(…) nós ficávamos disputando um lugarzinho na beira do fogão. Lá era quentinho.

Elsie B. C. Gilbert

Toda pessoa tem muitas histórias que merecem ser contadas e pelo menos uma digna de ser publicada para um alcance maior. Histórias são o meio principal de aprendizado para todos nós e em especial para as crianças. As histórias permitem ao ouvinte “andar nos sapatos” do outro, ver situações por uma outra perspectiva, sentir a responsabilidade de escolher caminhos, explorar valores e dilemas éticos, etc. Recentemente, alguns teóricos resolveram estudar o ato milenar de se contar histórias. Veja o que um deles diz: “Contar histórias é algo tão básico para os seres humanos como o ato de comer. De fato, pode ser até mais básico, porque, enquanto a comida nos mantém vivos, as histórias nos dão razão para continuarmos a existir”. (On Stories, Richard Kearney)

Sendo assim, a Rede Mãos Dadas desafia você educador a desenvolver uma de suas muitas histórias como uma ferramenta pedagógica para as crianças ou adolescentes com as quais trabalha.

Imagine esta cena: uma educadora convoca um grupo de crianças para sentarem em círculo no chão como a primeira atividade da tarde. Depois de conseguir a atenção das crianças, a educadora tira de sua bolsa uma imagem de um forno a lenha. Ela coloca a imagem no chão, para que todos vejam. E então passa a contar a seguinte história:

Quando eu era uma menina, minha mãe tinha de trabalhar muito e por isto ela nos deixava numa creche. Eu e meus dois irmãos (mais novos que eu) não tínhamos pai. Minha mãe tinha que dar conta de tudo. Saíamos de casa junto com ela, mas chegávamos antes dela e ficávamos esperando sozinhos em casa. Morávamos numa cidadezinha do interior de Minas Gerais.

No tempo do inverno fazia muito frio e quando ela chegava, a primeira coisa que fazia era ascender o fogão a lenha. Ansiosos para receber um pouco de carinho e atenção dela, nós ficávamos disputando um lugarzinho na beira do fogão. Lá era quentinho. Além disso, sabíamos que dali a pouco tempo, do fogão sairia um aroma maravilhoso de angu e linguiça frita para o nosso jantar. Era muito bom ficar ali na beira do fogão.

Você já tentou acender um fogo? Sabe como é difícil no início porque é necessário usar alguma coisa que pega fogo rápido, como papel, pequenos gravetos, ou capim seco? Então, muitas vezes
nós ajudávamos a minha mãe. Ela fazia bolas de papel amassado com um jornal velho ou folhas de cadernos velhos. A gente jogava no meio da lenha. Era muito divertido ver o fogo crescer e se estender para a lenha mais grossa.

Um dia, quando estávamos fazendo isto, meu irmãozinho de 3 anos pegou uns “papeis” que estavam no avental da minha mãe, amassou bem rapidinho e jogou no fogo. Só que o que ele tinha pegado não era papel. Era o dinheiro que minha mãe tinha recebido como pagamento pelo seu dia de trabalho. Minha mãe viu um dia inteiro de trabalho, nove longas horas, se desfazendo a sua frente. Acho que a primeira coisa que ela pensou quando viu as notas queimando foi: “Como vou comprar pão e leite para eles amanhã”?

O que você faria numa situação destas? Você acha que meu irmãozinho merecia apanhar? Minha mãe sabia que ele não tinha feito isto por maldade e que estava assustado com a nossa reação. Além do mais, minha mãe não batia em nós. Ela conversava, às vezes nos colocava de castigo e outras vezes nos fazia assumir as consequências por algo errado que tivéssemos feito. Mas neste dia ela não brigou com meu irmãozinho. Os olhos dela se encheram de lágrimas e ela continuou cozinhando o jantar para nós.

Hoje eu também sou mãe. Quando me lembro desta história, eu fico pensando como minha mãe se sacrificou por nós e como às vezes a gente esquece de agradecer as pessoas que cuidam da gente. Então hoje eu quero fazer com vocês uma lista de todas as pessoas que cuidam de vocês no seu dia a dia e o que elas fazem. Talvez você vá descobrir que tem pessoas que ajudam você de forma invisível. Você não vê o que ela faz assim como eu não via o que minha mãe fazia quando estava longe de nós. Este é um exemplo simples de uma história pessoal aplicada a um objetivo
que ela quer desenvolver com as crianças. Ela poderia simplesmente resumir tudo em uma única fala: “Tem muitas pessoas na nossa vida que nos ajudam. Algumas delas a gente nem percebe porque não estão com a gente o dia todo. Precisamos ter gratidão por elas”. Mas será que esta mensagem teria o mesmo efeito se fosse apresentada desta maneira?

CONFIRA AS CARACTERÍSTICAS DE UMA BOA HISTÓRIA
Uma boa história contém poucos personagens e um contexto específico que dá para as crianças ou adolescentes imaginarem a cena. É como se você estivesse pintando um quadro. Imagine que eles estão vendo a cena por uma janela: o que fica dentro da cena, o que não precisa estar lá? Um excesso de elementos distrai o seu ouvinte. A ausência de elementos impede que o seu ouvinte crie a cena em sua imaginação. Na história acima, você consegue visualizar a cena?

Uma boa história convida o ouvinte a se identificar com os sentimentos do protagonista principal e a torcer por ele. Ela me convida a entrar nos sapatos de alguém e ver o mundo do seu ponto de vista. Você acha que a educadora o convida a sentir o que ela sentiu?

Uma boa história apresenta um conflito básico. Qual deveria ser a reação da mãe ao ver o dinheiro queimando? Qual o dilema que ela enfrentou? Como o resolveu? Tudo que é incluído na parte introdutória da história deve ressaltar a importância deste conflito. A família era pobre, queimar o dinheiro de uma diária para uma mulher cujo marido tem uma mercearia, por exemplo,
não representaria conflito algum.

Uma boa história forma um arco narrativo.

Uma boa história pode terminar de duas formas: Com um final feliz – O conflito foi resolvido de forma satisfatória, o mundo tem uma ordem, não é preciso temer. Estas são as histórias que “dão esperança”. Com um final triste – O conflito por não ter sido resolvido, causou uma consequência indesejada. Estas são as histórias que “servem de lição”.

A Bíblia está cheia dos dois tipos! Um exemplo do segundo tipo na cultura popular é a história do menino que fingia que estava afogando. No dia em que, de fato, começou a se afogar, ninguém se moveu porque acharam que ele estava brincando. Usamos estas histórias para alertar os ouvintes em relação a algum perigo ou ameaça. As histórias que “dão lição” são muito importantes. No entanto, é aconselhável manter o equilíbrio entre estas e as que “dão esperança”. Ninguém gosta de pensar na vida como um grande pântano cheio de perigos e obstáculos! A história da menina e sua mãe é um exemplo de qual destes dois tipos?

Finalmente, não imagine que o domínio da língua portuguesa e todas as suas normas cultas é exigência para saber contar histórias. Muito antes de termos o português, os seres humanos já contavam histórias. Se tiver dúvidas, visite pessoas mais velhas na zona rural. Às vezes não sabem nem ler ou escrever, e mesmo assim conseguem prender a sua atenção por muito tempo contando seus “causos”.

 

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