), e também teólogo e sacerdote Anglicano.
Polkinghorne admite que a religião e a ciência existem para responder a questões diferentes. A ciência deve o seu sucesso à “modéstia de sua ambição”, tratando a realidade como um “isso” (it) e lançando mão do experimento. Já a religião lida com os encontros humanos com tudo o que está além do “it”: o “Tu”, o universo pessoal, no qual a confiança substitui o experimento como via de cognição.
Mesmo assim, elas se relacionam. Em primeiro lugar, ambas compartilham uma conexão na “busca comum pela verdade atingível mediante a crença motivada” (p. 29). As crenças religiosas e científicas têm motivações diferentes, mas visam responder igualmente ao real. Deve assim existir uma “consonância” entre as suas respostas. O autor aponta duas metaquestões que nos ajudam a reconhecer a consonância: o problema da surpreendente habilidade humana de capturar racionalmente a estrutura da natureza (um fato totalmente desnecessário e improvável em termos de necessidade evolucionária) e a questão da ética, de como usar os poderes que a ciência disponibiliza.
Holmes Rolston III, filósofo, ministro presbiteriano e Distinguished Professor da Colorado State University escreve o terceiro capítulo, com título também quase idêntico (“O Diálogo de Ciência e Religião: Porque ele é Importante”). Mais objetivo, Rolston alista e discute seis razões porque o diálogo seria vital: (1) “A ciência não pode nos ensinar o que mais precisamos saber sobre a natureza – ou seja, como valorá-la; (2) A ciência não pode nos ensinar o que mais precisamos saber sobre a cultura – como valorá-la”; (3) A ciência abre cada vez mais questões religiosas; (4) O futuro da religião depende desse diálogo; (5) O diálogo oferece novas oportunidades para confrontar o sofrimento e o mal; (6) O diálogo entre ciência e religião importa porque o futuro da Terra depende dele.
Na segunda seção principal, intitulada “O Contexto Internacional”, seguem-se mais três artigos: o primeiro pelo já citado John Polkinghorne; o segundo por Fraser Watts, psicólogo clínico, professor de teologia e ciência da Universidade de Cambrige, fellow do Queens’ College e ex-presidente da British Psychological Society; e o terceiro por Philip Clayton, professor de filosofia da religião da Claremont University.
Polkinghorne repete alguns dos temas do capítulo anterior mas coloca uma ênfase especial na unidade de propósito de religião e ciência (a “busca da verdade”). A diferença básica de ambas estaria no escopo: a ciência deve seu sucesso à modéstia, no esforço por se concentrar no que pode ser testado. Já a religião se ocupa do Fundamento de toda a realidade, e com aquilo que engloba todas as coisas. Por sua natureza, ela busca uma visão compreensiva das coisas. Seria preciso então procurar a consonância de religião e ciência. Assim Polkinghorne avança apresentando de forma brevíssima alguns caminhos e integração que ele mesmo trilhou.
Ele começa sugerindo que o elemento estético buscado por físicos matemáticos como sinal de verossimilitude que acompanha soluções matemáticas seria uma ilustração de como essa consonância acontece. Dá seu apoio à idéia de um ajuste-fino cósmico, e propõe que o elemento de contingência e acaso presente na evolução biológica seria evidência, não da falta de sentido, mas de que Deus criou um universo capaz de fazer a si mesmo. E isso nos ajudaria muito a entender a razão do sofrimento. Ele comenta ainda a sua interpretação sobre a ação providencial de Deus na história por meio das imprevisibilidades e indeterminações do processo físico, de um modo análogo à nossa própria ação intencional sobre o mundo, e fala sobre a importância da escatologia cristã como único fundamento para a esperança.
Quanto ao futuro do debate, Polkinghorne expressa a sua visão de que o diálogo inter-religioso é fundamental, mas pontua que a unidade em torno do tema do “sagrado” não deve obscurecer as diferenças e particularidades de cada tradição de fé no encontro com a ciência. As religiões devem também estar prontas para responder a cada novo desenvolvimento científico, e em especial ao estudo de sistemas complexos – às forças naturais de geração de ordem e incorporação de informação – e ao desenvolvimento das neurociências que, por hora, ainda são incapazes de explicar a consciência (contra Dennet).
