Conteúdo de Mais na Internet da seção Igreja em Ação, da edição #374 da revista Ultimato

Às margens dos rios da Amazônia, isolados em meio à floresta, existem pessoas que convivem com a escassez de recursos básicos, como água potável e eletricidade, mas o que não falta a esses homens e mulheres é coragem e entusiasmo para pregar e ensinar a Palavra de Deus. São pastores e líderes dos quais alguns não tiveram oportunidade de frequentar uma escola ou concluir os estudos, tão pouco fazer um curso teológico.

Diante dessa realidade, a ONG Justiça e Misericórdia Amazon realiza a Conferência para Pastores e Líderes Ribeirinhos, cujo objetivo é treinar e capacitar obreiros, missionários, líderes e suas esposas, com noções de teologia, liderança, discipulado, mentoria, finanças, adoração e outros temas ministeriais para o fortalecimento das igrejas. Em 2018 a conferência reuniu mais de 200 líderes de diversas comunidades e denominações diferentes. Sarah Rodrigues, diretora da ONG, acredita na força missionária ribeirinha e afirma que “se a igreja ribeirinha estiver capacitada e encorajada para cumprir a missão de Deus, o evangelho chegará aonde equipes voluntárias jamais chegariam”.

Sarah Rodrigues foi entrevistada para a seção Igreja em Ação da revista Ultimato, edição de novembro-dezembro. Confira abaixo a entrevista na íntegra:

Ultimato – Conte como e quando foram realizadas as primeiras conferências, e como tem sido a participação dos líderes ribeirinhos:

Sarah Rodrigues – A primeira Conferência Anual para Pastores e Líderes Ribeirinhos aconteceu em 2011 e ao todo já realizamos dez conferências, até 2018. Nossas duas últimas conferências aconteceram em fevereiro e maio de 2018, com um total de 218 líderes treinados. Geralmente, temos a participação de 90 a 130 líderes por conferência, mas não foi sempre assim. Nosso desejo sempre foi de encorajar e capacitar líderes nativos de regiões ribeirinhas que atenderam ao chamado de Deus sem ou com pouco treinamento ministerial. Em nossas primeiras conferências alcançamos dez ou pouco mais de vinte líderes, principalmente pelos desafios de alcançar aqueles que servem nas áreas mais remotas do Amazonas. Nos últimos cinco anos, os próprios pastores e esposas que participavam do treinamento, começaram a trazer pastores amigos de regiões em torno de onde serviam. Pastores alcançando pastores para juntos serem encorajados e aprimorados para o campo. Um valor importantíssimo da conferência é relacionamento com estes líderes. Tiramos tempo para conhecê-los, ouvi-los e nos relacionarmos com eles, a partir do entendimento da carência por acolhimento que um líder tem. Por isso, nosso movimento de crescimento será sempre em direção ao número maior de conferências com o número controlado de participantes para que nunca percamos de vista a individualidade de cada líder e suas necessidades específicas para este tempo conosco.

Ultimato – São pessoas de quantas comunidades e denominações diferentes?

Sarah Rodrigues – Recebemos líderes de dezenas de comunidades situadas do leste ao oeste do estado. Alguns participantes viajam cerca de uma hora, já outros sete dias de barco para chegar ao treinamento. Temos líderes dos rios Purus, Juruá, Alto e Médio Solimões, Negro, Madeira e outros. É imenso o esforço que estes líderes fazem para chegar à capital, de onde partimos para o nosso Centro de Treinamento, John Paculabo, no Rio Negro. O que denuncia a fome e sede destes por conhecimento, cuidado e relacionamentos. Servimos pastores e líderes de diversas denominações, tais como: Assembleia de Deus, Batistas, Presbiterianos, Nazarenos, dentre outras. A Justiça e Misericórdia Amazon apoia o trabalho destas denominações através do fortalecimento e cuidado de seus líderes. Por acolhermos líderes de denominações diferentes, outro valor inegociável da Conferência para Pastores e Líderes Ribeirinhos é a sua neutralidade. Nos distanciamos de aspectos doutrinários e nos aproximamos de princípios e ferramentas gerais e específicos que acrescentem aos seus ministérios.

