Tempo para Entrar na Dor do Outro
Por Siméa Meldrum
“Todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente”. Shakespeare
É interessante que quando estamos ‘mal’, ‘pra baixo’, ‘triste’, ‘deprimido’, vivendo um desespero, um diagnóstico que muda a nossa história ou a história de quem amamos, uma crise existencial, uma dor humana, um deserto.., quando não estamos ‘bem o suficiente para sorrir’, quando queremos desistir de tudo, e até mesmo da vida, enfim, quando a nossa dor ecoa alto demais.. para que consigamos abafar… Então, surgem pessoas ao nosso redor que parecem ter as mais incríveis soluções para que a nossa dor seja ‘dominada’, ‘extirpada’… ‘superficializada’, ‘generalizada’, ‘engolida’, colocada de volta no lugar de onde ela não deveria ter saído!! Muitas pessoas se prontificam a dizer e ensinar que se fizermos um esforço a dor vai passar. Outros tentam nos convencer que temos alguma responsabilidade por isso e sutilmente nos fazem nos sentir culpados pela nossa própria tragédia existencial e ‘humana’, chegam a julgar nossa vida e em pouco tempo sabem tudo sobre como chegamos a essa situação. Podem até fazer julgamentos pesados, cruéis e frios…. Conhecemos a historia de Jó e vemos que tudo isso sempre aconteceu entre humanos.
Mas, o mais comum é não querer gastar tempo com quem esta sofrendo. Por vários motivos: 1. Não queremos perder tempo; 2. Não sabemos o que dizer ou fazer; 3. Não aceitamos o sofrimento e por isso não queremos nos aproximar dele; 4. Nos sentimos impotentes e por isso achamos que nos não poderemos ajudar em nada….
Porem, o pior de todos os motivos é a indiferença, ou a falta de sensibilidade pelo próximo. E por causa desta falta de sentimento pela dor do próximo, foi que Jesus o colocou num padrão tão elevado no julgamento final. Mateus 25:31 nos mostra o padrão do julgamento; pois não seremos julgados por aquilo que fizemos, mas pelo que deixamos de fazer.
Ao estar perto de alguém que sofre assim, o que fazer para não pisar na cana quase quebrada?
Não existe uma cura imediata para alguém que sofre. Essa pessoa precisa principalmente de amor, pois o amor detecta instintivamente o que é necessário. Jean Vanier, que fundou o movimento L’Arche (A Arca) para os deficientes mentais, afirma: “Pessoas feridas que foram machucadas pelo sofrimento e doença pedem apenas uma coisa: um coração que as ame, se comprometa e que seja cheio de esperança.”
Um amor assim pode ser doloroso para nós. O apóstolo Paulo nos lembra o significado do amor verdadeiro: “tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1 Coríntios 13:7).
Muitas vezes Deus costuma usar pessoas comuns para trazer a Sua cura. Aqueles que sofrem não precisam do nosso conhecimento e sabedoria, eles precisam do nosso amor.
Eu aprendi o que é amar o próximo desta forma, quando comecei a trabalhar com crianças de rua, em 1992, em Olinda. Meus filhos eram muito pequenos, e eu era uma mãe muito coruja. Todo o cuidado com a alimentação, forma de falar com eles, nem todos os assuntos podiam ser discutidos na presença deles…. etc. E, sem falar na minha preocupação em orar e trabalhar para que todos fossem evangelizados antes de entrar na adolescência. Toda a oportunidade de ensinar a Palavra era preciosa.Mas, um dia quando sai para fazer compras, eu vi uma cena terrível; um adolescente de rua foi esmagado por dois ônibus, quando ele estava pegando carona pendurado na porta. A cena foi terrível, mas a indiferença dos passantes, marcou minha vida. Logo depois foram acontecendo uma serie de episódios com crianças que viviam na rua e que não existia nenhuma forma deles serem protegidos. Não existia o ECA, nem as politicas públicas que hoje oferece alguma proteção e direitos.
