Para o agricultor aposentado Antônio Vidal de Lara, 71 anos, morador de longa data do Caçador, uma comunidade rural do município de Itaperuçu (cidadezinha no Paraná), pertencer é sinônimo de existir. Seu Antônio nasceu, cresceu e vive no mesmo município por sete décadas. Criou seus 14 filhos todos na mesma casa onde vive hoje. Sua casa está situada num local de fácil acesso para os outros moradores da comunidade. Fica entre a escola e a Igreja Católica, a mesma igrejinha onde Seu Antônio participa como ministro da eucaristia desde 1983. Na casa, há uma varanda extensa e uma cozinha espaçosa, evidências de que Seu Antônio e sua esposa Dona Paulina gostam de receber visitas.

Além disto, à medida que a família foi crescendo, Seu Antônio aprendeu a assistir a sua esposa nos partos de seus filhos pois o acesso a cuidados de saúde sempre foi precário no Caçador. Outras mulheres começaram a pedir socorro para o Seu Antônio, e ele acabou assumindo o papel de parteiro informal, papel que desempenha em casos de emergência, há mais de 30 anos. São muitas as crianças, hoje adultos, que receberam seus primeiros cuidados de vida pelas mãos do Seu Antônio. Tudo isto para dizer: seu Antônio pertence. Ele participa, ele influencia, se sente parte atuante de sua comunidade.

E foi exatamente este sentido de pertencimento que o levou a um dos maiores dilemas de sua vida.

Em 2010 Bebeto Araújo, na época diretor executivo do Centro de Treinamento Monte Horebe sediado em Itaperuçu, depois de muitas visitas ao Caçador, perguntou para o Seu Antônio: “Se você pudesse trazer um benefício para o Caçador, qual seria? Qual é o seu sonho?” Seu Antônio foi rápido na resposta: uma escolinha. O número de moradores na comunidade nunca convenceria a Secretaria de Educação do município de Itaperuçu a montar uma escola ali. Os custos de construção e manutenção de um prédio, o número de crianças a serem beneficiadas (pequeno para os padrões das administrações públicas atuais), os custos com professores qualificados e “não dispostos” a trabalhar tão longe da cidade, tudo isto transformava o sonho de Seu Antônio numa verdadeira utopia. Impossível.

Não para seu amigo sonhador, Bebeto. Este, via a dificuldade das crianças em chegar a escola como principal fator de desmotivação e abandono dos estudos. Se para professores a travessia por estradas alagadas, esburacadas e por vezes cheias de troncos de árvores recém-cortadas pela madeireira local, era difícil, quanto mais para as crianças? Ao invés de uma ação impossível, Bebeto viu uma oportunidade de abençoar uma comunidade. Monte Horebe é uma associação cristã evangélica e os motivos que levaram o grupo a assumir este projeto estão intimamente ligados à fé que professam em um Jesus que ama e prioriza os “pequeninos do reino”. Diante da necessidade de escolher um foco de atuação para a ONG, Bebeto propôs a seguinte pergunta para sua equipe: “Levando em conta o Jesus que conhecemos e seguimos e os lugares onde atuamos hoje, qual deles vocês acham que Jesus escolheria ficar?” A resposta foi unânime: o Caçador.

Dois sonhos unidos geram uma realidade

Seu Antônio doou um terreno de 9.000 m2 para a escola ser construída, Bebeto tratou de escrever e apresentar uma proposta para buscar o financiamento necessário para o projeto. A escola deixava de ser sonho e logo se tornaria uma realidade. Porém, neste momento surgiu uma oposição importante: a Paróquia Matriz São Pedro Apóstolo, responsável pela igrejinha no Caçador, chamou Seu Antônio para repreendê-lo. A acusação era que ele estaria trazendo evangélicos para a comunidade do Caçador e, sendo assim, ele não poderia continuar atuando como ministro da eucaristia.

Por pertencer, Seu Antônio sonhou e agiu em favor de sua comunidade. Mas sua ação agora o colocava vulnerável à exclusão! Por três meses este impasse se manteve. Seu Antônio conta este “causo” com lágrimas nos olhos. Foi por meio da Igreja Católica que ele aprendeu a ler. Foi pela fé cristã que ele conheceu a Deus. Um Deus que confirmou nele a necessidade de amar ao próximo e expressar a sua solidariedade em atos, não apenas palavras. A dor foi grande.

Foi também esta mesma fé que deu ao Seu Antônio a convicção de que seu sonho era bom o bastante para enfrentar a oposição. Manteve-se firme em sua doação e hoje há no local a Escola Comunidade Monte Horebe, Caçador. Este espaço serve para educar 26 crianças, empregar 4 funcionários da própria comunidade e de comunidades vizinhas. O espaço serve também para atividades de desenvolvimento comunitário, para os jovens e adultos que se encontram aos sábados para preparar e condicionar seus produtos para a venda em Itaperuçu, num projeto chamado “Coopera Caçador”.

Hoje seu Antônio tem prazer em visitar a escola trazendo um cacho de banana ou uma mandioca para a merenda. Tem mais prazer ainda em ver seu netinho ___ de 6 anos andar apenas 100 metros para chegar à escola. Sobre seus opositores, ele diz simplesmente “Esta pedra de gelo derreteu”.

 

Perguntas para reflexão:

  1. De acordo com este relato, quais são os sinais de que o Seu Antônio tem um sentido forte de pertencimento? Você consegue identificar uma outra pessoa com estas mesmas características na sua comunidade?
  2. Quais são as vantagens deste sentido de pertencimento tão forte? Pense nas coisas que não aconteceriam se este sentimento estivesse ausente.
  3. Que abusos ou excessos uma pessoa com forte sentimento de pertencimento pode cometer?
  4. Você já enfrentou uma situação na qual houve ameaça de exclusão porque queria fazer uma coisa boa para todos? O que aprendeu com esta situação?
  5. Você acha que pertencimento tem uma relação importante com a vocação? Ou seja, o fato de uma pessoa se sentir pertencente a um grupo ajuda-a no cumprimento da sua vocação?
    • Amém Rute! Que Deus abençoe para que tenhamos muito mais histórias como esta para contar! Agradecemos seu comentário! Volte mais para conhecer nossas postagens! Forte abraço!

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