Água suja não pode ser lavada: saneamento básico na Amazônia
A reportagem a seguir é de 2009. Infelizmente ela continua bem atual e relevante para quem se preocupa com as crianças brasileiras habitantes de 60% de nosso espaço geográfico. Vale a pena ler! A foto ao lado ilustra o problema das famílias habitantes do interior: o rio provê a água usada para todas as atividades. Sem saneamento, as populações estão à mercê do que vier rio abaixo.
Para a maioria dos que a veem de fora, a Amazônia é uma enorme extensão verde salpicada de pequenas comunidades ribeirinhas. Nessa visão, a preservação das matas estaria garantida se o “povo da floresta” tivesse boas condições de vida e não precisasse destruir o ambiente para se sustentar. Pois bem, o povo não está mais na floresta. Começou a sair de lá nos anos 70. Há quarenta anos, apenas 3,5% da população da Amazônia vivia em cidades. Hoje, são 73%. Só as áreas metropolitanas de Manaus e Belém abrigam, cada uma, 2 milhões de habitantes. E eles vivem em condições semelhantes – mas, em geral, piores – às dos cidadãos do resto do país. Para os que moram lá, o problema mais grave não é a devastação. São as favelas, o crime e o desemprego – preocupações idênticas às de quem vive nas outras capitais do Brasil, com a agravante de que os nortistas dispõem da pior infraestrutura. Na região que concentra 80% da água doce do país, falta água encanada. Em Rondônia, apenas 40% das casas têm acesso a esse serviço. A situação dos esgotos é ainda pior: somente 9,7% dos domicílios do Norte estão ligados à rede coletora. A média nacional é de 51%. Mais de 90% dos municípios não dispõem de aterros sanitários. O lixo é disposto a céu aberto ou despejado in natura nos rios.
Como era de esperar, a ocupação desordenada das cidades teve severo impacto na saúde da população local. As doenças associadas à pobreza e ao súbito adensamento populacional grassaram. A hanseníase, por exemplo, acomete 54 de cada 100 000 habitantes da região, duas vezes e meia a incidência do resto do país. No Pará e no Amazonas, a tuberculose é quase endêmica. “Com o crescimento das favelas, a ocorrência dessas doenças aumentou, mas os dados oficiais são falhos. Muitos casos não integram as estatísticas oficiais porque a população não tem acesso ao sistema de saúde, e eles simplesmente não são diagnosticados”, diz Marcus Vinícius Lacerda, da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas. Na Amazônia, que já liderava as estatísticas de casos de leishmaniose, o avanço das cidades sobre a floresta contribuiu para sua propagação. Em apenas seis anos, entre 2002 e 2008, o número de ocorrências registradas dobrou: passou de 2,5 para 5,2 por 100 000 habitantes.
A urbanização repentina também trouxe a malária, que é típica da floresta, para o coração das cidades. Como a leishmaniose, a malária é transmitida por um mosquito, o Anopheles, e prolifera em zonas urbanas por incompetência das autoridades e desleixo dos moradores, que mantêm em casa água empoçada, na qual o inseto se reproduz. A doença é endêmica na Região Norte, que registrou 297 000 casos no ano passado. Manaus, que concentra o maior número de vítimas, sofre de um problema adicional para combater o mosquito. Encravados no meio da floresta, seus bairros são de fácil acesso para o Anopheles. A situação também é crítica em Porto Velho e Cruzeiro do Sul, a segunda maior cidade do Acre. Junto com Manaus, essas cidades concentram 25% das ocorrências nacionais de malária. A capital da malária, no entanto, é outra. É impossível encontrar um entre os 27 000 habitantes de Anajás, no Arquipélago de Marajó, que não tenha contraído a doença. “Aqui, a gente não pergunta se a pessoa já teve malária, mas quantas vezes ela teve”, diz Marcus Jardim, servidor da prefeitura local. Desde que chegou a Anajás, há três anos, Jardim contraiu a doença quatro vezes.
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