Fale teólogo: Bonhoeffer consola menino
Um dos maiores heróis cristãos da Alemanha nazista, teólogo, pastor e martir da fé, Dietrich Bonhoeffer, escreveu esta carta para seu futuro cunhado, Walter Dress, durante o ano em que morou na Espanha trabalhando com ministério infantil, em 1928.
Hoje encontrei um caso bem original em meu aconselhamento pastoral, o qual eu gostaria de recontar a você brevemente e que, apesar de sua simplicidade, realmente me fez pensar. Às onze da manhã, ouvi uma batida na porta e um menino de dez anos entrou na minha sala com algo que eu tinha pedido de seus pais. Notei que havia algo errado com ele, que, em estado normal, era a alegria personificada. E logo descobri o motivo: o garoto começou a chorar, fora de si, e eu só pude ouvir as palavras: “Herr Wolf ist tod” [Senhor Lobo morreu], e chorava sem parar.
“Mas quem é o senhor lobo?”. Como se vê, era um cachorro, um jovem pastor alemão, doente havia oito dias, e que morrera menos de meia hora atrás. O menino, inconsolado, sentou-se no meu joelho e mal conseguia se recompor. Disse-me como o cão morrera e que tudo estava acabado agora. Ele só se divertia com o cachorro; toda manhã, o cachorro subia em sua cama e o acordava – e agora o cão tinha morrido.
O que eu poderia dizer? Ele falou sobre o cão durante um bom tempo. De repente, interrompeu o choro e disse: “Mas eu sei que ele não está morto de verdade”. “O que você quer dizer?” “O espírito dele está no céu agora, onde há felicidade. Uma vez, na aula, um garoto perguntou à professora de religião se ela sabia como era o céu, e a professora respondeu que ela ainda não tinha estado lá para saber; mas, me diga, eu vou ver o Senhor Lobo mais uma vez? Tenho certeza de que ele foi para o céu”.
Portanto, lá estava eu, pensando se deveria responder sim ou não. Se dissesse “não sabemos”, serio o mesmo que dizer “não” […]. Então, decidi-me o mais rápido possível e disse para ele: “Veja, Deus criou seres humanos e animais, e tenho certeza que ele ama os animais. E eu acredito que, para Deus, todos os que amarem uns aos outros na terra – amarem de verdade – estarão junto dele, pois o amor é parte de Deus. Agora, como isso acontece, temos de admitir que não sabemos”.
Você deveria ver a expressão de felicidade no rosto do menino; ele parou de chorar na hora. “Então eu verei o Senhor Lobo de novo quando eu morrer; e aí vamos poder brincar juntos novamente” – numa palavra, ele ficou extasiado. Repeti para ele diversas vezes que não sabemos realmente como isso acontece. Ele, todavia, sabia, e sabia de forma definitiva em sua mente.
Depois de poucos minutos, ele disse: “Hoje eu realmente fiquei com raiva de Adão e Eva; se eles não tivessem comido a maçã, o Senhor Lobo não teria morrido”. A história toda era tão importante para o garoto quanto para nós quando algo muito ruim acontece. Mas estou quase surpreso e, digamos, emocionado pela ingenuidade da devoção despertada em tal momento num menino que, instantes atrás, não conseguia pensar em nada. E lá permaneci – eu, que supostamente deveria “saber a resposta” – sentindo-me muito pequeno em relação a ele; e não consigo esquecer a expressão de confiança em seu rosto quando ele foi embora.
Trecho retirado do livro BONHOEFFER PASTOR, MÁRTIN, PROFETA, ESPÍA, escrito por ERIC METAXAS.