Mas, o pior eram as pessoas em geral. Raramente encontrávamos alguém que se preocupasse. E para mim, mãe de filhos pequenos, comecei a ver cada uma daquelas crianças como se fossem minhas.
O que nos faz sentir a dor do outro? Por que alguns sentem e outros não?
Eu creio que naturalmente, o ser humano não consegue se colocar no lugar do outro. Mas, pelo amor de Jesus que habita em nós através do Espirito Santo, Ele mesmo nos move a olhar na direção que Ele olha.
Esta semana um pastor muito amigo disse uma frase que guardei com muito carinho: – “A Igreja que vive o Evangelho só pode se mover sobre duas pernas: a Bíblia e a Indignação.”
O AMOR de DEUS em nós não permite que vivamos para nos mesmos. Nós nos movemos com as coisas que movem o coração de Deus.
O trabalho com crianças em situação de vulnerabilidade social é acompanhado por uma serie destas oportunidades. Além das crianças que chegam para serem atendidas, elas trazem um histórico acompanhado de muitas outras pessoas envolvidas em dores e sofrimentos. E essa rotina também pode causar profundo sofrimento em quem tem que acompanhar esses casos. _Muitas pessoas envolvidas em trabalhos com pessoas que sofrem vulnerabilidade social, tem entrado em vários tipos de sofrimento. Exaustão; Irritabilidade; Breakdown; Depressão…. Seja lá o diagnostico, mas é algo que acontece com frequência.
Neste clima de sofrimento e dor, somos desafiados a trazer abrigo, consolo, alivio, compreensão, apoio…..cura. Essa é nossa Missão ! Para isso fomos chamados. Porém, nem sempre estamos prontos para assumir essa tarefa; porque também somos vulneráveis. O ambiente de trabalho já é um abrigo para todo sofrimento, e o pior deles é o sofrimento de crianças e adolescentes. E isso nos afeta profundamente.
Tempo para Entrar na Dor do Outro.
Jesus é nosso modelo de empatia perfeita.
“Foi desprezado e rejeitado pelos homens, um homem de dores e experimentado no sofrimento. Como alguém de quem os homens esconderam o rosto, foi desprezado, e nós não o tínhamos em estima. Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermidades e sobre si levou as nossas doenças; contudo nós o consideramos castigado por Deus, por Deus atingido e afligido. Mas ele foi transpassado por causa das nossas transgressões, foi esmagado por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos trouxe a paz estava sobre ele, e pelas suas feridas fomos curados.” Isaías 53.3-5
Watchaman Nee que diz: “Cuidar do arado enquanto se seca as lágrimas: isso é cristianismo”.
Depois que você entra na dor do outro, principalmente crianças e adolescentes, você não pode olhar pra traz nem deixar de enxugar suas lagrimas e as de outros.
Ver. Sentir. Julgar. São os três passos que damos quando conhecemos o Coração de Deus. Foi o que Jesus fez quando subiu na cruz para julgar o sofrimento humano.
A Cruz é o nosso maior exemplo… aquela dor que Jesus sentiu, não era dEle. Era minha e sua. Jesus não precisava sentir dor, não precisava morrer na Cruz, mas o fez, por mim e por você.
Não podemos escolher um tempo para entrar na dor do outro, porque ele nos surpreenderá no caminho, como surpreendeu o samaritano. E, aquele samaritano foi o único que entendeu o Evangelho do Amor de Deus.
Viver o cristianismo, ser cristão, seguir os passos de Jesus é exatamente isso. Deixar de maximizar meus problemas, me tirar do centro de tudo, e entender que existe alguém que precisa de mim. É se preocupar com a dor do outro, como se fosse a sua dor.
Espero que possamos ser cada dia mais parecidos com Jesus, aprender a orar pelas causas das crianças que sofrem, que não são diretamente nossas, a chorar por elas mas, descer de nossas ocupações para servir de forma que traga transformação aquela situação. . Que possamos cuidar do arado, da obra, do Reino, enquanto secamos nossas próprias lágrimas!
Que o Senhor te abençoe e derrame sobre você mais amor pelas crianças e adolescentes do nosso pais!
Siméa de Souza Meldrum