Refúgio é um Direito: Vozes, Lutas e Esperanças no Dia Mundial do Refugiado
“Eles perderam o lar, mas não a esperança. E a esperança precisa de acolhimento.”
Por Williton Itozamir Batista de Farias
Por que lembrar?
Imagine acordar um dia e descobrir que tudo ao seu redor desmoronou. Sua casa foi bombardeada. Sua escola fechada. Sua língua, sua cultura, seu nome… passaram a ser alvos de desconfiança. Essa é a realidade de milhões de pessoas ao redor do mundo que, forçadas por guerras, perseguições e desastres, deixam tudo para trás em busca de segurança.
Todo 20 de junho, o mundo se volta para essas histórias no Dia Mundial do Refugiado, uma data instituída pela ONU para lembrar que o direito ao refúgio é, antes de tudo, o direito à vida, à dignidade e à esperança. Mas será que estamos realmente ouvindo essas vozes?
O que é ser refugiado?
Nem todo migrante é refugiado. A Convenção de Genebra de 1951 define refugiado como alguém que se vê forçado a sair de seu país por fundado temor de perseguição — seja por motivos religiosos, políticos, étnicos ou de pertencimento a grupos sociais específicos. Ao contrário dos migrantes voluntários, o refugiado não escolhe sair. Ele foge.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) coordena, desde 1950, as ações globais para proteção e reassentamento dessas pessoas. E foi justamente para ampliar essa visibilidade que, em 2001, a ONU instituiu o Dia Mundial do Refugiado.
Números que gritam
Segundo o ACNUR, o mundo registrou mais de 120 milhões de pessoas deslocadas à força em 2024, sendo 43,3 milhões de refugiados reconhecidos internacionalmente. A maioria vem de países como Síria, Venezuela, Ucrânia, Afeganistão e Sudão do Sul. As causas são múltiplas: conflitos armados, colapsos econômicos, mudanças climáticas e perseguições sistemáticas.
No Brasil, mais de 65 mil pessoas têm status de refugiado reconhecido, segundo dados do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE). A maioria vem da Venezuela, mas também há fluxos significativos de haitianos, sírios, congoleses e afegãos. São famílias inteiras tentando reconstruir suas vidas em terras estranhas, muitas vezes sem sequer dominar o idioma local.
Os desafios do recomeço
Refugiar-se não é chegar ao fim da estrada. É, na verdade, começar outra — íngreme e cheia de obstáculos. A burocracia para obtenção de documentos, a dificuldade de acesso ao trabalho formal, o racismo, a xenofobia, o isolamento cultural e as barreiras linguísticas formam um verdadeiro labirinto social.
Além disso, o trauma do deslocamento forçado deixa marcas profundas na saúde emocional dessas pessoas, especialmente entre crianças e adolescentes que, muitas vezes, assistem à destruição de seus mundos sem compreender o porquê.
Acolher é resistir
Apesar dos desafios, há histórias que brilham como faróis de esperança. Iniciativas como a Missão Paz (SP), a Cáritas Brasileira, a rede de apoio da Aldeias Infantis SOS e os projetos da Igreja Batista em Boa Viagem (PE) têm proporcionado abrigo, aulas de português, encaminhamento ao trabalho e, principalmente, dignidade.
Em Roraima, fronteira com a Venezuela, o projeto “Acolhida Solidária” da Operação Acolhida já ajudou mais de 100 mil pessoas no processo de interiorização — uma chance de recomeçar em outras cidades brasileiras.
E, em muitas comunidades de fé, o ato de acolher o estrangeiro tem sido redescoberto como expressão prática do evangelho.
Ética, fé e hospitalidade
A hospitalidade não é apenas um valor humano — é também um princípio ético e espiritual. A Bíblia afirma: “Quando um estrangeiro habitar convosco na vossa terra, não o oprimireis. Como o natural entre vós será o estrangeiro que peregrina convosco” (Levítico 19.33-34).
Na tradição cristã, Jesus se identifica com o forasteiro: “Fui estrangeiro, e me acolhestes” (Mateus 25.35). Acolher o refugiado é, portanto, mais do que caridade. É um ato de justiça, uma resposta de fé.
E agora?
O Dia Mundial do Refugiado não é só uma data no calendário: é um espelho da nossa humanidade. Ele nos desafia a deixar de lado o conforto da indiferença e a assumir o compromisso com a empatia e a ação.
Como ajudar? Informe-se. Doe para instituições confiáveis. Voluntarie-se. Abra espaços em sua igreja, escola, empresa ou família. Compartilhe histórias. Quebrar o silêncio também é forma de acolher.
Porque ninguém escolhe ser refugiado. Mas todos nós podemos escolher ser abrigo.
- Williton Farias é professor de Missiologia com foco em estudos da Diáspora, área na qual desenvolve pesquisas e atua como mobilizador missionário. É graduado em Geografia e Teologia, com especialização em Missões Transculturais, e atualmente cursa mestrado em Ministério Pastoral. Pastor em Patos (PB), também dirige o polo local do Seminário Betel Brasileiro, contribuindo na formação de líderes missionais. Participou do Lausanne 4 no grupo “People on the Move” e tem se dedicado à reflexão e prática missionária entre migrantes, refugiados e povos transnacionais, unindo fundamentos bíblicos aos desafios da mobilidade humana contemporânea.
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