O chamado de Jeremias
Brennan Manning, um líder espiritual norte-americano de formação franciscana, escreve em seu livro Meditações para Maltrapilhos sobre a vocação de Jeremias e joga uma pequena luz sobre nossas vocações:
Jeremias lembra-nos que a vocação é aquilo que Deus quer. É aceitar-nos exatamente como ele nos fez, com nossos talentos, disposição e caráter, ou falta dele. Deus pode nos dar um talento para ensinarmos e cinco talentos para exercermos compaixão. Suas exigências podem ser tão costumeiras, tão comuns, que suscitam pouca reação em nossas emoções. Ainda assim, somente na vontade de Deus poderemos achar paz. Mesmo que a vontade de Deus esteja oculta de nós, segui-la só pode significar êxito. O profeta Jeremias é um exemplo fulgurante de fracassos bem-sucedidos.
E aí ele transcreve a passagem na qual Jeremias lamenta o seu chamado:
Senhor, tu me enganaste, e eu fui enganado; foste mais forte do que eu e prevaleceste. Sou ridicularizado o dia inteiro; todos zombam de mim. Sempre que falo, é para gritar que há violência e destruição. Por isso a palavra do Senhor trouxe-me insulto e censura o tempo todo. Mas, se eu digo: “Não o mencionarei nem mais falarei em seu nome”, é como se um fogo ardesse em meu coração, um fogo dentro de mim. Estou exausto tentando contê-lo; já não posso mais! Ouço muitos comentando: “Terror por todos os lados! Denunciem-no! Vamos denunciá-lo! ” Todos os meus amigos estão esperando que eu tropece, e dizem: “Talvez ele se deixe enganar; então nós o venceremos e nos vingaremos dele”. Mas o Senhor está comigo, como um forte guerreiro! Portanto, aqueles que me perseguem tropeçarão e não prevalecerão. O seu fracasso lhes trará completa vergonha; a sua desonra jamais será esquecida.
Senhor dos Exércitos, tu que examinas o justo e vês o coração e a mente, deixa-me ver a tua vingança sobre eles, pois a ti expus a minha causa. (Jeremias 20.7-12)
Na sua apresentação na contra-capa do livro os editores escrevem sobre Manning:
Um dos aspectos mais interessantes sobre a trajetória ministerial de Brennan Manning é o trânsito entre a academia e as favelas, a universidade e as vilas, povoados e cortiços. Pensador brilhante, especialista em Escrituras e liturgia, foi entre as populações carentes dos Estados Unidos e da Europa que encontrou o caminho para colocar em prática o tipo de cristianismo com o qual se comprometera desde o início de sua vocação: o da compaixão e serviço abnegado. Viveu em clausura e contemplação; carregou água para populações rurais e foi ajudante de pedreiro na Espanha; lavou pratos na França; deu apoio espiritual a presidiários suíços. Com a fé reafirmada, Brennan Manning retornou aos Estados Unidos, fixando-se inicialmente no Alabama, onde tentou organizar uma comunidade nos mesmos moldes da Igreja primitiva. Voltou ao campus no fim dos anos 1970 e, depois de enfrentar uma crise pessoal, começou a escrever e ministrar palestras, atividades que mantém até hoje, sempre com o objetivo de comunicar o amor incondicional de Deus em Jesus. “Aprendi de um sábio franciscano que, para quem conhece o amor de Cristo, nada mais no mundo é tão belo e desejável.” Faleceu em 12 de abril de 2013.
O que me chamou a atenção e me levou a escrever sobre ele neste post, é ver como Brennan parece se identificar com Jeremias pois sua vocação era “esquisita”, mal-compreendida e mal reconhecida pelo mundo. Considero esta uma experiência comum para quem trabalha no resgate, defesa e promoção das crianças e adolescentes mais vulneráveis. Nem sempre vamos ouvir elogios, nem sempre vamos ser compreendidos em nossas prioridades, e em nossa luta é bem provável que pisemos nos pés de alguns ao nosso lado. No entanto Jeremias nos lembra: o Senhor está conosco, como um forte guerreiro!
Brennan Manning faleceu no dia 12 de abril de 2013, sua carreira está encerrada. A nossa continua. Façamos então nossas a oração de Jeremias: “Deixa-nos ver a tua vingança sobre os maus, pois a ti expusemos a nossa causa.”
Mariana
Lindo testemunho.