A Diáspora Brasileira: campo e agente da missão
Mais de 4,5 milhões de brasileiros vivem fora do país
Por Williton Itozamir Batista de Farias
Na história da missão cristã, os deslocamentos humanos sempre estiveram presentes. Às vezes como rotas organizadas de envio; outras, como consequências da dor, da guerra, da pobreza ou da busca por dignidade. O que nem sempre percebemos é que, por trás desses fluxos, existe um movimento divino silencioso, mas intencional. Deus tem usado a mobilidade como estratégia missionária.
A diáspora brasileira, fenômeno que envolve milhões de brasileiros que vivem fora do país ou que foram deslocados internamente dentro dele, é parte desse enredo global. Segundo dados do Itamaraty, mais de 4,5 milhões de brasileiros vivem fora do país atualmente. Em cidades como Lisboa, Tóquio, Londres ou Boston, encontramos comunidades brasileiras não apenas sobrevivendo — mas também evangelizando, servindo e plantando igrejas. Muitas dessas pessoas não foram “enviadas” por agências missionárias — foram pela dor, pela necessidade ou pela oportunidade. Mas chegaram como agentes do Reino, conscientes ou não.
O missiólogo David Bosch, em sua obra Missão Transformadora, afirma que “a missão é antes de tudo um movimento de Deus ao mundo e só em segundo lugar um movimento da Igreja”. A lógica da missão, portanto, não se limita ao planejamento institucional, mas se realiza onde há discípulos em movimento, vivendo e anunciando a reconciliação de todas as coisas com Deus.
A lógica da missão não se limita ao planejamento institucional, mas se realiza onde há discípulos em movimento, vivendo e anunciando a reconciliação de todas as coisas com Deus.
Esse movimento está presente também dentro do próprio território brasileiro. A chamada diáspora interna — formada por migrantes nordestinos no sudeste, por populações indígenas removidas, por comunidades quilombolas ameaçadas, por favelas compostas de múltiplos sotaques — revela um Brasil que carrega o Evangelho consigo mesmo. O geógrafo Milton Santos já nos alertava sobre os efeitos da urbanização excludente, que “não oferece lugar aos deslocados, senão como mão de obra barata”. O Reino, no entanto, os reconhece como sementes e agentes.
Na mesma direção, a teóloga negra Lélia Gonzalez nos ajuda a ver que, para os negros brasileiros, a migração sempre foi marcada por “experiências diaspóricas forçadas”, onde a religiosidade e a resistência cultural caminham juntas. Isso tem implicações diretas para a missão: onde há descolamento, há uma luta por identidade, por pertencimento e, muitas vezes, por fé que sustente a travessia.
O brasileiro na diáspora é, portanto, campo missionário — alguém que precisa de cuidado, discipulado, acolhimento, especialmente quando enfrenta o racismo, o choque cultural, a saudade e a solidão. Mas é também agente missionário — pois leva consigo uma espiritualidade relacional, comunitária, informal e vibrante. O missiólogo Samuel Escobar chama isso de “missão encarnada”, aquela que “nasce no meio do povo, com o povo, e segue seu ritmo e suas dores.”
Esse cenário nos desafia a rever nossas categorias missionárias. Nem todo missionário tem apoio financeiro ou título de enviado. Nem todo campo é “tribal” ou distante. Alguns campos estão no salão de beleza em Lisboa, no app de entregas em Paris, na plantação em Roraima, ou na quebrada onde os sotaques se misturam. A missão hoje é transnacional, urbana, periférica e fluida.
O teólogo anglicano Lesslie Newbigin, refletindo sobre a missão no mundo moderno, escreveu que “a Igreja está presente no mundo como sinal, instrumento e antecipação do Reino de Deus.” Se levarmos isso a sério, precisamos reconhecer que a Igreja já está em movimento — e muitas vezes, sem saber, está onde mais se precisa dela.
“A Igreja está presente no mundo como sinal, instrumento e antecipação do Reino de Deus”.
Aos que se dedicam à missão, fica o convite:
- Enxergue a diáspora não apenas como tragédia, mas como oportunidade.
- Olhe para o migrante com respeito e sensibilidade, não apenas como alvo, mas como parceiro.
- Releia Atos 8 com olhos de hoje: os dispersos pregaram por onde foram.
- E perceba que talvez, o que chamamos de crise migratória, Deus esteja chamando de envio estratégico.
A missão não parou. Ela só mudou de rota.
- Williton Farias é professor de Missiologia com foco em estudos da Diáspora, área na qual desenvolve pesquisas e atua como mobilizador missionário. É graduado em Geografia e Teologia, com especialização em Missões Transculturais, e atualmente cursa mestrado em Ministério Pastoral. Pastor em Patos (PB), também dirige o polo local do Seminário Betel Brasileiro, contribuindo na formação de líderes missionais. Participou do Lausanne 4 no grupo “People on the Move” e tem se dedicado à reflexão e prática missionária entre migrantes, refugiados e povos transnacionais, unindo fundamentos bíblicos aos desafios da mobilidade humana contemporânea.
Referências bibliográficas:
BOSCH, David J. Missão Transformadora. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1991.
ESCOBAR, Samuel. Uma Missão Transformadora. São Paulo: Vida Nova, 2002.
NEWBIGIN, Lesslie. A Igreja no Mundo. São Paulo: Ed. Vida, 1989.
SANTOS, Milton. O Espaço do Cidadão. São Paulo: Edusp, 1996.
GONZALEZ, Lélia. Por um Feminismo Afro-Latino-Americano. São Paulo: Boitempo, 2020.
Imagem: Pixabay.
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