O menino príncipe: um escândalo que nem todos percebem!
Veja se você consegue perceber o escândalo, não é fácil:
Em Isaías 9,2-7 (ou 9,1-7, conforme outras traduções), uma criança está novamente no centro das atenções. Trata-se de um hino celebrativo que comemora a estrondosa alegria – júbilo como em dia de colheita – de um povo que andava em trevas. Há dois motivos para essa alegria. Por um lado, comemora-se a libertação. O jugo dos opressores foi desfeito – e sem luta ou combate. A libertação veio sem guerra. “Como no dia dos midianitas” (v.4), Javé interveio e pôs a correr todos os agressores, tanto a Síria e Israel quanto a própria Assíria. As trevas estavam vencidas. Por outro lado, o motivo da alegria é o nascimento de uma criança. Nela está a razão principal das comemorações. “Um menino nos nasceu. Um filho se nos deu” (Is 9,6).
Esse menino será o governante: “o governo está sobre os seus ombros”. Instaurará uma situação de “paz sem fim”, de “direito e justiça”. E por inaugurar tal regime, a criança desde já leva títulos extraordinários. Seu nome será: “Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz” (Is 9,6).
Hoje, por meio da descoberta de textos egípcios, sabemos que esses títulos tinham um significado especial nos tempos de Isaías. Os faraós egípcios intitulavam-se assim. Portanto, os títulos mencionados nesse trecho são emprestados da linguagem da corte egípcia. A diferença é que Isaías aplica esses atributos grandiosos a um menino. Ele, por assim dizer, aliena a linguagem cortesã.
Um menino é, pois, festejado como luz do povo – não um adulto. Aqui está o detalhe decisivo do capítulo. Costumamos negligenciá-lo, transformando sorrateiramente a criança num adulto. Afinal, são-lhe atribuídos títulos importantes, adultos, sem dúvida imponentes e inclusive de origem internacional! Porém, ainda assim, sua implicação não é internacional nem imponente. É escandalosa. Um menino de origem desconhecida assume os títulos. Adota-os. Se essa tensão existente entre a grandiosidade dos atributos e a pequenez de seu portador é imperceptível, retira-se de Isaías 9 sua especificidade. Ela está em um menino designado príncipe – o messias libertador é uma criança! (Milton Schwantes)*
Ao ler este trecho sou obrigada a parar, reler, considerar. A luz do povo, a esperança messiânica está sobre um menino, não um adulto. O que significa isto? Jesus, o cumprimento desta promessa, passou por várias etapas na vida. Foi bebê, criança pequena, criança mais velha, adolescente, jovem e adulto.
- Quando pensamos em tudo o que ele representa para nós, conseguimos atribuir estes títulos maravilhosos à imagem que fazemos dele como criança? Ou está tudo concentrado numa figura masculina, vestida de vestes brancas e barba escura como nos mostram os filmes?
- E se não conseguimos visualizar o menino em Jesus, conseguimos ver Jesus nos meninos com quem convivemos?
- Por que será que Deus, em sua infinita sabedoria, resolveu passar pela infância e adolescência para realizar a sua obra de redenção da humanidade? Podia ter aparecido como adulto, não?
- E finalmente, me pergunto, por que nós somos tão adultocêntricos no nosso modo de ler a Bíblia? Jesus, ainda menino era capaz de ler, interpretar e até debater sobre os mistérios do reino de Deus. Será que as nossas crianças são levadas a sério quando querem conversar sobre os mistérios do Pai?
*Retirado do livro Uma criança os guiará – por uma teologia da criança. Para adquirir, acesse aqui!