Uma mudança que eu celebro: criança pobre tira férias!
Na semana passada levei meus filhos para o Acampamento Som do Céu, da MPC em Belo Horizonte, MG. O meu menor estava com medo de não conseguir ficar no acampamento todos os dias. Fizemos um acordo. Eu ficaria hospedada perto do acampamento. Se ele precisasse de mim, eu estaria bem ali, disponível.
Amigos de Viçosa ofereceram para usar a casa da família que fica em um condomínio próximo ao acampamento. A casa é normalmente usada por eles nos fins de semana como uma casa de campo. E assim foi. O condomínio é de classe média-alta com lotes que chegam a ser vendidos por 2 milhões de reais e uma vista de Belo Horizonte do alto das montanhas que é de tirar o fôlego.
Minha primeira pergunta ao entrar naquele ambiente, tão bonito, tão bem cuidado e tão diferente da minha realidade, foi me perguntar: “Como os condôminos deste lugar conseguem fazer a manutenção de propriedades tão sofisticadas?” E a resposta ficou evidente: há mais de 800 pessoas que vivem no condomínio desempenhando a função de caseiros. Há uma pequena “comunidade” de servidores, pessoas que moram nas propriedades, cuidam dos jardins, fazem reparos, mantém as casas limpas e prontas para receber seus donos e os hóspedes que os acompanham, cozinham, lavam as roupas de cama e tiram o lixo quando eles se vão.
A segunda pergunta que me ocorreu foi: “Onde estão as crianças?” Descobri que a maioria das crianças estava de férias! Durante o ano há ônibus escolar para elas, e apesar das pessoas empregarem os adolescentes para cortar grama, aqui ou ali, a prioridade, o modus operandi destas famílias, é preservar o lugar dos estudos na vida das crianças e adolescentes. O filho do caseiro do lugar onde fiquei estava de férias na casa da avó.
E a última pergunta que fiz foi para a esposa do caseiro que se chama Luzia*: “Você não tem medo de dormir sozinha numa propriedade tão grande?” Isto porque, seu marido sai algumas noites para trabalhar como vigia em um outro condomínio ali bem perto.
Sua resposta indica uma mudança que eu celebro!
“Não, eu fui acostumada muito cedo, a não ter medo”. A partir desta simples afirmação ela me contou que quando tinha 9 anos, sua mãe levou-a para trabalhar numa casa de família em Teófilo Otoni, norte de Minas Gerais. Seu trabalho inicial era cuidar de um bebê, mas logo veio o segundo e mais tarde toda a responsabilidade da casa. Quando ainda tinha 9 anos, a família saiu de férias e deixou-a cuidando da casa sozinha. Ela disse: “Eu estava na sala de televisão e comecei a ouvir alguém batendo na porta. Mas eu não queria atender porque estava sozinha. Continuaram batendo, batendo, por muito tempo até que eu decidi ir ver da sacada o que estava acontecendo”. De lá de cima ela gritou “Quem está aí?” e o ladrão que tentava arrombar a porta, julgando estar invadindo uma casa vazia, saiu correndo.
Luzia* terminou seu relato dizendo:
“Acho que hoje a família teria tido problema se deixasse uma criança sozinha numa casa por uma semana inteira!”
É esta a mudança que eu celebro. É verdade! Apesar de tudo, de tantas batalhas que a sociedade brasileira ainda precisa vencer para proporcionar uma vida digna para TODAS as nossas crianças, há vitórias. Não é mais do senso comum que uma criança de 9 anos esteja apta para cuidar de um bebê! Causa-nos hoje indignação pensar que uma família tire férias e deixe uma menina de 9 anos montando guarda sobre seus pertences!
Que 2014 seja um ano de vitórias para as 259 mil crianças e adolescentes no Brasil e os 3,5 milhões de crianças no mundo entre 5 e 11 anos de idade que trabalham, de forma remunerada ou não, em casas de terceiros! Para saber mais porque esta prática representa uma violência contra a criança, veja dados aqui.
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*Luzia é um nome fictício.