Em sua essência, o cristianismo é o próprio Cristo. É um relacionamento pessoal com Cristo como nosso Salvador, Senhor e Amigo. Mas como alguém pode se comprometer assim com ele?

Algo a admitir

Admitir. O nosso primeiro passo deve ser admitir que (para usar o vocabulário tradicional) nós somos “pecadores” e precisamos de um “Salvador”. Por “pecado” a Bíblia quer dizer egocentrismo. A ordem de Deus é que o amemos em primeiro lugar, depois o nosso próximo e, por último, a nós mesmos. O pecado consiste precisamente em se inverter esta ordem. Pecado é colocar a nós em primeiro lugar, depois o nosso próximo (quando nos convier) e Deus em algum lugar remoto. Em vez de amar a Deus com todo o nosso ser, nós nos rebelamos contra ele e seguimos o nosso próprio caminho. Em vez de amar e servir ao nosso próximo, nós, por egoísmo, alimentamos os nossos próprios interesses. E, quando vêm os nossos melhores momentos e nos damos consciência disso, ficamos profundamente envergonhados.

Além do mais, o nosso pecado nos separa de Deus, pois ele é absolutamente puro e santo. Deus não pode conviver com o mal, nem olhar para ele, nem aquiescer com ele. A Bíblia descreve Deus como uma luz ofuscante e um fogo consumidor. Então a sua “ira” (que, longe de ser uma espécie de malícia pessoal, consiste na sua justa hostilidade em relação ao pecado) cai sobre nós. Como consequência, o que nós mais necessitamos é de um “Salvador” que possa vencer o abismo que existe entre nós e Deus, já que as pontes que nós mesmos tentamos construir não alcançam a outra margem. Nós precisamos do perdão de Deus e de um novo começo.

Dos quatro passos, o primeiro é provavelmente o mais difícil de tomar, porque nós o consideramos humilhante. Preferimos confiar em nós mesmos, consolidar nossa autoestima e insistir em tentar dar conta de tudo sozinhos. Com essa atitude, nunca chegaremos a Cristo. Como ele mesmo disse: “Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. Eu não vim para chamar justos [isto é, os que se consideram justos], mas pecadores” (Marcos 2.17). Em outras palavras, assim como não vamos ao médico a não ser que estejamos doentes e admitamos isso, também não iremos a Cristo a não ser que sejamos pecadores e admitamos essa realidade. A recusa orgulhosa de reconhecer isso já manteve mais gente fora do reino de Deus do que qualquer outra coisa. Nós temos de nos humilhar e admitir que salvar a nós mesmos é algo impossível.

Algo para crer

Precisamos crer que Jesus Cristo é justamente o Salvador que nós acabamos de admitir que precisávamos. De fato, ele é o único que tem as condições necessárias para salvar pecadores em virtude de quem ele é e do que ele fez. Quem é ele? Ele é o eterno Filho de Deus que se tornou humano em Jesus de Nazaré, e é o único e exclusivo Deus-homem. O que ele fez? Depois de um ministério público caracterizado por um serviço abnegado, foi por vontade própria a Jerusalém e à cruz. Ele havia dito anteriormente que iria, por sua própria vontade, “dar a sua vida” por nós (ver João 10.11, 18) e que iria “dar a sua vida em resgate” por nós (Marcos 10.45). Com isso ele implicava que nós éramos prisioneiros sem a mínima possibilidade de escapar e também que o preço que ele pagaria pelo nosso resgate seria o sacrifício de sua própria vida. Ele se tornaria nosso substituto, morrendo em nosso lugar. Da mesma forma como assumiu a nossa natureza humana ao nascer, assim também ele assumiria o nosso pecado e a nossa culpa, com a sua morte. E foi isso que ele fez. Na cruz ele suportou, embora fosse inocente, a temível penalidade que os nossos pecados mereciam, isto é, a morte, que é a separação de Deus.