Fraser Watts escreve o quinto capítulo, “Ciência, Religião e Cultura”, desafiando a noção aparentemente não-problemática de que a religião seria objetiva, racional e internacional, ao passo que a religião seria culturalmente condicionada e divisora. Antes, a própria ciência uma vez dependeu de certas crenças cristãs para se desenvolver (as idéias de ordem e contingência) e ainda é influenciada por elas, através dos modelos e analogias empregados no seu discurso, e das necessidades da sociedade como um todo. Watts sugere que a ciência precisa ser mais aberta ao elemento humano, desafiar o reducionismo e ser mais autocrítica no tocante às pressuposições da modernidade ocidental.
Quanto à religião, é preciso compreender a “diferença”; é uma ilusão até mesmo ver todas as religiões como se fossem o mesmo tipo de coisa, e também é um erro tentar alcançar no âmbito da religião o universalismo da ciência. O importante é apoiar em cada religião o abandono de atitudes exclusivistas e dogmáticas, promovendo a flexibilidade social e cognitiva: “Religiões que estão operando de forma saudável considerarão mais fácil o engajamento com a ciência” (p. 59). Enfim, ambas devem aprender a ser mais humildes.
“O Estado da Discussão de Religião e Ciência Hoje” é o título do sexto capítulo do livro, por Philip Clayton. O artigo começa com um tom de lamento pelo conflito com o mundo islâmico acentuado pelas opções políticas do governo Bush, que afetaram negativamente a florescente cooperação de cristãos e muçulmanos no diálogo de religião e ciência (o que se compreende por ter o artigo sido anteriormente publicado no Journal of Islam and Science). Como modelo para fortalecer e intensificar essa cooperação, Clayton descreve com certo detalhamento o programa Science and Spiritual Quest, ou SSQ (Ciência e a Busca Espiritual), entre 1995 e 2003. O programa reuniu eruditos de diversos campos e diferentes religiões, atingindo um grande sucesso. Com base nele Clayton propõe um novo projeto que poderia se chamar “Ciência e Busca Espiritual nas Tradições Abraâmicas”, reunindo um consórcio de ao menos três centros, um de cada uma três religiões abraâmicas (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo).
A terceira parte do livro (“Perspectivas das Tradições de Fé Mundiais”) traz contribuições do Judaísmo, Islamismo, Hinduísmo, Budismo e Cristianismo Asiático, para um debate dominado até hoje por Cristãos Ocidentais.
Quem escreve primeiro é Carl Feit, professor de biologia, diretor da divisão de ciência do Yeshiva College, e também Rabi e erudito talmúdico. De acordo com Feit, o judaísmo nunca expressou qualquer tipo de rejeição à ciência. De certo modo isso se relaciona ao fato de o judaísmo focalizar a conduta humana, muito mais do que crenças sobre a realidade. Feit chega a dizer que, com risco de simplificação, “a abordagem do judaísmo à ciência na era moderna tem sido pragmática, mais do que teológica”. Dito isso, Feit oferece diversos exemplos do engajamento judaico com os mais diversos problemas ligados à relação entre a ciência e o viver humano.
O capítulo oito é de Munawar A. Anees, importante autor muçulmano no campo de religião e ciência, e um dos editores do Journal of Islamic Science e do Journal of Islamic Philosophy. Anees começa afirmando a unidade do conhecimento, a partir do conceito islâmico central do Tawhid (a unidade de Deus), cujo corolário seria a impossibilidade de uma dicotomia entre “ciência” e “religião”. Depois de lembrar a contribuição histórica do Islã para a ciência na Idade Média, o autor passa à difícil questão da presente crise na relação entre o mundo islâmico e a ciência moderna. Por um lado, a compreensão pública da ciência é muito ruim nos países islâmicos; por outro, prolifera-se a apologética literalista que tenta encontrar descobertas científicas no Corão. A estratégia da “islamização” dos diversos campos do conhecimento é criticada por ele como ainda amadora e nostálgica, com exceção do trabalho de Seyyed Hossein Nasr e do Journal of Islamic Science. Em conclusão, Anees afirma o potencial positivo da própria visão islâmica mas é algo pessimista sobre futuro da relação entre islã e ciência, caso alguma transformação substancial não ocorra no cenário intelectual islâmico.
