Na história de nosso sertão nordestino tantos brasileiros e brasileiras têm sofrido trabalhando na agricultura para criar suas numerosas famílias. Venho de uma dessas famílias, por parte de pai e de mãe. Guardo na memória do coração a convivência com o meu avô materno, um simples agricultor semianalfabeto, que foi um pai para mim. Até hoje, tenho a sua Bíblia, adquirida em 1970.

Também tive a honra de casar com uma filha de agricultor. Dentre tantos agricultores que tive a oportunidade de conhecer, o meu sogro Antonio Pereira Neto, mais conhecido como Lorito, foi o mais diferente. Ainda jovem, ele, juntamente com seus irmãos, morando na zona rural de um pequeno município sertanejo, fazia pedido de livros vindos de São Paulo por reembolso postal. Livros sobre Parapsicologia, Astrologia etc. Mas foi no Evangelho de Jesus Cristo de Nazaré, que Lorito, ainda solteiro, encontrou respostas para essa sua busca espiritual, convertendo-se em 1958, numa igreja da Assembleia de Deus. Lendo a Bíblia, até na madrugada, ainda no tempo da luz de lamparina, Lorito tornou-se um crítico da falsa religiosidade. E era isso que me chamava atenção: ele, um semianalfabeto, simples agricultor, mas informado, crítico, consciente, livre, maduro, etc. Aos 27 anos, casou-se com uma agricultora, a minha sogra Vastir. Tiveram oito filhos, mas apenas quatro sobreviveram. Um casamento de 54 anos, findo apenas pela morte. 56 anos de conversão cristã.

Seu Lorito (à esquerda) e Miguel (à direita)

Seu Lorito (à esquerda) e Miguel (à direita)

Uma longa caminhada, de tantas mudanças, histórias, lutas, sofrimentos, tristezas, alegrias, perdas, conquistas, recordações, memórias, compartilhadas pela família, amigos, irmãos etc. Um lindo testemunho de fidelidade e resignação até à morte. Assim é o sertanejo, especialmente quando vive o Evangelho. Ao morrer, na noite da última quinta-feira (dia 11), aos 81 anos, Lorito deixou alguns bens conquistados com muita luta como: terra, casa própria e carro. Mas há três objetos que não ficaram para os outros e que para mim retratam melhor quem foi o meu sogro: a bicicleta, a rede e a Bíblia. A velha bicicleta para ir ao sítio trabalhar e também se exercitar, o que fez enquanto viveu. Quando podia, ao ver um conhecido, descia da bicicleta e ia caminhando junto, para conversar. A rede, no cantinho do seu quarto, para descansar. Teimou em ficar nesse seu canto enquanto pôde. E também a usada Bíblia, para aprender e ser sábio. Sabedoria essa que ele compartilhou com tantos em seu caminho, e da qual desfrutei em apenas poucos anos de convivência.

Sua alegria era contagiante. Sua simplicidade perceptível. Ou seja, não precisamos de muito na vida, até porque nada levamos. Essas são para mim as lições que ele deixou. Assim, nesse contexto, uma bicicleta, uma rede e a Bíblia representam e simbolizam o essencial na vida: o trabalho para o sustento da família, o descanso necessário e a aprendizagem para ser um ser humano melhor. Se possível, é o que eu gostaria de herdar.

Miguel Ângelo é pedagogo, pós-graduando em Psicopedagogia e presbítero da Igreja de Cristo em José da Penha (RN). Ele recebe e compartilha os materiais do Paralelo 10 em sua região.

  1. Jean Carlos de Medeiros

    Que maravilha Miguel Angelo, que história tremenda e contagiante, fico feliz com o nosso Deus e com pessoas como o seu sogro, que nos ensina o Verdadeiro Evangelho de Cristo, com uma vida simples e impactante. Obrigado por compartilhar uma história tão maravilhosa do que Deus tem feito em nosso meio, é por essa e muitas outras que Caminhamos Firmes nas Promessas do nosso Salvador.

    Jean Carlos de Medeiros

  2. Pensando bem em tudo o que a gente vê e vivência e ouve e pensa, e vendo agora essa foto, fico imaginando aqui sua desenvoltura, alegria ,estima que tinha com as pessoas que na sua casa andava, com aquela paciência e simplicidade, recebia a todos acolhia com uma boa conversa,sadias, sempre uma boa palavra pra alimentar a alma,falando da palavra de Deus agradecer a Deus por ter a oportunidade de vivenciar, da sua amizade,do seu carinho, agora só saudades da pessoa que tinha algo bom para oferecer que na verdade se aprendia muito que tinha valores a repassar, experiência de vida, sentimos saudades, do nosso pai

  3. Ludmila de Oliveira

    Que história mais linda, e na leitura da escrita sem sombra de dúvidas é impossível não se emocionar. Que desejo ter conhecido este bom homem, mas é perceptível que quem pôde tê-lo por perto eterniza memórias maravilhosas do mesmo, criando em nós, mesmo sem termos visto/conhecido, imagens também lindas e um conhecimento maravilhado, da pessoa que foi seu Lorito.

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