É claro que a fé cristã abrange muito mais do que a pessoa e a obra de Cristo. Mas essas duas verdades são essenciais. É claro, também, que a pessoa divino-humana de Jesus, bem como a sua morte, carregando os nossos pecados (a encarnação e a expiação, se quisermos usar os termos teológicos), vão além da nossa compreensão. Passaríamos a vida inteira, e provavelmente toda a eternidade, tentando penetrar nas profundezas desses mistérios. Mas mesmo assim os fatos narrados nos Evangelhos são evidências suficientes para nós: o Filho de Deus se tornou humano em Jesus de Nazaré, morreu pelos nossos pecados na cruz e ressuscitou da morte para pagar o preço devido por eles. São essas verdades que o qualificam para salvar a nós, pecadores; jamais houve algum outro que reunisse tais condições.

Algo a considerar

O terceiro passo é considerar que, além de nosso Salvador, Jesus Cristo quer ser o nosso Senhor. Ele é, de fato, “nosso Senhor e Salvador Jesus Cristos” (por exemplo, 2 Pedro 3.18), e nós não temos a mínima autoridade de reparti-lo em dois, respondendo somente a uma metade e rejeitando a outra. Pois o fato é que ele faz ofertas, mas também exigências. Ele nos oferece a salvação (o perdão e o poder libertador do seu Espírito) e exige a nossa lealdade total e consciente.

Cristo também nos chama ao arrependimento. E isso não significa apenas remorso, um vago sentimento de culpa e de vergonha; trata-se de uma virada decisiva, de um repúdio total a tudo que sabemos desagradar a Deus. Nem é somente negativo e referente ao passado. Inclui uma determinação de seguir o caminho de Cristo daqui em diante, de tornar-nos seus discípulos e de aprendermos a obedecer aos seus ensinamentos (cf. Mateus 11.28-30). Ele disse aos seus contemporâneos que eles deveriam considerar os custos de segui-lo. E acrescentou que se não estivermos dispostos a colocá-lo em primeiro lugar, antes mesmo de nossos relacionamentos, nossas ambições, nossas posses, não podemos ser seus discípulos (Lucas 14.25-27). Ele nos chama a uma lealdade irrestrita, de coração inteiro – nada menos do que isso.

Algo a fazer

Os três primeiros passos foram uma atividade mental. Nós admitimos que somos pecadores e que precisamos de um Salvador. Cremos que Jesus Cristo veio e morreu para ser nosso Salvador. Consideramos que ele quer ser também nosso Senhor. Mas ainda não fizemos nada a respeito. Então agora precisamos fazer a pergunta que a multidão fez a Pedro no dia de Pentecostes: “Irmãos, que faremos?” (Atos 2.37). Ou mais ainda, a pergunta que o carcereiro de Filipos fez a Paulo e Silas: “Senhores, que devo fazer para ser salvo?” (Atos 16.30). A resposta é: cada um de nós precisa ir pessoalmente a Jesus Cristo e implorar por sua misericórdia. Uma coisa é admitir que precisamos de um Salvador; outra é afunilar a nossa necessidade de Cristo e crer que ele veio e morreu para ser o Salvador do qual precisamos. Mas então temos algo a fazer: pedir-lhe para ser nosso Salvador e nosso Senhor. É esse ato de compromisso pessoal que falta a muitas pessoas.

O versículo que deixou isso claro para mim (lamentavelmente, quase dezoito meses depois de ter dado testemunho público da minha fé) é com justiça um favorito de muitos cristãos. Nele é Jesus mesmo quem está falando, e é isto que ele diz: “Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele, e ele comigo” (Apocalipse 3.20). Jesus se descreve como se estivesse parado do lado de fora da porta fechada de nossa personalidade. Ele está batendo para chamar a nossa atenção para a sua presença e para expressar o seu desejo de entrar. Então acrescenta uma promessa: se abrirmos a porta, ele vai entrar e nós cearemos juntos. Ou seja: a alegria da comunhão que teremos um com o outro será tão imensa que pode ser comparada a um banquete!

Trecho extraído do livro Como Ser Cristão. Ultimato, 2016.

 

A VIDA EM CRISTO | JOHN STOTT

A fé cristã e a vida cristã autênticas têm como base a centralidade de Jesus Cristo. O que isso significa?

Prático e fácil de ler, A VIDA EM CRISTO apresenta as implicações da vida cristã a partir das “preposições” usadas no Novo Testamento. Para John Stott, viver em Cristo, por meio de Cristo, sob Cristo, com Cristo, por Cristo e para Cristo mostra os diferentes aspectos do relacionamento com ele e, em cada caso, com o próprio Jesus Cristo no centro.

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