Ultimato – Fale um pouco do objetivo e o funcionamento do seminário:

Sarah Rodrigues – A Conferência Anual para Pastores e Líderes  Ribeirinhos é o centro de tudo o que fazemos! Enquanto treinamos e capacitamos estes preciosos pastores e suas esposas, cuidamos também de suas comunidades e seu povo. Durante nossas conferências, os participantes recebem ferramentas através de treinamentos sobre teologia, liderança, discipulado, mentoria, finanças, adoração e outras matérias ministeriais para que suas igrejas sejam ainda mais bem sucedidas no cumprimento das ordenanças de Cristo, para evangelização e ensino à igreja. Deus tem nos mostrado que precisamos eventualmente realizar pelo menos cinco conferências por ano – uma em casa rio principal no Estado do Amazonas. Treinando, capacitando e encorajando estes lideres, o evangelho é enviado ainda mais longe rio abaixo e acima, mais rapidamente do que levaríamos como organização. Acreditamos que se a igreja ribeirinha estiver capacitada e encorajada para cumprir a missão de Deus, o evangelho chegará aonde jamais conseguiríamos chegar com equipes voluntárias. Acreditamos na força missionária ribeirinha. Por isso, através da Conferência, multiplicamos líderes e os capacitamos para que sirvam suas comunidades com excelência.

 

Ultimato – Como vocês trabalham a questão da contextualização do treinamento à realidade ribeirinha?

Sarah Rodrigues – Treinamentos direcionados ao contexto ribeirinho são um desafio imenso por se tratar de uma região tão complexa e de um povo tão particular em cultura, costumes, geografia, dentre outras características. A JMA oferece, prioritariamente, cuidado a estes líderes. Nestes cinco dias juntos, eles descansam muito bem, comem muito bem, tem momentos de lazer, e tempo de conversa intencional com diferentes membros da nossa equipe. Quanto aos treinamentos, priorizamos o ensino oral e visual para maior compreensão dos participantes. Uma grande parte dos líderes tem habilidade de escrita e leitura limitadas. Já tivemos dois participantes analfabetos que ainda levaram consigo conhecimento como ouvintes de todo o conteúdo. Também, prezamos por princípios e aplicação em realidades diferentes, nos distanciando de métodos. Na prática, isso significa tratar de discipulado, por exemplo, como ele foi feito na Bíblia em diversos contextos e em seguida reuni-los em grupos de conversa para juntos buscarem aplicabilidade na realidade da sua igreja local e sua comunidade. Também buscamos instrutores que consigam construir estas pontes culturais e que consigam comunicar com profundidade regados de simplicidade. Não menos importante, buscamos oportunidade de exercitar e demonstrar estes princípios na vivência com eles no centro de treinamento, evidenciando como eles se dão na prática.

Ultimato – Quais as maiores necessidades e dificuldades dos líderes e pastores que participam do seminário?

Sarah Rodrigues – Estes líderes vivem em algumas das regiões mais isoladas e remotas do nosso país. Carinhosamente os apelidamos de heróis da selva. Homens e mulheres que aceitaram o chamado de viver em obediência ao chamado de Deus em áreas caracterizadas por isolamentos diversos, ausência ou escassez de recursos básicos como água potável e eletricidade, e pouco acesso a serviços básicos em saúde e educação. Ao mesmo tempo, são os servos mais felizes que alguém poderia conhecer. A grande maioria deles servem com recursos mínimos, e, acredite ou não, alguns com recurso nenhum. Vivem literalmente pela provisão diária de Deus. Uma das maiores necessidades desses líderes é por parceria em oração. Em meio a tantos desafios, o Corpo de Cristo, por meio de seus ministérios, é uma fonte de proteção, encorajamento e pertencimento. Não menos importante, as necessidades do campo são infinitas. Recursos humanos e materiais são extremamente escassos. Esses líderes ribeirinhos não possuem materiais para trabalho, como Bíblia, materiais de didáticos, de evangelismo e outros. Outra carência no campo é de presença de voluntários para apoiar os esforços que a igreja ribeirinha tem feito em suas comunidades.

Ultimato – Qual a sua percepção a cerca do envolvimento da igreja brasileira com missões na Amazônia?