B. V. Subbarayappa, professor do National Institute of Advanced Studies em Bangalore, ex-secretário executivo da Academia Nacional de Ciências da Índia e ex-presidente da divisão de Ciências da International Union of History and Philosophy of Science (1997-2001) escreveu sobre “Ciência e Hinduísmo”. O autor faz uma apresentação bastante sintética dos princípios do hinduísmo, com destaque para a experiência espiritual da não-dualidade entre o Eu e o Absoluto, o estágio final da busca espiritual e o propósito último das ciências tradicionais; e passa à discussão da ciência moderna: Porque os eruditos hindus, como os chineses e os islâmicos, não desenvolveram o tipo de atitude que caracteriza a atividade científica moderna? Subbarayappa aponta o alto nível de desenvolvimento científico da Índia contemporânea como evidência de que a ênfase hindu no “extramundano” não teria constituído um bloqueio ao pensamento científico inovador. Segundo ele, a despeito do crescente interesse em ciência e tecnologia, não se vê hoje nenhum tipo de conflito entre religião e ciência no hinduísmo. O autor conclui o texto discutindo o papel da Yoga como prática espiritual que contribui para a união de mente e corpo e para o melhoramento da qualidade de vida.
A relação entre Budismo e Ciência é o tema de Trinh Xuan Thuan, professor de astronomia na Universidade de Virginia, no décimo capítulo do livro. Segundo o Dr. Thuan tanto a ciência como o Budismo se interessam pela natureza da realidade, mas o Budismo, ao invés de empregar a pesquisa empírica, no campo objetivo da “terceira pessoa”, atenta para o campo da “primeira pessoa”, para a subjetividade, e para a consciência. O Budismo se assemelha à ciência em seu método empírico, em seu ceticismo quanto a dogmas religiosos ou filosóficos, mas sua abordagem é introspectiva, e seu fim último é a libertação do sofrimento causado pela adesão desequilibrada à aparente realidade do mundo externo.
O autor acredita que a ciência é “perfeitamente auto-suficiente” e pode cumprir seu papel sem o suporte filosófico de qualquer religião, mas identifica três pontos de consonância entre o Budismo e a ciência. Em primeiro lugar, no conceito de “impermanência”: a idéia de que o universo não é feito de entidades distintas e sólidas, mas de eventos e correntes dinâmicas interdependentes entre si, em um fluxo perpétuo de mudança; isso estaria de acordo com o tema da evolução e com a moderna física quântica. O segundo ponto é a “interdependência e inseparabilidade dos fenômenos”, de modo que cada objeto só pode ser definido em termos de outros objetos existindo em relação com eles. A impressão de independência entre as coisas seria uma ilusão, um construto mental. Fenômenos com a não-localidade no mundo quântico e pêndulo de Foucault seriam evidências disso. O terceiro ponto é a “vacuidade”, ou ausência de uma realidade intrínseca ou inerente às coisas.
Thuan discute ainda as evidências de ajuste-fino no universo e admite a necessidade de escolher entre uma versão do multiverso ou da crença em um princípio criador; mas afirma que a ciência permite ambas as opções. O Budismo, naturalmente, dispensa qualquer idéia de um Criador, e favorece a noção de um universo cíclico. Thuan admite que as evidências cosmológicas atuais são contrárias a essa solução mas, no balanço geral, mantém-se confiante na consonância entre Budismo e ciência, como duas janelas distintas para a mesma realidade.
Heup Young Kim, professor de teologia sistemática na Faculdade de Teologia da Universidade Kangham, na Coréia e associado de centros de pesquisa em Harvard e Cambridge, escreveu o capítulo 11 sobre “Cristianismo Asiático: rumo a um triálogo de humildade: ciências, teologias e religiões asiáticas”. Kim introduz sua reflexão comentando as particularidades do contexto cristão asiático: toda a idéia de que o cristianismo seria um fenômeno ocidental é um mito, assim como a idéia de que haveria um abismo entre a ciência e o cristianismo a ser superada por meio de “pontes”; e finalmente, a abordagem cristã dominante no debate atual sobre religião e ciência é muito dogmática e apologética, e por isso fora do contexto teológico contemporâneo da Ásia, que privilegia o diálogo inter-religioso e o pluralismo.
Para responder a esse contexto Kim apresenta o seu método do “Triálogo de Humildade”, que envolve uma abordagem humilde integrando o diálogo interdisciplinar e o diálogo inter-religioso. O ponto de encontro das ciências e das religiões não estaria na metafísica ou na epistemologia, mas “em uma hermenêutica da pessoa humana”, em uma “orto-práxis de humanização”, em um “Tao” ou Sabedoria de humanização. Kim encontra uma “equivalência homológica” entre o antropocosmismo neo-Confuciano, em sua idéia de auto-cultivo e a doutrina cristã da santificação, e aponta esse tema como o foco para o diálogo inter-religioso. A partir daí Kim acredita ser possível lidar com diversos aspectos do debate, como a da visão de Deus, do tempo, da natureza, por exemplo.
Ronald Cole-Turner, professor de teologia e ética no Seminário Teológico de Pittsburgh, escreve a conclusão do livro refletindo sobre o futuro do diálogo de ciência e religião. Segundo ele a ISSR tem dois eixos de relacionamento – o diálogo entre as religiões sobre o tema da ciência e o diálogo entre as ciências naturais e a religião. Cole-Turner lembra que dentro de cada tradição de fé há um espectro de correntes que praticam abordagens diferentes para com a ciência, o que torna as possibilidades de diálogo muito mais complexas e interessantes. Para o futuro, ele vê o papel chave de organizações como a ISSR que desafiem o tradicionalismo excessivo no interior das religiões; a importância de novas e abrangentes teologias da natureza que ajudem a reunir o apoio público para a pesquisa científica; o perigo da obsolescência para teologias que não se adiantam para incorporar a ciência e a tecnologia em sua compreensão de mundo; e a necessidade de se preparar para os desafios teológicos e éticos da tecnologia genética, da biologia sintética e até mesmo do pós-humanismo ou trans-humanismo, que espera submeter o próprio ser humano ao melhoramento biotecnológico.
Considerações Críticas
A obra representa uma excelente introdução ao etos da Sociedade Internacional para a Ciência e a Religião (ISSR) e aos rumos que o diálogo de religião e ciência vêm assumindo nos últimos anos. E seria justo dizer, também, um fruto acabado dos desejos e esforços de John Templeton, cuja fundação publicou o livro. Vários dos nomes mais importantes como John Polkinghorne, Fraser Watts, e Holmes Rolston III estão representados, assim como figuras chave das grandes religiões mundiais. Ao longo dos capítulos percebe-se as virtudes e as limitações de cada religião no trato do assunto, a enorme diversidade bem como a surpreendente proximidade entre as soluções e caminhos propostos.
Entre as maiores virtudes da obra está a demonstração do fôlego desse campo de estudos na atualidade, e da impossibilidade de simplificar toda a questão sobre “religião e ciência” em termos de um único modelo universalmente válido. As religiões são diferentes entre si (e até mesmo dentro de si mesmas), e as filosofias da ciência praticadas por cientistas religiosos ou irreligiosos são também variadas. Só isso já seria suficiente para nos debruçarmos com seriedade acadêmica sobre a questão, caso quiséssemos ignorar o valor intelectual intrínseco das propostas introduzidas por cada autor.
Duas tendências me parecem especialmente significativas para a imaginação reformacional, do tipo que praticamos na Associação Kuyper; em primeiro lugar o acordo recorrente entre diversos pensadores, no campo cristão, de que um diálogo significativo de religião e ciência exige uma visão não-reducionista da realidade, com níveis distintos de explicação e até mesmo níveis distintos de realidade. A idéia de emergência ontológica vem assumindo um papel cada vez mais importante na discussão transdisciplinar e no diálogo de religião e ciência.
A segunda tendência é a reflexão, às vezes mais consciente, às vezes menos, a respeito da natureza humana. As perguntas sobre o princípio antrópico, sobre a ciência da mente, e sobre os fundamentos da ética são ultimamente antropológicas. E se dermos a devida atenção às idéias de Heup Young Kim sobre o “Tao de humanização” como uma chave para o diálogo inter-religioso, reconheceremos um padrão extremamente interessante. Em última instância, práticas e idéias científicas e religiosas sempre exercem um impacto sobre a compreensão da natureza humana, mas isso significa que agendas antropológicas explícitas ou não podem operar como idéias reguladoras para a religião e para a própria ciência. Nesse caso, não seria possível a nós escolher uma certa visão do homem – uma antropologia – como uma idéia reguladora para a ciência e para a religião? Não é certo, ao menos para os cristãos, que a visão de Deus determina enfim uma visão de homem?
Nesse sentido, a promoção de formas mais contextualizadas e sofisticadas de revelar a hominalidade do homem – a “mannishness of man” que estava no centro da apologética de Francis Schaeffer – poderia ser uma forma sutil e contemporânea de promover um cristianismo a um só tempo ortodoxo e contemporâneo.
*Guilherme de Carvalho é formado em Teologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com mestrados em Teologia (Faculdade Teológica Batista de São Paulo) e em Ciências da Religião (Universidade Metodista de São Paulo). É fundador da Aket e membro da equipe de L’Abri no Brasil.
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