Sarah Rodrigues – A igreja brasileira tem tido cada vez mais acesso a informações acerca das realidades da Janela Amazônica, e, consequentemente, tido mais oportunidades de resposta e engajamento. Temos visto o interesse individual e coletivo da igreja de forma geral nas questões e necessidades dos ribeirinhos e indígenas na nossa região. Mas as oportunidades ainda são incontáveis diante da resposta tímida de uma igreja tão grande e rica em seus recursos humanos, intelectuais, e espirituais. No Amazonas temos maior concentração de não alcançados do Brasil. Na Janela Amazônica encontramos os dois povos menos alcançados no Brasil: os indígenas (cerca de 340 grupos indígenas, destes 105 permanecem sem nenhuma presença missionária e nada sabem da Biblia), e os ribeirinhos (que estão em cerca de 25 a 30 mil comunidades ribeirinhas no Brasil – 75% está na janela Amazônica, e cerca de 10 mil delas não tem presença da igreja evangélica, o que representa em torno de 1 milhão de pessoas). De acordo com o Projeto Fronteiras, pesquisa realizada em 2012, na Amazônia Legal mais de um milhão de pessoas não têm a possibilidade de ouvir do Evangelho. Enquanto isso, 80% da força missionária aplicada em um raio de apenas 350 km em torno de Manaus. No oeste do Amazonas há mais de sete mil comunidades, das quais apenas 17% alcançadas. Precisamos, então, capacitar e apoiar as igrejas ribeirinhas nestas regiões para alcançarem seus rios, bem como nos juntarmos a eles nesta tarefa.

Ultimato – Como a igreja brasileira poderia se envolver mais com missões no contexto ribeirinho?

Sarah Rodrigues – O engajamento da igreja brasileira em oração é uma das mais significativas respostas aos desafios da Janela Amazônica. Uma das maiores necessidades do campo é por trabalhadores, recursos e estratégias; Existem literalmente milhares de comunidades ribeirinhas que se beneficiariam com equipes de voluntários que contribuam presencialmente com os esforços de evangelismo no Amazonas. A Justiça e Misericórdia Amazon teve oportunidade de receber quatro equipes de brasileiros em 2018 e temos quatro equipes programadas para 2019. O voluntariado em evangelismo e discipulado ao lado da igreja local é uma ferramenta poderosa; Apoio e doações para trabalhos em andamento – existem diversas formas de contribuir com ministérios em regiões não alcançadas. Pastores e missionários(as) precisam de botes para chegar à regiões além de suas comunidade, combustível para realizar cultos e estudos bíblicos, além de materiais bíblicos básicos; Profissionais dispostos – a necessidade no Amazonas para assistência médica e odontológica, bem como agrônomos para treinamentos em plantio, e outras áreas que atendam necessidades específicas de regiões tão carentes; A Justica e Misericórdia Amazon, por atuar ao lado de centenas de igrejas Ribeirinhas, tem o privilégio de fazer uma ponte entre as necessidades específicas do campo com igrejas que estejam dispostas ao envolvimento direto com uma região no Amazonas. Usamos deste privilégio nos concedido com responsabilidade por Deus para que em parceria, o movimento missionário ribeirinho avance com o restante do Brasil.

Ultimato – O que os obreiros e voluntários da Justiça e Misericórdia Amazon têm aprendido com os líderes e pastores ribeirinhos?

Sarah Rodrigues – A vida e o chamado destes pastores e líderes ribeirinhos nos revela o tamanho do amor de Deus e o seu poder aperfeiçoado em nós. Com eles, aprendemos lições profundas sobre o serviço sacrificial a Deus, para que outros sejam reconciliados com Deus em Cristo Jesus. Aprendemos que a alegria do Senhor realmente é a nossa força. Aprendemos que Deus está fazendo coisas extraordinárias através daqueles que se dispõem a obedecer, que a fé move as águas no Amazonas e que milagres ainda acontecem. Aprendemos que Deus é bastante, que a falta de gasolina ou a enfermidade são sanados Nele. Aprendemos a amar melhor, a servir mais e a generosidade. Aprendemos que ler é importante, mas guardar sua palavra no nosso coração é tesouro ainda maior. Aprendemos a pregar em tempo e fora de tempo, e seguimos aprendendo. A caminhada de fé destes heróis da selva nos enche de esperança de que realmente todo joelho se dobrará e toda língua confessará que Jesus Cristo é o Senhor.

Saiba mais sobre a Ong Justiça e Misericórdia Amazon

 

Conheça mais sobre a Conferência Anual para Pastores e Líderes Ribeirinhos

 

4a. Conferência para Pastores e Líderes Ribeirinhos_Amazonas JMA from Justice and Mercy International on Vimeo.

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